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A POTÊNCIA DA TECNOLOGIA LEVE NA GESTÃO DOS PROCESSOS DE TRABALHO EM SAÚDE
Última alteração: 2015-11-23
Resumo
APRESENTAÇÃO E OBJETIVO: Os processos de trabalho em saúde estão estruturados de tal forma que valorizam predominantemente o uso das tecnologias duras e leve-duras, são ordenados e estruturados a partir de uma lógica de núcleos de competência profissional, com práticas organizadas em procedimentos, normas, consultas, exames, prescrição de fármacos, equipamentos e instrumentos diagnósticos. A tecnologia leve como organizadora dos processos de trabalho promove o encontro e o trabalho vivo em ato. Privilegia as trocas e interações, coloca atores e serviços em diálogo, reflexão, compartilhamento e construção de cuidados singulares e integrais em saúde. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: A lógica mecanicista na saúde fragmentou o corpo, os processos de trabalho e os trabalhadores. A organização dos serviços em especialidades e a utilização de tecnologias duras e leves-duras para articular os processos de trabalho, aliados ao capitalismo, constituíram uma cultura de isolamento onde as pessoas trabalham sozinhas em consultórios, isoladas em máquinas, sem se comunicarem com as demais pessoas. A nossa cultura em saúde incorporou e valoriza a utilização das tecnologias duras e leve-duras nos processos de trabalho em saúde. As indústrias produtoras dessas tecnologias investem fortemente para captar e vender a necessidades de consumo, e acabaram produzindo uma espécie de fetiche (nos profissionais e usuários) na utilização e consumo dessas tecnologias no cuidado em saúde. O consumo dessas tecnologias gerou um empobrecimento da utilização das tecnologias leves, o que é contraditório a demanda e queixa dos usuários da saúde pela escuta, vínculo, acolhimento, responsabilização. O cuidado integral em saúde - com escuta, vínculo, acolhimento, responsabilização, entre outros – acontece durante a realização do trabalho vivo em ato, no momento intercessor dos encontros entre os profissionais, usuários, familiares, instituição e serviços. A incorporação das tecnologias leves no desenho e gerenciamento dos processos de trabalho em saúde são determinantes da prática e agires profissionais, da qualidade da atenção, cuidado e saúde que produzimos. Os processos de trabalho pensados a partir da tecnologia leve permitem os encontros. Promover os encontros é fundamental porque é neste espaço que está a tensão e prescrição das normas e regras, dos mecanismos de controle, a prescrição, as disputas entre os diferentes núcleos de saberes profissionais pelas práticas de cuidado, os interesses corporativos e a lógica economicista de rentabilidade de capital. São nesses encontros que se encontram os elementos culturais que capturam o trabalho vivo. É no momento do encontro que os profissionais, usuários e familiares mediam os seus interesses, demonstram sua força, impõem a “finalidade” do trabalho em saúde. O mundo do trabalho é um espaço complexo e caracterizado pela multiplicidade, e é na intersecção dos encontros entre os diversos atores e serviços que reside a micropolítica do trabalho em saúde. Deste modo, as práticas profissionais privilegiando a tecnologia leve permite que os trabalhadores atuem tecnoassistencialmente colocando o usuário e suas necessidades no foco da atenção e prática; problematizando o cenário e contexto em que atua, modelando os processos de trabalho orientados pela complexidade do território; construindo coletivamente conhecimentos, ações e soluções com autonomia para interferir nas regras e nos protocolos; participando da gestão e do planejamento; produzindo e reinventando as práticas de saúde. A tecnologia leve na modelagem de gestão do trabalho em saúde colabora na articulação da rede viva do SUS, abrindo espaço para que os atores se afetam mutuamente, carreguem suas alegrias, tristezas, desejos, intencionalidades e subjetividade, mobilizem seus agires sobre o mundo do trabalho. É no espaço de encontro onde se elabora as necessidades (de saúde), a tensão entre as distintas lógicas de saúde e doença e as disputas de poder, e se constrói um projeto terapêutico singular e integral. RESULTADOS: A valise relacional, da tecnologia leve, aponta para a singularidades dos processos de trabalho e dá vida ao ato do trabalho em saúde. Ela permite reconhecer os modos de produção, as disputas e jogos, as lógicas, as representações, as singularidades, as subjetividades, o contexto. A tecnologia leve possibilita o encontro entre os sujeitos envolvidos na produção de saúde, permite a troca, a escuta, a interação, o compartilhamento, as negociações, as pactuações, a construção de processos usuário centradas, de vínculos e compromissos, a construção de novas possibilidade de agir no ato produtivo. É no espaço relacional da tecnologia leve que há a abertura para que os trabalhadores de saúde e usuários levem para os encontros as suas intenções, desejos e construam um projeto terapêutico cuidador e singular. São as tecnologias leves que permitem reconhecer as potências do trabalhador e dar sentido ao uso das tecnologias duras e leve-duras. Desenvolver uma modelagem de gestão do trabalho em saúde que valorize a utilização da tecnologia leve nos processos de produção do cuidado em saúde, abre a produção de saúde para a potência do exercício da autonomia humana (não só profissional), para um novo modo de fazer saúde, para o trabalho em equipe, para um processo de trabalho que privilegia a comunicação, a construção de diálogo, a negociação, os consensos, o compartilhamento de valores, a interação e integração de conhecimentos e ações. Deste modo, será rotina nos serviços de saúde a tomada de decisões coletivas e compartilhadas, a legitimação das representações, a autonomia profissional, a pactuação de projetos, a predominância dos interesses coletivos e a construção coletiva de sentidos. A tecnologia leve desponta como estratégia eficaz de produzir encontros, de permitir a articulação e interação entre os atores e serviços, de potencializar o trabalho vivo em saúde. CONSIDERAÇÕES FINAIS: As tecnologias leves são insumos fundamentais para os trabalhadores abrirem fissuras nos processos de trabalho cristalizados, produzir mudanças e fabricar movimentos na rede viva do SUS; sobretudo, para potencializar a mobilização das subjetividades para disputar as práticas, organizar os processos de trabalho, estabelecer relações e interações com os sujeitos, recursos e demais elementos que compõem a rede, e produzir cuidado integral em saúde. Apostar na tecnologia leve como forma de gerir o trabalho em saúde, é apostar em uma modelagem rizomática para transformar os processos de trabalho em processos reflexivos e inteligentes, que deem sentido ao modelo e ao trabalho em si, que permita o exercício da autonomia e protagonismo dos trabalhadores, e considere o contexto e realidade de cada serviço, equipe e usuários para a produção de saúde. É uma aposta em uma modelagem que privilegia o trabalho vivo e os encontros. E são os encontros que irão possibilitar a construção de vínculo e de projetos terapêuticos, a escuta, a produção de novos pactos de organização do trabalho, e a implicação dos atores envolvidos no processo de produção de saúde.
Palavras-chave
gestão do trabalho; tecnologias leves; saúde coletiva