Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Um “Estrangeiro” na Rede de Avaliação Compartilhada: experiências em uma Área Programática do Município do RJ
Mary Ann Menezes Freire, Ana Lúcia Abrahão, Edith Lúcia Mendes Lago, Marcia Oliva da Costa, Elisangela de Aquino Lima, Camilla Quintanilha Lage

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


APRESENTAÇÃO E OBJETIVO: O produto deste trabalho integra as análises iniciais da pesquisa intitulada “Observatório Nacional de Produção de Cuidados em diferentes modalidades à luz do processo de implantação das redes temáticas de atenção à saúde no Sistema Único de Saúde: avalia quem pede quem faz e quem usa”, também conhecida/denominada como “Rede de Avaliação Compartilhada – RAC”, ainda em processo de desenvolvimento. A pesquisa – RAC – tem por finalidade aprofundar o olhar, sob a ótica de quem pede, quem faz e quem usa, sobre a produção do cuidado nas redes de atenção à saúde, no SUS, no intuito de produzir o que chamamos de uma avaliação compartilhada, através dos olhares desses diversos atores. Uma investigação em âmbito nacional, mas que neste trabalho, toma como foco a experiência das pesquisadoras em uma unidade de saúde. Avaliar as redes de atenção à saúde de forma compartilhada implica na produção de encontros em estabelecer contato direto com o trabalho vivo, com os vários conhecimentos e saber que se institui a partir do encontro com o outro. Entendemos que todo e qualquer trabalho em saúde se faz nos encontros, seja com o outro profissional de saúde, seja com o usuário. E, são esses encontros o fio condutor dessas análises iniciais, norteados pela imersão no cotidiano das equipes, das unidades, dos territórios de vida e de produção do cuidado. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: Método e Experiências - Tomando a proposta do encontro como método, o efeito do processo investigativo da pesquisa, revelou-se como uma necessidade de reflexão e aprofundamento. Além de muitos estranhamentos. E, é essa experimentação que nos interessa nesse momento da pesquisa. Uma análise que tem consequências, não só porque os seus efeitos incidem sobre o objeto, mas por poder deslocar a vista do ponto de vista do pesquisador. Uma forma de pesquisar que dispensa condições ideais e controle de variáveis, mas que, no entanto, se sustenta pela aposta de seus pesquisadores e suas implicações. Produzir-se como pesquisadores de forma compartilhada, imersos num território desconhecido, do ponto de vista de suas produções de vida, foi a nossa principal aposta. E, os estranhamentos e atravessamentos de nossas implicações nos encontros foi revelador de certa produção de conhecimento que toma como elemento principal a experimentação dos pesquisadores no território. O pesquisador ‘In-Mundo’, estabelecendo conexões e avançando no ‘Nós’, no entre do saber e fazer, no entre do saber e do não-saber. RESULTADOS E DISCUSSÃO: Tomar o exercício do encontro como ferramenta metodológica diz de algo que faz os corpos colidir mesmo sem contato visceral, direto, físico, mas que altera os corpos, afetando-os, efetuando não só a mistura dos mesmos, mas modificando-os, aumentando ou diminuindo a sua potência de ação no mundo, forjada em ato. Deste modo, não apenas o profissional, mas o usuário também é produtor de saberes, contudo, um saber não dominado, não hierarquizado, mas transversalizado, indutor da desacomodação e distribuição das relações de saber-poder, criando redes de sustentabilidade e produção de vida. Como resultado destes encontros trazemos para discussão um dos efeitos que se produzem no território. O território é um local que se destaca por seus contrastes: a área mais distante da região central da cidade; um território extenso, populoso, marcado pela frieza dos seus indicadores e pelo calor das formas de produção de vida que vivenciamos por lá. Um território e uma população com a marca das diversas formas de violência, física, política, econômica, social, mas onde a vida pulsa com extrema coragem. É neste lugar que mergulhamos e nos experimentamos. Compreender