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DESAFIOS E POSSIBILIDADES DA POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DOS POVOS INDÍGENAS NO CONTEXTO INTERCULTURAL BRASILEIRO
Última alteração: 2015-10-30
Resumo
O enfoque do presentetrabalho consiste na análise dos desafios e possibilidades abertos com o advento em cena da Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena (PNASI)no contexto intercultural brasileiro contemporâneo, considerando a conjectura heurísticasegundo a qual a articulação dos eixos cultural, político e sanitário constitui caminho profícuo à consecução de investigações de caráter inter e transdisciplinar para a produção de conhecimento nas áreas temáticas da educação em saúde e de gestão em saúde pública. O mesmo estudo estrutura-se como perspectiva crítica diante das prerrogativas políticase normativas legais em curso instituintes da Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena - emanadas das diretrizes e princípios norteadores do Sistema Único de Saúde (SUS) -. Assim,a diretiva investigativa adotada pela pesquisaaposta na possibilidade efetiva de articulação entre as áreas da saúdepublica, saúde coletiva e promoção da saúde com os campos deconhecimentos antropológicos, históricos e sociológicos, considerando afertilidade de investir-se numa perspectiva de trabalho dialógica einterdisciplinar. Justificamos a empreitada, também, em razão darelevância sociocultural, educativa e sanitária de mirar para aconjuntura do tempo presente propondo-se a trabalhar com povos ecoletividades sociais, étnicas e culturais sociologicamenteminoritárias, visando à construção de espaços dialógicos, tanto emtermos reflexivos como de intervenção social, de promoção em saúde edesafiadores para aimplementação, estruturação consolidação das Políticas Nacional de Atenção à Saúde Indígena no contexto intercultural brasileiro do século XXI. As conquistas no campo da saúdeintroduzidas pela constituição cidadã de 1988 constituem um marco jurídico político de reconhecimento da diversidade cultural indígena brasileira, visto que historicamente o projeto universalizante da modernidade ocidental, idealmente homogeneizador das relações entre os grupos sociais e étnicos, para se legitimar esteve alicerçado numa perspectiva monocultural eurocêntrica colonialista, na qual o respeito e a promoção da diversidade e das diferenças culturais jamais foram imaginados como possibilidade real de vigência. Contrariamente, em nome de um universalismo essencialista, o Estado Nacional moderno brasileirolonge de reconhecer a gama dos direitos civis, culturais, econômicos e político dos grupos sociais e étnicos minoritários formulou um conjunto de dispositivos ideológicos e mecanismos objetivos de produção e reprodução da exclusão e das desigualdades sociais. Em nossa investigação, assinalamos que cada povo e/ou coletividade indígena, possui suas concepções, valores e formas próprias de vivenciar o processo de saúde e da doença. Frente a tal diretiva, as ações de prevenção, promoção, proteção e educação da saúde precisam considerar e reconhecer esses aspectos como centrais no diálogo entre profissionais e gestores do campo da saúde com os usuários indígenas, observando os contextos interculturais e políticos vigentes, assim como o impacto histórico da relação de contato Interétnico vivenciada por cada povo e/ou coletividade específica. Diante deste contexto histórico é que a Política Nacional de Saúde Indígena vem definindo os objetivos, as diretrizes, as estratégias e responsabilidades de gestão voltadas para as melhorias das condições sanitárias e de saúde dos povos e das coletividades indígenas. A política em tela inclui a saúde diferenciada, o cuidado, a atenção, a promoção à saúde e prevenção de doenças, bem como os processos de gestão participativa e controle social, produção de conhecimento, formação e educação permanente para trabalhadores de saúde, com vistas à promoção da equidade em saúde dos indígenas no Brasil. A referida política constitui-se num exemplo a ser considerado de política transversal, e vem operando com os processos de formulação, gestão e execução compartilhados entre as três esferas de governo, seja nocampo especifico da saúde, de acordo com os princípios e diretrizes do SUS, seja em áreas correlatas. A problemática desta investigação articula-se à produção de análises interpretativas e pesquisas empíricas na intersecção dos eixos cultural, político e sanitário, privilegiando uma investigação de cunho inter e transdisciplinar, a qual busca colocar em diálogo campos de conhecimentos das áreas disciplinares das humanidades e das ciências da saúde. Nesses termos, ao eleger como contexto histórico-espacialcontemporâneoe os espaços territoriais em que estão estabelecidos os povos e coletividades indígenas no âmbito nacional concebe-se uma perspectiva metodológica interdisciplinar, fomentando, portanto, a possibilidade do conhecimento