Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Partejando a Rede Cegonha: uma conversa entre parteiras e suas conexões na produção da vida e do cuidado
Angela Schiffler, Brena Santos, Sandra Cavalcante, Naila Feichas, Katherine Benevides, Luena Xerez

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


APRESENTAÇÃO: Este texto versa sobre a construção coletiva de uma pesquisa de âmbito nacional executada pela UFRJ e integrante do "Observatório de Políticas e o Cuidado em Saúde", pesquisa intitulada: “Observatório Nacional da Produção de Cuidado em diferentes modalidades à luz do processo de implantação das Redes Temáticas de Atenção à Saúde no Sistema Único de Saúde: Avalia quem pede; Quem faz e quem usa”, formando uma Rede de Avaliação Compartilhada (RAC) Universidade-SUS. Trata-se de uma investigação compartilhada, no sentido de produção de trocas e compartilhamentos entre diferentes sujeitos como trabalhadores da saúde, usuários, docentes e pesquisadores, constituindo um grupo interessado em trazer para a análise a produção do cuidado que, no campo da região norte – no Estado do Amazonas/ AM, traz alguns componentes da Rede Cegonha. Esta rede temática é preconizada pelo Ministério da Saúde/ MS como uma estratégia para a mudança do modelo de atenção ofertado às mulheres e crianças de até dois anos, a fim de ampliar e fortalecer a atenção, assistência e cuidado. Conta com parteiras na sua proposta de configuração. Nesse sentido, duas foram às entradas para a aproximação com o campo, a primeira em Manaus, acompanhando uma usuária como guia do processo investigativo, acessando seu caminhar em diversos pontos da rede assistencial, seus fluxos e conexões existenciais. A outra entrada está sendo acompanhar parteiras, de Manaus, municípios do entorno e do médio amazonas, no que trazem de analisadores para pensar a rede. Ressalta-se que essas escolhas foram primeiramente discutidas e pactuadas com profissionais da Universidade do Estado do Amazonas/ UEA, da FIOCRUZ-AM e do SUS local. Tanto a usuária como as parteiras estão como guias do processo investigativo e participantes da construção da RAC AM. Aqui se expressa alguns dos recolhimentos com a usuária guia em produção de diálogo com as narrativas de parteiras sobre seus modos de cuidar. OBJETIVO: Discutir a Rede Cegonha, a partir da produção micropolítica do cuidado, tomando como analisadores as narrativas de parteiras e uma usuária como guia da investigação. DESENVOLVIMENTO: A constituição da RAC no AM está ancorada em uma pesquisa nacional aprovada pelo CEP, sob nº 876.385/ 2013. Com a intencionalidade de investigar os processos de cuidar, tomou-se o livro “Pesquisador In Mundo” como uma de suas referências para a construção de uma pesquisa interferência, investigação que se dá em acontecimento, que traz o encontro como dispositivo gerador de afecções, potência de ação, forjado em ato. O processo investigativo seguiu em movimentos cartográficos, trazendo os deslocamentos e os efeitos no campo. Para ampliar a discussão sobre a RAC e a Rede Cegonha no contexto amazônico, produziu-se um espaço para uma Roda de Conversas com e entre Parteiras no Encontro Regional da Rede Unida, realizado em Manaus, em outubro de 2015.  Um espaço privilegiado onde as parteiras estavam como protagonistas, dando visibilidade ao modo como cuidam de mulheres, afetando e sendo afetadas, pois se vinculam a vida. Trocas e compartilhamentos sobre suas experiências, histórias de vida e de partejar, em uma conversa entre elas e os participantes da roda e entre todos nós os envolvidos. RESULTADOS E DISCUSSÃO: Os números absolutos da mortalidade materna estão altos no Amazonas e vem crescendo nos últimos seis anos, de 91,8/100.000 em 2009 para 93,6/100.00 em 2014, mesmo em Manaus onde essa taxa vinha diminuindo, a partir de 2013, voltou a subir. A taxa de cesárea, outro, importante indicador para a redução da mortalidade materna, no Amazonas chega a 60%, quando deveria oscilar entre 10 e 15%. Estes números causaram incomodo e provocaram a necessidade de abrir um campo que nos permitisse de forma curiosa e ativa olhar para as práticas, fazeres e saberes de modo que, ao questioná-los, também nos deslocássemos para trazer novos pontos de vistas. Isto se deu pelos movimentos pelas redes vivas, exatamente o que aconteceu no encontro vivenciado com parteiras e com os encontros com a usuária guia e suas redes de conexões existenciais. A usuária guia vivenciou: insegurança, desde o período do seu pré-natal; volta para casa com medo de “perder a hora”, de perder seu filho; constrangimentos nos atendimentos e múltiplos toques; divergências em avaliações e condutas; falta de escuta e de olhar atento e criterioso às suas necessidades. Na roda de conversa com parteiras, onde estavam presentes a parteira guia “N” e, mais nove parteiras, sendo uma delas do Pará, as narrativas seguiram sobre os modos de cuidar, a prática de “pegar barriga” e o estímulo para que a mulher se sinta fazer do momento do parto um momento especial, com conversas e, por vezes, sorrisos e cantorias, escuta e olhar atentos e centrados na mulher, pois interessa o que ela quer, sem que precise passar por constrangimentos, oferecer o melhor para a hora do parto - aliando o saber tradicional e a criatividade para o alívio das dores, o conforto e a segurança da mulher antes, durante e depois do parto. Dessa forma, as parteiras como cúmplices e parceiras, apresentavam a mulher como protagonista do nascimento do seu filho, ambas comprometidas com a cena. As reflexões sobre os modos de cuidar precisam ser ampliadas: Qual mesmo o lugar dos saberes que produzem vida, do saber cuidadoso, na rede cegonha? O que é mesmo partejar? Como a arte de partejar se manterá pelas gerações? Como a usuária guia poderia ter experienciado uma gravidez sem tanto medo, angustias e ansiedades? CONSIDERAÇÕES FINAIS: A investigação compartilhada tendo uma usuária como guia e a experiência vivenciada com parteiras, em produção de narrativas, reforça a ideia de que precisamos nos atentar para a micropolítica da produção do cuidado, trazendo a mulher em sua centralidade. As parteiras em seu saber tradicional e em seus encontros produtores de afecções nos falaram sobre isso, ao trazer da delicadeza dos modos de cuidar da vida - Uma dobra necessária da arte de partejar com a Rede Cegonha.  

Palavras-chave


Cuidado em Saúde; Rede de atenção; Pesquisa Compartilhada; Parteiras, Amazonas

Referências


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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