Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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A busca de porosidades no trabalho em saúde- Projeto OncoRede
Silvia Maria Santiago, Maria da Graça Garcia Andrade

Última alteração: 2015-11-27

Resumo


O território da saúde caracteriza-se por normas, técnicas, tempos, processos e formas de se relacionar que vão configurando uma cultura, que se impõe e condiciona as relações para dentro e para fora deste território. Num cenário com estas características, o trabalho se desenvolve com roteiro pré-estabelecido que, muitas vezes, impede que os profissionais enfrentem novas demandas do território, ou mesmo que busquem a satisfação de seus desejos de maior conexão com os usuários e os outros profissionais, ou seja, uma expansão do seu próprio território de atuação em direção ao outro. Esta forma de organização do trabalho nos serviços de saúde caracteriza os diferentes territórios da saúde, como o da atenção básica, do hospital geral, dos serviços especializados ambulatoriais e hospitalares e, também, os territórios da gestão, que desejam capturar e definir a atuação nos outros territórios. Há a idealização de uma porosidade nos serviços que os qualificariam para o trabalho em rede, mas a realidade tem mostrado uma atuação isolada dos serviços de saúde e uma dificuldade em compreender onde estão suas franjas e as dos outros serviços, que permitiria o encontro e a conexão para trabalhos conjuntos e compartilhados e para a ampliação das ações, de forma a se constituir novos territórios de saúde, híbridos e permeáveis à relação com os territórios dos usuários. Um encontro do tempo célere das técnicas, especialmente as da saúde, com o tempo dos homens lentos ou lentificados pelo adoecimento. O presente estudo faz parte de um projeto que se desenvolve na região de Campinas-SP e que buscou identificar os pontos de porosidade dos serviços de saúde através do trabalho dos seus profissionais, no sentido do estabelecimento de relações entre equipes de diferentes serviços, fazendo com que o desejo de ampliar a qualificação da atenção refletisse na produção do cuidado a pacientes com câncer. A região de Campinas, SP, apesar de populosa e do envelhecimento da população e progressivo aumento do número de casos de câncer, não teve aumento da estrutura assistencial de forma a fazer frente à demanda que foi se apresentando. Nesta região, os diagnósticos têm sido tardios e a mortalidade por câncer maior do que o esperado para uma região desenvolvida e com redes locais de saúde estruturadas. O projeto OncoRede buscou compreender o trabalho realizado nas redes municipais e nos serviços oncológicos na perspectiva de uma parceria que ampliasse o acesso e qualificasse a atenção. Por parte das redes municipais percebeu-se muito receio em se abrir para o cuidado aos pacientes com câncer, no entanto havia sempre uma história pessoal ou familiar ligada à doença e o desejo de um contato maior com os profissionais do serviço especializado, que poderiam ampliar a capacidade dos profissionais locais para o cuidado aos pacientes com câncer. Por parte dos profissionais dos serviços especializados encontrou-se o desejo de partilhar o cuidado, junto com o receio de que a qualidade da atenção não fosse mantida nos municípios. Claramente havia a necessidade de reconhecimento entre esses sujeitos de diferentes territórios da saúde, de forma a poderem partilhar seu trabalho. Por parte dos usuários havia a queixa de invisibilidade nos municípios, cujas equipes se relacionavam com eles muito mais através do sistema de transporte que os levava para os serviços oncológicos e raramente atentos às outras necessidades de saúde além das impostas pelo câncer. Os relatos de gestores que passaram a identificar os pacientes com câncer nos municípios foram muito significativos e reafirmavam os relatos dos profissionais das redes locais que receavam o manejo desses pacientes, que poderia agravar sua condição. Estava claro que a questão de comunicação era central e restava saber qual a melhor forma de colocar em relação esses profissionais que transitam por diferentes territórios da saúde, mas encontram identidade comum no cuidado dos pacientes. E foi através desse cuidado que se identificou um primeiro ponto de porosidade entre as equipes dos serviços especializados e dos municípios. Uma surpresa inicial: a quantidade e qualidade de diferentes profissionais de saúde trabalhando nas redes municipais. Isto permitiu que a complexidade multiprofissional da atenção ao paciente com câncer pudesse estar presente em boa parte dos municípios. Estes diferentes profissionais foram combinando suas necessidades de entendimento do seu papel no cuidado ao paciente com câncer e o projeto OncoRede permitiu a realização de encontros que trabalhavam a tradução dos cuidados especializados para as redes locais, de forma a incluir os profissionais na rede de cuidados e só deslocar os pacientes com câncer ao serviço de referência quando a linha de cuidado assim o exigisse. Este território de relações entre os profissionais dos municípios e os do serviço especializado possibilitou o desenvolvimento de várias ações de cuidado compartilhado. Os profissionais dos serviços oncológicos acabaram por demandar também um olhar para seu processo de trabalho, carregado de tensões e sofrimento. Na atividade de aproximação entre os profissionais e serviços, criando um território comum de convívio e de desenvolvimento de atividades que qualificaram a atenção a pacientes com câncer da região, os gestores tiveram importância significativa, facilitando a ampliação das relações, acolhendo reuniões locais e fazendo que a região toda se misturasse mais. Como fruto desse trabalho inicial, um dos municípios participantes e dos mais distantes do serviço especializado de referência, com a ajuda do projeto OncoRede, desenvolveu parceria com o governo estadual e o serviço especializado e, juntos, organizaram um serviço para quimioterapia e cuidado paliativo. A ideia inicial era poupar da longa viagem ao serviço especializado mulheres com câncer de mama em fase de cuidados paliativos. A ideia foi transportar o quimioterápico e não as pessoas, garantindo a presença do oncologista clínico do serviço especializado e cuidados de enfermagem, nutricionais, fisioterápicos, saúde mental e serviço social, conforme as necessidades individuais e familiares e estar bem próximo de casa. O serviço já funciona há seis anos e foi aos poucos respondendo à demanda e se transformando num serviço mais completo, ligado ao centro especializado de referência. As pontes que foram sendo construídas tiveram grande protagonismo dos profissionais de todos os serviços para sua efetivação e a OncoRede tem sido uma identificadora de porosidades e ativadora de relações advindas dos desejos de expansão existentes nos distintos territórios da saúde.

Palavras-chave


trabalho em rede; território; território da saúde; cuidado em saúde

Referências