Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Itinerários transformadores no semi-árido baiano: o PET Saúde e as mudanças na práxis
NÍLIA PRADO

Última alteração: 2015-11-12

Resumo


Este estudo relata a experiência institucional bem sucedida do PET Saúde no município de Vitória Conquista, desenvolvido em parceria entre o Instituto Multidisciplinar em Saúde (IMS) campus Anísio Teixeira da Universidade Federal da Bahia, a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e a Secretaria Municipal de Saúde de Vitória da Conquista (PMVC). No Brasil, um processo ainda lento, vem ocorrendo no que diz respeito aos aspectos culturais, sociais, econômicos e políticos que exigem do profissional de saúde uma nova postura crítica. O atual processo de reorganização do sistema de serviços de saúde no Brasil favorece a discussão e implementação de estratégias com o objetivo de preparar os futuros profissionais de saúde para atender a uma nova práxis sanitária.  Propicia, portanto, uma formação de sujeitos capazes de ver e entender o mundo de forma holística, em sua rede infinita de relações e em sua complexidade. Nesta perspectiva, o espaço de formação profissional, deveria se transformar em um lócus privilegiado para a reflexão sobre as práticas de saúde. Articulado a esta reflexão, uma das principais iniciativas governamentais para a qualificação de recursos humanos para a Saúde na Atenção Primária à Saúde e outros níveis de atenção, tem sido o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET Saúde), regulamentado pela portaria Interministerial nº 421, de três de março de 2010. O programa apresentou como pressupostos a consolidação da integração ensino-serviço-comunidade e a educação pelo trabalho, a qualificação em serviço dos profissionais da saúde e a inserção precoce dos estudantes de graduação ao trabalho e vivência no sistema de saúde, tendo em perspectiva a qualificação da atenção e a inserção das necessidades dos serviços como fonte de produção de conhecimento. A experiência do Pro/Pet Saúde no município de Vitória da Conquista possibilitou inovações em relação a sua organização nas Instituições de Ensino Superior por incluir os cursos de graduação em psicologia e ciências biológicas do IMS/UFBA que não haviam sido contemplados em propostas anteriores. Desse modo, abrangeu os cursos de graduação em farmácia, nutrição, enfermagem, psicologia e ciência biológicas do IMS/UFBA e Medicina da UESB. Em relação aos serviços de saúde da rede SUS manteve a atuação nas Unidades de Saúde da Família, mas ampliaram-se os cenários de práticas para além da APS, incluiu um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS II); a Fundação de Saúde de Vitória da Conquista (Hospital Municipal de referência Materno Infantil); Gestão municipal em Saúde/vigilância epidemiológica e vigilância sanitária. Assim, essa proposta inovadora buscou ampliar a compreensão do cuidado em rede, estimular a produção de saúde e o cuidado humanizado na formação de profissionais da área da saúde e (re) significar os processos de trabalho dos profissionais que já atuavam na rede SUS local. Cada grupo tutorial foi composto por um tutor, quatro preceptores e catorze alunos, sendo doze bolsistas e dois voluntários, organizados em grupos tutorias com discentes, docentes e profissionais de várias áreas de formação em saúde, segundo a lógica da interdisciplinaridade. As atividades dos grupos tutoriais foram organizadas em atividades de vivência na rede assistencial e de pesquisa, tendo como foco as demandas da rede. Os discentes tiveram a oportunidade de durante o seu processo de formação vivenciar a realidade dos serviços de saúde e da gestão em saúde, o que tem permitido a formação de atores que possam atuar como corresponsáveis pela consolidação do SUS. Outro aspecto positivo foi o desenvolvimento de pesquisas e produção de novos saberes a partir da Atenção Primária à Saúde e em demais áreas estratégicas, contemplando uma análise prévia das necessidades em saúde regionais. As atividades de vivência foram conduzidas considerando a multidisciplinaridade e a interdisciplinaridade, onde o discente era acompanhado por todos