Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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A ‘Ludicidade em Saúde’ no combate ao tabagismo: Relato de experiência de um grupo tutorial interdisciplinar do Programa PET Saúde em Vitória da Conquista/BA
NÍLIA PRADO, Rodrigo DAMASCENA

Última alteração: 2015-11-12

Resumo


O tabagismo é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a principal causa de morte evitável em todo o mundo, e um dos mais importantes fatores de risco para doenças cardiovasculares, câncer e doenças respiratórias. Contudo, é no cenário municipal que as ações educativas são operacionalizadas e a Atenção Primária à Saúde (APS) têm sido um relevante espaço neste processo de cessação do tabagismo e conscientização dos indivíduos sobre os riscos desta prática para a saúde, por alcançar a comunidade de forma contínua e nos territórios da sua realidade concreta. Por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF) e de uma equipe multiprofissional, caracterizada por um comportamento compartilhamento de saberes (Starfield, 2002) (VilasBôas et al, 2014), viabiliza-se um entrelaçamento de práticas comunitárias, promovendo um olhar holístico para os desafios encontrados no cotidiano que permite direcionar os pontos críticos primordiais para a práxis (Brasil,2001).No atual processo de reorganização do sistema de serviços de Saúde no Brasil vem favorecendo a discussão e implementação de estratégias, com o objetivo de preparar os futuros profissionais de saúde para atender a uma nova práxis sanitária (Almeida Filho, 2011). Ou seja, uma formação em saúde, que constitua sujeitos capazes de ver e entender o mundo de forma holística, em sua rede infinita de relações, em sua complexidade e perceba o valor da interdisciplinaridade e a necessidade de situar a importância das necessidades da coletividade nos desafios, dúvidas, e interrogações da atuação profissional (Haddad et al, 2009).Desta forma, o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET Saúde) foi implementado no Instituto Multidisciplinar em Saúde (IMS) campus Anísio Teixeira da Universidade Federal da Bahia, implantado desde o ano de 2006, como parte do processo de expansão e interiorização do ensino superior federal do país aderiu ao PET Saúde desde o ano de 2008, estabelecendo parcerias com a Secretaria Municipal de Saúde do município de Vitória da Conquista, e outra Instituição de Ensino Superior (IES), a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), e envolvendo os cursos de graduação em enfermagem, farmácia, nutrição, psicologia, biologia e o curso de medicina da UESB, tendo como preceito a interdisciplinaridade. Orientados pela necessidade de transpor práticas setorializadas e fragmentadas, algumas atividades desenvolvidas foram permeadas pela abordagem lúdica e educativa em saúde, que possibilita o processo de aprendizagem, o desenvolvimento pessoal, social e cultural, facilitando os processos de sociabilização, comunicação e construção do conhecimento, o que nos faz vislumbrar uma “convergência entre o saber e o fazer”. Este estudo resgatou a experiência exitosa de um grupo terapêutico de combate ao tabagismo que buscou inter-relacionar as práticas e ações de saúde de uma equipe multiprofissional com a ludicidade, com o intuito de facilitar a compreensão do usuário sobre o problema e permitir a sua percepção como sujeito autônomo capaz de enfrentar a sua realidade. Além disso, possibilitou reflexões e a problematização sobre a necessidade de mudanças no perfil de formação acadêmica dos estudantes e da conduta multiprofissional. Primordialmente, os profissionais da ESF e do NASF que realizaram os grupos foram capacitados para o cuidado e atenção em saúde ao tabagista, pelo Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS-AD) do município. O Grupo terapêutico foi coordenado e conduzido por uma equipe de profissionais de saúde da USF (médica e enfermeira) e do NASF (farmacêutico, nutricionista, profissional de educação física, fisioterapeuta e psicólogo), alguns destes preceptores do PET Saúde. Além disso, participaram das atividades dos grupos, estudantes bolsistas e voluntários do PET Saúde, que receberam orientações dos profissionais da unidade capacitados previamente. O “Grupo Terapêutico de Abordagem ao Fumante” foi realizado na Unidade de Saúde da Família (USF) da Urbis V no ano de 2013. Com o intuito de associar abordagens não terapêuticas e compartilhar informações de uma forma lúdica, foi encenada uma peça de curta duração intitulada “O Julgamento do Cigarro” criado pela médica da unidade e pelos discentes do PET. A encenação teve como base um júri onde o cigarro (um cooperador fantasiado) era o acusado e faz a sua própria defesa. Do outro lado, tinha o advogado de acusação, e no centro o juiz. A peça iniciou com o juiz expondo os motivos daquele julgamento e passa a palavra para que “o cigarro” fizesse sua defesa. Naquele momento, “o cigarro” expôs suas opiniões na tentativa de comprovar a sua inocência. Dentre os argumentos destacou o fato de o cigarro ‘trazer prazer’, ser “companheiro”, não forçar ninguém a comprá-lo, assumindo uma postura de vítima diante de uma’ sociedade injusta’, pois segundo o mesmo, ‘ele não causava tantos males assim’. Após expor sua defesa, a palavra foi passada ao advogado de acusação, que expôs os motivos para que o cigarro fosse condenado. Levanta como principais pontos a questão dos problemas à saúde causados pelo tabagismo, aos gastos com a aquisição de cigarros e a dependência gerada pelo mesmo. Esses pontos foram apresentados de forma bem dinâmica, com a interrupção frequente do “cigarro” expondo sua defesa, e a intervenção do juiz tentando retomar a ordem. Por fim, o juiz, juntamente com os participantes, dá a sentença final: condenado. A peça dura em torno de vinte (20) minutos e tem como objetivo facilitar o conhecimento sobre os malefícios do cigarro, tanto para a saúde quanto financeiramente. Entretanto, o principal ponto é levá-los a refletir, a partir dos argumentos do “cigarro”, quais são os argumentos utilizados por eles mesmos, em seu subconsciente, para continuarem fumando, tais como, “o cigarro traz prazer”, “ele não faz tão mal assim”, “olha quantas pessoas fumam e não morrem de câncer?”, dentre outros. Após a encenação, foram apresentados na mesma sessão os malefícios causados pelo cigarro com suas substâncias tóxicas e os métodos para cessação do vício do tabaco (Parada Abrupta e Parada Gradual). Os participantes foram estimulados a refletir e debater sobre qual o método de cessação do tabagismo seria mais adequado ao seu perfil. As abordagens lúdicas associadas à terapia permitem a instrumentalização sobre o ‘brincar’ sendo pertinentes para um engajamento profissional em ambientes onde se propõe um trabalho em equipe multiprofissional, que visa à humanização das instituições de saúde. O indivíduo, seja o usuário ou o profissional de saúde (graduado ou graduando), após a participação em um grupo de educação em saúde percebe que a palavra autonomia, “no seu sentido etimológico” impera, pois o objetivo destes encontros é pensar os indivíduos como sujeitos autônomos, é considerá-los como protagonistas nos coletivos de que participam como protagonistas e corresponsáveis pelo processo de produção de saúde. Por fim, percebe-se que o resultado deste processo de educação terapêutica, que busca aliar conhecimento científico e ludicidade no âmbito dos serviços e do sistema de saúde, orientados de modo a garantir ações de saúde integral, resultaram, de fato, em melhores formas de encaminhar, minimizar ou resolver os problemas de saúde, garantindo qualidade de vida à população e contribuindo para a integralidade das ações, um dos objetivos do SUS.

Palavras-chave


FORMAÇÃO EM SAÚDE; Tabagismo; ludicidade em saúde;

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