Anais do 12º Congresso Internacional da Rede Unida
Suplemento Revista Saúde em Redes ISSN 2446-4813 v.2 n.1, Suplemento, 2016
SAÚDE PRISIONAL: UMA REFLEXÃO SOBRE O DIREITO DE UMA POPULAÇÃO ESQUECIDA
João Paulo Teixeira Silva, Letícia Marina Araújo Medeiros
Última alteração: 2015-11-23
Resumo
APRESENTAÇÃO: O direito à saúde da população em privação de liberdade foi normatizado na legislação brasileira pela Lei de Execução Penal (LEP) n. 7.210, de 11 de julho de 1984. Lei esta que dispõe sobre as condições de integrar o condenado na sociedade e a sua assistência à saúde; que assim como preconiza o Sistema Único de Saúde (SUS) é direito das pessoas, inclusive das privadas de liberdade. A norma legal determina que o acesso aos serviços de saúde de unidade prisional equipada ocorrerá mediante autorização da direção do estabelecimento. Caso a unidade penal não esteja aparelhada para prover a assistência médica necessária, ela deve encontrar alternativas para que todas as necessidades de saúde de seu interno sejam supridas, consoante prevê o § 2º, do artigo 14º. Com o intuito de reforçar o direito desses cidadãos à saúde foi instituído, em setembro de 2003, pela Portaria Interministerial no 1.777, do Ministério da Justiça e do Ministério da Saúde, o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP). Este plano tem por finalidade organizar a atenção básica de saúde, de caráter preventivo ou curativo, seja por meio de atendimento médico ou de ações educativas, em suas unidades prisionais, garantindo atendimento da população penitenciária nos serviços do SUS para todas as pessoas, homens e mulheres que se encontram recolhidos em presídios, penitenciárias, colônias penais agrícolas ou agroindustriais e hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico. No dia 2 de janeiro do ano de 2014, o PNSSP fundamentou a instituição a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) no âmbito do SUS, a qual está consolidada, baseando-se em princípios e diretrizes gerais de caráter estratégico ou gerencial. No entanto, por mais que esse seja um assunto interministerial ainda tratava-se de uma questão de interesse e responsabilidade das políticas de segurança pública que nem sempre esteve em pauta como prioridades desse campo. Com isso, objetivou-se proporcionar uma reflexão sobre o cumprimento do direito ao acesso à saúde da população carcerária e discutir formas de implementar a política vigente. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: Trata-se de um estudo de revisão, de caráter bibliográfico, descritivo, qualitativo e exploratório, com enfoque reflexivo sobre a acessibilidade da população privada de liberdade ao Sistema Único de Saúde. Para esta reflexão, tomaram-se por base a legislação vigente no tocante as Políticas de Saúde brasileiras e a Lei de Execução Penal, além de todas as normas e portarias que tratam do assunto, no intuito de adquirir maior aprofundamento e aproximação com este. RESULTADOS: Estudos ICPS (Centro Internacional para Estudos Prisionais, na sigla em inglês) comprovam que o Brasil é o país que possui a maior população carcerária da América Latina. Esse cenário favorece as precárias condições existentes em quaisquer tipos de assistência, desde condições inapropriadas para receber e custodiar os apenados até mesmo situações que expõe a saúde do indivíduo e que podem levar à morte. Unido a isso, a constante violência somada ao uso indiscriminado de drogas colaboram para a vulnerabilidade do presidiário, que por estar em cárcere torna-se mais exposto ao risco. Ademais, estudos demonstram que essa população frequentemente é vítima de doenças infectocontagiosas, que poderiam ser prevenidas e reduzidas de maneira simples e barata por meio da atuação de equipes multiprofissionais como as da Estratégia de Saúde da Família. Deste modo, tornam-se visíveis as dificuldades metodológicas e operacionais para implantação efetiva de atividades das unidades de saúde nas instituições prisionais. A alta demanda, o baixo financiamento e a falta de interesse e incentivo para os profissionais atuarem nesta área só corroboram para a perpetuação e agravamento deste problema. A falta de comprometimento por parte da gestão e dos profissionais com a universalidade da assistência, entendendo o seu dever em prover um cuidado de qualidade e pautada nas diretrizes traçadas pela PNAISP contribui de maneira importante para o atual cenário que presenciado. A inexistência de iniciativas visando capacitar e motivar os atores envolvidos nesse processo também pode ser indicada como uma falha. Martins (2014) cita, em seu estudo, que o direito à saúde pode ser empregado, quando da reivindicação, como um direito individual privilegiando a liberdade para escolher o tipo de relação que a pessoa terá com o território, o tipo de vida que quer viver, o tipo de tratamento a que será submetida. Mas, como apontam Diuana e colaboradores (2008), aos presos é negada a condição de paciente, uma vez que estão submetidos à ordem: para ter acesso aos serviços de saúde é preciso que os detentos se submetam aos valores hierárquicos e às relações de dívida e gratidão, isto é, os direitos são considerados como existentes para os que possuem um "comportamento adequado”.Corroborando com o exposto Jesus (2013) relata que problematizar concepções de saúde, de cuidado, de violência nos espaços prisionais coloca em questão a necessidade de discutir o modelo vigente e o contexto histórico e social que sustenta tais preceitos. A partir disso, é necessário lembrar que as prisões como instituições totais exercem uma condição que se afasta dos preceitos de cidadania e direitos legitimados pela sociedade, e vêm cumprir o papel de retirar do sujeito sua autonomia, liberdade de ação e capacidade de decisão, pelas normas locais. Todo esse descaso do Estado em relação ao direito à saúde das pessoas presas, evidenciado, sobretudo, pela ausência de iniciativas ou ainda de um planejamento, pode ser justificado pela função disciplinar da prisão. Isto é, a não contemplação do apenado ao seu direito à saúde, subconscientemente é entendido como mais uma maneira de punir, castigar o preso, além da sentença determinada pelo juiz. As precárias condições de trabalho, principalmente dos profissionais de saúde, e o julgamento moral sobre a conduta do preso indicam uma recusa em reconhecer a legitimidade de seu direito à saúde. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Destarte, por mais que as leis e políticas brasileiras afirmem a saúde como direito de todos e dever do Estado, evidencia-se a não realização desse direito tanto para a população carcerária como para os poucos técnicos em saúde que atuam nas unidades de detenção. A precariedade da assistência de saúde ao presidiário se faz presente desde a estrutura física (falta de recursos financeiros para manutenção, implantação ou ampliação do aparato necessária), até a disponibilidade e interesse de profissionais em saúde, que consideram, discriminadamente, o sistema como setor de alta periculosidade com constante risco de insurreições. A intransigência com a saúde de tal população contraria a universalidade do acesso, a equidade e integralidade do cuidado. Ocorrendo desta maneira superlotação de hospitais por agravos, visto que no sistema não é trabalhado a prevenção e proteção de doenças, surtos de patologias virais e consequentemente óbitos numerosos de uma população marginalizada e esquecida. Desta forma recomenda-se a partir desse estudo que a PNAISP seja pauta de discussão no que se refere ao cumprimento dos princípios e diretrizes do SUS. Ademais, sugere-se que esta temática seja abordada na formação dos profissionais de saúde, dando maior atenção à ética e bioética no cuidado, a fim de superar os estigmas e preconceitos que envolvem a população privada de liberdade.
Palavras-chave
Saúde Prisional; Direito à Saúde; Sistema Único de Saúde
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