os profissionais da equipe de saúde da unidade, independente do curso de graduação a que estava vinculado. Ao acompanhar o processo de trabalho e desenvolver atividades com profissionais de áreas distintas da sua área de formação profissional, os discentes puderam vivenciar as ações nos serviços de saúde, através de um “olhar integral”. Estas atividades foram programadas em reuniões mensais com o grupo, considerando as demandas e necessidades locais discutidas e buscaram garantir a integração ensino-serviço-comunidade, possibilitando a transformação da USF e demais cenários de prática, em espaços sociais participativos, vislumbrando o cuidado em saúde mais efetivo aos usuários do SUS. Este processo demonstra que a realização do trabalho em parceria, marcado por estudos, reflexões e diálogo, foi uma oportunidade de aprendizagem para os envolvidos. Além das atividades de extensão desenvolvidas nos cenários de práticas, alguns “Encontros Teóricos Mensais”, que envolveram todos os grupos tutoriais, a coordenação do programa, a gestão em saúde do município, a comunidade local e acadêmica, foram realizados. Esses encontros tinham o propósito de discutir a organização do sistema de saúde municipal; os indicadores de saúde municipal; os resultados de “salas de situação” (indicadores locais de saúde); dados epidemiológicos; assim como as temáticas envolvidas nas pesquisas desenvolvidas pelos grupos tutoriais, que incluíram temáticas sobre o processo de territorialização na ESF; plantas medicinais; saúde da criança e rede cegonha; dengue e situação de saúde de adolescentes quilombolas. Estes momentos teóricos visaram fortalecer o conhecimento científico e técnico, facilitando o re (conhecimento) de necessidades e determinantes sociais em saúde, e permitindo a reflexão acerca da indissociabilidade do ensino-pesquisa-extensão. As avaliações institucionais ministeriais do programa PRÓ-PET Saúde anuais demonstraram que as atividades realizadas pelo Pro/ PET Saúde, tanto por estudantes quanto por tutores e preceptores, foram positivas. Possibilitou o aprofundamento da integração ensino e serviço; o aperfeiçoamento da capacidade dos estudantes de comunicação horizontal com os usuários; a compreensão do complexo sistema de saúde e do processo de trabalho multiprofissional e interprofissional; a autonomia diante de situações de resolução complexa; a qualificação dos profissionais dos serviços e o estímulo à capacitação dos educadores ao ensino na área de saúde com ênfase no SUS. A implantação do PET Saúde constitui um avanço rumo aos pressupostos das diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação na área da saúde, representando uma proposta inovadora para a consolidação do SUS na reorganização do modelo pela estratégia de saúde da família. Outro avanço consiste na sustentabilidade da atuação articulada entre as IES e a gestão em saúde municipal. Desta forma, o programa constituiu-se em um instrumento importante para instigar, a partir das experiências bem sucedidas de novas práticas pedagógicas, as mudanças curriculares já iniciadas no IMS/UFBA. O Pró/Pet Saúde oportunizou o resgate das necessidades sociais em saúde e valorizou o contexto, a coletividade e a pluralidade dos sujeitos (usuários dos serviços de saúde), minimizando as falhas e desigualdades das políticas de saúde de nosso país, e possibilitado repensar e reconstruir a educação fundada na prática cotidiana do trabalho, com futuras repercussões na qualificação e valorização profissional. Mas essa discussão encontra-se longe de receber um ponto final. Antes sim, expressa reticências, no sentido de que há muito mais a ser dito, escrito, discutido e praticado. Essas reticências devem traduzir-se em tempos e espaços de reflexão e ações permanentes em direção a uma polifonia das vozes dos diversos atores envolvidos e da qualificação profissional, rumo a um processo de transformação cotidiano, na região sudoeste do estado da Bahia, no sertão, no semiárido onde o processo começou... e vem se transformando.

Palavras-chave


Formação em Saúde, PET Saúde, interdisciplinaridade

Referências


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