disciplinar ser pensado e apresentado como temático. A partir da perspectiva metodológica sumariamente aqui delineada, a pesquisa configura um esquema de apreensão dos dados da seguinte ordem: - Plano discursivo e representacional dos agentes sociais pesquisados: neste caso, os povos e coletividades indígenas e suas visões das ações de saúde dirigidas às suas especificidades culturais e étnicas conforme as diretrizes e princípios emanados da Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena (2002). - Observações e dados oriundos de trabalho de campo, centrado no uso da história oral e método etnográfico junto aos povos e coletividades indígenas. Estas observações e registros de campo conformam-se como elemento importante do projeto a ser desenvolvido junto às coletividades alvo desta pesquisa, a partir da observação in loco e da realização de entrevistas com a utilização da técnica de história oral. Em síntese, o tratamento teórico-metodológico a ser dispensado à investigação proposta é o de uma abordagem de natureza inter e, potencialmente,transdisciplinar, o que torna necessário ter clareza da importância do reconhecimento das diferenças e especificidades dos campos disciplinares e princípios norteadores da investigação. Nesses termos privilegia-se - como princípio orientador deste projeto de pesquisa, juntamente com a análise da PNASI no contexto intercultural brasileiro contemporâneo - o sentido atribuído presentemente pelos atores e coletividades indígenas, em suas tradições cosmo políticas e sociocosmológicas, às ideias ocidentais de atenção à saúde esaúde diferenciada para os povos e coletividades indígenas. No que concerneaos povos indígenas, os mesmo têm direitos a conservar suas medicinas tradicionais próprias e a manter suas práticas de saúde, incluindo a conservação de suas plantas, animais e minerais de interesse vital, sob o ponto de vista cultural e sanitário. Em termos conclusivos, o processo contemporâneo de pós-estruturação e consolidação da Política Nacional de Atenção a Saúde Indígena deve contar com a participação dos indígenas, representados por suas e organizações e referentes nos Conselhos de Saúde locais e distritais. No que tange à legislação vigente aos povos e coletividades indígenas, a Portaria do MS nº 70/GM de 20/01/04, a qual aprova as diretrizes da gestão da PNASI, sua implantação deve respeitar culturas, valores, historicidades e tradições sociocosmológicas de cada etnia, bem como integrar as ações da medicina tradicional com as práticas de saúde adotadas pelas coletividades indígenas. Juntamente com as diretrizes emanadas no âmbito da PNASI, outra ação governamental, de responsabilidade institucional do Ministério da Justiça, através da FUNAI, que assume relevância entre os fatores determinantes de saúde e qualidade de vida dos povos e coletividades indígenas, é a garantia dos territórios tradicionais indígenas, por meio de uma política de demarcação, fiscalização e retirada de invasores de seus territórios. A rigor, a promoção da saúde e da qualidade de vida indígena está diretamente relacionada à garantia da demarcação, desintrusão e vigilância permanente das terras e territórios indígenas. Por fim, a saúde é concebida neste estudo como direito social fundamental das coletividades indígenas e afrodescendentes ao acesso à atenção integral à saúde, mediante a superação dos fatores, tanto de natureza interna como externos ao espaço setorial estricto sensu que tornam essas populações mais vulnerável aos agravos à saúde, respeitando suas peculiaridades linguísticas e etnoculturais, nos termos das legislações constitucionais e dos dispositivos infraconstitucionais vigentes. Diante deste contexto marcadamente intercultural, para uma adequada problematização da educação e da promoção da saúde dos sujeitos e alteridades indígenas participantes na investigação proposta, acreditamos necessário o reconhecimento de que os indígenas e seus coletivos se constituem, na conjuntura presente, como sujeitos de direitos e dignos de exercerem a condição de cidadania plena. Nesse sentido, a investigação em curso busca refletir sobre as concep(a)ções de saúde, expressas discursivamente e postas em práticas pela atual Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena e suas contribuições efetivas na consolidação de iniciativas afirmadoras dos processos educativos e promotores da saúde junto aos povos e coletivos indígenas. Trata-se, portanto, de investir na compreensão da realidade singular experienciada pelos povos e coletividades indígenas no Brasil contemporâneo, nos seus diversos contextos socioculturais, políticos e econômicos e que, respeitando os diferentes níveis de desenvolvimento e organização dos sistemas locais de saúde e tipos de gestão, possibilitem o aumento da expectativa de vida e da qualidade de vida dessas pessoas e coletividades étnica e culturalmente diferenciadas.
Palavras-chave
PNASI; Saúde Intercultural; Povos Indígenas;