Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Iniciação científica como elemento de problematização: a intersecção entre a pesquisa em saúde coletiva e a prática clínica na formação médica
Thalita Bento Talizin, Lucienne Tibery Queiroz Cardoso, Wladithe Organ de Carvalho

Última alteração: 2015-10-27

Resumo


APRESENTAÇÃO: A formação do médico deve contemplar além do desenvolvimento de habilidades clínicas e técnicas, o conhecimento sobre a importância da pesquisa epidemiológica e do sistema de saúde e sua gestão. O curso de Medicina de uma universidade pública do interior do Paraná tem módulo anual denominado “Práticas de Interação Ensino, Serviços e Comunidade” para as quatro séries iniciais. No segundo ano da graduação, o módulo desenvolve, além do ensino sobre o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), a iniciação à pesquisa epidemiológica. Durante a vigência do módulo, houve interesse em participar do programa de iniciação científica da referida universidade para estudar a tendência das internações hospitalares por doenças do aparelho cardiovascular (DAC) em município da região norte do Estado do Paraná. A expectativa inicial era de discutir os resultados pelo estudo da clínica destes agravos, porém a abordagem que explicava os dados encontrados era relacionada à gestão dos serviços de saúde. As alterações observadas podiam ser explicadas não apenas pelo perfil de adoecimento da população, mas por mudanças na oferta de procedimentos pelo SUS, na regulação de internações e no sistema de urgência do estado. No ano seguinte, em aproximadamente seis meses de observação extracurricular em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Adulto geral do hospital universitário, credenciado como hospital terciário para amacrorregional de saúde, foi possível acompanhar a história, evolução e desfecho de pacientes admitidos por motivo clínico ou pós-operatório de DAC. O trabalho em questão objetiva relatar experiência e intersecção entre disciplina curricular de um curso de Medicina, iniciação científica em Saúde Coletiva e prática clínica extracurricular em UTI. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: A transição epidemiológica comporta um cenário de morbidade caracterizado pela substituição de doenças infectocontagiosas por doenças crônicas não-transmissíveis (DCNT); predomínio de morbidade em relação à mortalidade e acometimento de mais idosos do que jovens. As DCNT, entre outras, comportam as DAC. O Ministério da Saúde considera essas doenças como prioridades nacionais pactuadas, elucidando a atuação direta da atenção básica no manejo pré-hospitalar das condições crônicas. A atuação ideal do sistema de saúde é atingir a população nos vários níveis de prevenção principalmente das condições de internação sensíveis à atenção primária. No Paraná, os óbitos acontecem majoritariamente por DAC (aproximadamente 30%). As internações por DCNT no estado são predominantes e as por DAC representam mais de 50% dos gastos com internações, superando 200 milhões de reais. O Sistema de Informações Hospitalaresdo SUS (SIH-SUS) é um instrumento utilizado para planejamento na gestão do serviço de saúde, repasse de verba e para vigilância e controle de doenças. O sistema é alimentado pela Autorização de Internação Hospitalar (AIH), que traz o diagnóstico de cada internação financiada pelo SUS. A iniciação científica foi realizada com dados secundários de AIH disponibilizados no sítio eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Foram estudadas todas as internações codificadas pelo capítulo IX da 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) de indivíduos com 20 anos ou mais, residentes em município do interior do Paraná, ocorridas no período de 1999 a 2012, registradas no SIH-SUS. A experiência clínica posterior em UTI referência da macrorregional confirmou o que havia sido epidemiologicamente evidenciado na iniciação científica. O período de observação não resultou em pesquisa e dados objetivos, sendo empírica a observação relatada. RESULTADOS E IMPACTOS: Os resultados da iniciação científica mostraram que, durante o período estudado, as internações por DAC configuraram de 10,8 a 16,8%. Nos extremos do período estudado, observou-se diminuição da proporção de internações por insuficiência cardíaca (de 40,8 para 22,6%) e hipertensão essencial (de 10,0 para 3,0%). Foi visto um aumento de internações por angina pectoris (de 4,0 para 15,7%). Em relação à taxa de internação foi percebido que houve queda geral e também em ambos os sexos. A queda mais acentuada foi vista no sexo feminino (R2 = 0,78296), seguida da geral (R2 = 0,7819) e pelo sexo masculino (R2 = 0,73095). A resposta do serviço de saúde determina a internação. Uma atenção básica eficiente e resolutiva implica em redução nas taxas de internação. Considera-se aqui que os diagnósticos que não aumentaram estão sendo alvos de atuação da atenção primária. Diante disso, as internações que continuaram acontecendo provavelmente são por descompensação da doença base e por procedimentos que demandam complexidade maior. As internações, que inicialmente eram mais prevalentes no município estudado, sofreram uma mudança para o município polo da Regional de Saúde a partir do triênio 2008-2010. Uma explicação para este fenômeno seria a transferência por regulação de urgências de acordo com o porte do município. Constatou-se que internações de curta duração têm associação com a localização do hospital no município estudado (p < 0,05). Era esperado que internações de maior permanência fossem na cidade polo da Regional de Saúde, que é responsável pela demanda de alta complexidade da macrorregião. Não foi possível verificar o procedimento realizado em cada cidade para classificação posterior em procedimentos de baixa, média e alta complexidade, uma vez que a tabela de procedimentos do SUS passou a ser unificada em 2008 e não há uniformidade de procedimentos durante todo o período de estudo. Para chegar a conclusões sobre a tendência encontrada no estudo de iniciação científica, além de busca na literatura específica sobre o SUS e sobre a epidemiologia nacional, foram necessárias discussões em secretarias de saúde e hospitais dos dois municípios, com gestores do SUS e médicos dos três níveis de atenção; e foram realizadas reuniões com funcionários que processam AIH e codificam os procedimentos hospitalares. Na experiência clínica em UTI referência da macrorregional foi percebida a hierarquia do encaminhamento do paciente ao hospital de referência por meio da regulação de internações na central de leitos. O paciente é encaminhado por evento agudo e grave, geralmente por descompensação da doença de base, por episódio que tem como fator de risco a DAC ou por episódio em que sua comorbidade agrava o prognóstico do evento agudo. O paciente admitido na UTI em questão, com diagnóstico de internação por DAC, demanda atenção altamente especializada – tanto do intensivista quanto do médico assistente. Alógica do local e tempo de internação é explicada na prática, considerando a complexidade dos procedimentos, tratamentos e condutas que o paciente demanda, como monitorização hemodinâmica, reposição volêmica, drogas vasoativas, ventilação mecânica e monitorização neurológica. Além disso, o paciente está sujeito a outras complicações da própria internação, que aumentam o tempo de permanência e influenciam o prognóstico. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Na formação médica, a visão da integralidade do sistema de saúde proporciona melhor aproveitamento das situações clínicas vivenciadas na prática. A pesquisa em gestão do sistema de saúde, o processamento de dados, e principalmente a epidemiologia das internações hospitalares constrói um conhecimento mais estruturado ao estudante, o que é visto de forma mais proveitosa na realidade clínica.

Palavras-chave


educação médica;comunicação interdisciplinar