esse território para além de seus indicadores e de suas características e questões geográficas também foi uma aposta relevante. Enxergar o usuário, em si mesmo, como um território existencial, subjetivo e cultural, que vaza o geográfico e vai atrás de ofertas que lhe fazem mais sentido, situadas em outros espaços, se fez necessário à medida que os encontros começaram a produzir os seus efeitos. Desvelar os códigos, os sinais, os aprofundamentos locais que os usuários, alguns profissionais e o território impõem para a caminhada dos envolvidos nessas redes vivas, foi algo que nos revirou. E é neste momento que surge o inquietante: o estrangeiro. Todos armados de nossos saberes, mergulhando num território que até então era conhecido, vestidos de nossas pré-concepções e conceitos, nos deparamos com a sensação de ser um estrangeiro nesses encontros, à medida que eles iam acontecendo. Algumas situações, variadas, vividas de modo muito singular por cada um, permitem o aprofundamento dessa reflexão. Uma destas experimentações ocorreu em uma reunião geral em uma das unidades básicas a qual estamos inseridos. A conversa era centrada na construção do plano de Acesso Seguro para a unidade, uma forma de garantir a oferta de serviços e a unidade aberta, mesmo diante da violência no território. Uma discussão dominada pelos ACS’s, permeada de códigos e sinais, que traduziam e caracterizavam os níveis de violência local e que serviriam para a construção do referido plano, numa tentativa clara de produzir acesso à saúde. Mais um momento onde o sentimento de estrangeirismo prevaleceu. Compreender os códigos e sinais empreendeu um esforço, um diálogo questionador. E, o surpreendente. Perceber que não havia apenas o, pesquisador, de estrangeiro naquela reunião, mas outros profissionais, da própria unidade, que se encontravam nas vias de dúvidas, medo e espanto em que o pesquisador se encontrava. Estrangeiros em um encontro. Ser estrangeiro trouxe consequências e produziu um deslocamento importante. Saber de si passa sempre pelo saber sobre o outro, mas a pesquisa nos proporcionou outra perspectiva. Supõe-se saber algo, sobre os usuários, sobre o território, sobre os serviços. Mas eles, profissionais e usuários, também sabem muito sobre todas essas questões, sob outras perspectivas. E, isso tem sido fundamental, pois todos esses atores também são produtores de afecções em nós. Tomar isso como analisador, dentro da proposta da RAC, é tomar a produção de vida como foco do cuidado. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Estrangeiro de um modo geral todos somos em alguma medida, o que a experiência de produzir conhecimento por uma via compartilhada nos aponta, são vistas do ponto que constroem dizibilidades e visibilidades outras. Conexões existenciais, ou seja, vínculos, contatos que são construídos para além do serviço, ampliando o nosso interesse para elementos relativos ao modo de andar a vida, indo para além da lógica da clínica, que protocoliza o usuário e amarra as equipes. Nesta experimentação, optamos por dar visibilidade ao ato no plano do cuidado e se misturar no nomadismo e nos acontecimentos. Nesse exercício somos provocadas primeiro a olhar em nós essa produção, os deslocamentos que são produzidos, para poder olhar nos outros e nas redes que vamos nos misturando e produzindo visibilidades. Neste movimento estrangeiro, encontramos conceitos ferramentas, que nos auxiliam, como a noção de afecção espinoziana, mas que ganha novos sentidos a medida que damos passagem de forma simétrica ao estrangeiro esvaziado de intencionalidade no encontro.

Palavras-chave


Avaliação em Saúde; Serviços de Saúde; Relações Pesquisador-Sujeito

Referências


ABRAHÃO, A.L.; MERHY, E.E.; CHAGAS, M.S.; GOMES, M.P.C.; SILVA, E.; VIANNA, L. O pesquisador in-mundo e o processo de produção de outras formas de investigação em saúde. Lugar Comum (UFRJ), v. 39, p. 133-144, 2013.

GOMES, M.P.C.; MERHY, E.E. (Orgs). Pesquisadores IN-MUNDO: um estudo da produção do acesso e barreira em saúde mental. Porto Alegre: Rede Unida, 2014.