Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Grupo Antimanicomial de Atenção Integral: reflexão da atuação que entrelaça saúde mental e direito
Marcela Endres Balbão, Daniele Fraga Dalmaso

Última alteração: 2015-12-14

Resumo


Este resumo tem a proposta de compartilhar as experiências e a atuação prática de um grupo multidisciplinar de estudantes e profissionais, que apostam na potência da interface entre o conhecimento jurídico e a garantia de um cuidado em saúde mental conforme preconizado na RAPS.  O GAMAI (Grupo Antimanicomial de Atenção Integral) é um dos grupos que compõe o SAJU (Serviço de Assessoria Jurídica Universitária) vinculado à UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). O SAJU é um projeto de extensão que propõe aos estudantes, de direito principalmente, uma oportunidade de construção dos conhecimentos adquiridos em sala de aula alinhado às necessidades reais da população que tem seus direitos negligenciados por diversos motivos. Os grupos pertencentes ao SAJU atuam entre temáticas diversas, tendo, como fim, um mesmo objetivo: garantir o acesso à justiça ordenado pela defesa dos Direitos Humanos. Diante disso, o presente trabalho busca relatos de uma experiência “sajuana” compartilhada por integrantes do GAMAI no decorrer de três anos de trabalho. A tentativa é de trazer as disposições da Reforma Psiquiátrica sustentada pela lei estadual 9.716 de 1992 e nacional 10.216 de 2001 e, de discutir algo tão inexplorado no curso de direito, desconstruindo ideias presentes nos serviços Judiciários, assim como nos ambientes institucionalizados. Os avanços que tivemos enquanto sociedade brasileira na oferta de cuidados em saúde mental se fragiliza com o desconhecimento do Judiciário que não apresenta alternativas possíveis -e em liberdade- a pessoas com sofrimentos mentais graves, uso abusivo e prejudicial de álcool e outras drogas ilícitas, culminando para um mesmo fim: a internação. Em situações criminais de delitos cometidos por pessoas com algum transtorno diagnosticado aplica-se a Medida de Segurança- MS que insere o usuário em Institutos Psiquiátricos ou chamados também Hospitais de Custódia e Tratamento. Observa-se, historicamente, que essas internações em manicômios judiciais perduram, podendo ser comparadas a prisões perpétuas visto que a MS, por teoricamente se considerar um tratamento, não tem limite de tempo para ser cumprida. Assim, é com esse campo de estudo, pesquisa e atuação do GAMAI que se pretende apresentar um pouco dessa realidade já vivenciada. O grupo conta com profissionais do direito e da pedagogia e estudantes do direito, psicologia, saúde coletiva e letras. Desde 2012, ocorrem encontros e reuniões semanais em dia e horário fixo, sempre nas dependências da Faculdade de Direito. Busca-se, com dois processos seletivos ao ano, possibilitar as novas pessoas contato com esse tema pouco abordado nas instituições de ensino, aumentando nossa rede de atuação, troca de experiências e conhecimentos, refletindo a possibilidade de outro lugar para a diferença: a rua. Visto a extrema fragilidade que é encontrada no currículo do curso de direito e o próprio desconhecimento quanto à temática no âmbito do judiciário, acreditamos ser fundamental trazer esta discussão, que coloca em jogo a loucura ocupando espaços da cidade, para dentro da faculdade direito. Percebe-se a extrema necessidade de se discutir e construir, junto ao judiciário e ao meio estudantil, alternativas de cuidado às pessoas que usam drogas ilícitas, que apresentam dificuldades de autonomia acometidas ou não por um transtorno mental grave, entre outras características que transbordam os padrões sociais, evitando-se a institucionalização. A discussão do que é normal, do que é loucura e do por que todos têm o direito de ocupar um lugar na rua faz parte do debate que o grupo busca trazer. As ações do GAMAI são orientadas pela proposta da atenção integral, acreditando que o recorte sobre a situação jurídica de uma pessoa não basta para um adequado direcionamento à situação. Apostamos numa atuação ética-política que busque uma mudança efetiva do paradigma hospitalocêntrico, afirmando a ética dos Direitos Humanos. As atividades do grupo foram até o momento junto a sujeitos e instituições, em conformidade com os princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Por meio de pesquisas, estudos de legislação e revisão bibliográfica, buscamos aplicar e compartilhar o que aprendemos com a atuação. A prática multidisciplinar do grupo é fundamental para construirmos novos parceiros e evitarmos que os pensamentos e reflexões fiquem restritos a um único campo de estudo que deterá a verdade sobre a Saúde Mental. Devido à grande interação entre o presente trabalho e o que é realizado junto ao GAMAI. Como resultados e impactos expõe-se aquilo que foi experienciado pelo grupo. No desdobramento de cada ação, percebemos o quão necessária é a discussão desta temática no ambiente jurídico. A saúde mental ainda é vista de modo extremamente institucionalizado pela cultura que emana do judiciário e do curso de direito. Ao longo dos três anos de trabalho, encontramos inúmeros casos em total desacordo com a Reforma Psiquiátrica, mantendo pessoas em condições de insalubridade e abandono, submetidas, inclusive, a situações de violência física, moral e tortura. Mesmo com dificuldades, o trabalho acontece. Pessoas institucionalizadas em casas privadas ou em instituições públicas buscam auxílio na esperança de uma vida fora dos muros institucionais. Assim, o presente trabalho baseia-se em resultados parciais das condições, impressões e dificuldades encontradas no decorrer dos três anos de existência do grupo. Neste período, tivemos oportunidade de perceber os grandes obstáculos que envolvem essa questão e o quão complexa esta pode se tornar. Vivenciamos que sustentar esse debate dentro da faculdade de direito aponta diferença, como um maior interesse em participar das discussões transversalizadas pelo tema, maior presença do assunto nos seminários relacionados a temas jurídicos, entre outras pequenas ações cotidianas no universo do SAJU como um todo. A discussão dessa temática com estudantes da área é a aposta de termos, no futuro, muitos profissionais qualificados e apropriados no que refere à causa. Como projetos futuros do GAMAI, há o anseio por uma maior efetivação da desinstitucionalização de indivíduos abandonados no Instituto Psiquiátrico Forense de Porto Alegre paralelo a construir desconstruções das verdades dos Serviços Judiciários. Romper a lógica manicomial de exclusão impregnada no senso comum, atuando para o reposicionamento da loucura na sociedade, considerando o usuário um sujeito não fragmentado pelas especialidades de saber, fortalecendo a rede e constituindo, assim, uma assessoria jurídica que efetiva a atenção integral a pessoas em situação de sofrimento psíquico capturadas pela cultura da segregação e confinamento da diferença do outro é o que nos movimenta e faz seguir. Mesmo conscientes que os serviços da rede de cuidado em saúde estão fragilizados segue-se na tessitura de alternativas que acolham e cuidem ao invés do confinamento que produz mais sofrimento e anula possibilidades de subjetividades.

Palavras-chave


saúde mental; direito; reforma psiquiátrica; direitos humanos