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Reunião com a comunidade: uma ferramenta de territorialização e mobilização social
Última alteração: 2016-03-03
Resumo
O trabalho a seguir é um relato de experiência sobre a realização de Reunião com a Comunidade na Estratégia de Saúde da Família como ferramenta de territorialização e mobilização social. Ocorreu no cenário de uma Residência Médica e Multiprofissional em Saúde da Família, no município de Camaçari, interior da Bahia, parte da região metropolitana de Salvador. O programa de residência instituído pela Fundação Estatal Saúde da Família, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, no seu processo de implantação, em março de 2015, alocou as equipes de residentes conforme seu desenho pedagógico, como os próprios profissionais da equipe mínima e do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). Nas Unidades de Saúde da família (USF) em que os residentes entraram os profissionais médicos, enfermeiros e odontólogos que lá estavam foram deslocados para outras unidades de Camaçari. Além de residentes professores de Educação Física, nutricionistas e fisioterapeutas dando apoio técnico-pedagógico e assistencial as equipes saúde da família. Há presença também, de preceptores de cada categoria profissional que contribuem para o processo de formação e os tutores que dão apoio pedagógico. As equipes novas com diversos profissionais começaram a fazer reflexão sobre o cotidiano e atividades de planejamento, tendo como uma das ações primordiais a territorialização e a reunião com a comunidade. A equipe iniciou a operacionalização através de uma visita à escola vizinha da Unidade de Saúde da Família, com o objetivo de identificar parcerias, uma vez que a escola é um equipamento social potente, e já solicitar espaço para a reunião. Identificou-se coordenação pedagógica bastante implicada com os estudantes e disposta a trabalhar conjuntamente. A resposta foi positiva quanto ao espaço para a reunião. Nos momentos de planejamento e sistematização da reunião com a comunidade, alguns profissionais como Agentes Comunitários de Saúde (ACS), técnicas de enfermagem e gerente da USF demonstravam receio com o momento. Pois, esses alegavam que a equipe sofreria por receber todas as reclamações dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) e não ter governabilidade para dar respostas. Relatavam que, antes da implantação da residência, havia ocorrido um episódio de tensão: ao saber previamente de uma visita do secretário de saúde à USF, os moradores se organizaram para estarem na unidade neste dia e exigiram melhorias no serviço de modo hostil. Os profissionais temiam que o episódio se repetisse. Com a presença de uma tutora de campo da residência na reunião de equipe, foi trabalhado o objetivo dessa reunião, pois era aparente que havia muita discrepância desse entendimento. Havia profissionais que tinham a expectativa de sair da reunião com a criação de grupos. Também, havia quem achasse que deveria chamar um dirigente para dar respostas. E por fim, profissionais que achavam que o objetivo não era dar respostas às demandas dos usuários do SUS. Sendo assim, foi discutido na tutoria o método da Educação Popular, sistematizado por Paulo Freire, se constitui como norteador da relação entre intelectuais e classes populares, onde muitos profissionais de saúde, insatisfeitos com práticas mercantilizadas e rotinizadas dos serviços de saúde, engajam-se neste processo. (VASCONCELOS, 1997), tendo a equipe chegado à conclusão de que, apesar das muitas expectativas, era preciso estar aberto para as possibilidades de desenvolvimento da reunião pelos próprios moradores do bairro presentes. Nessa perspectiva, foi pactuado que a equipe iria iniciar com dinâmicas e falas que deixassem claro o objetivo principal do convite: criar vínculo e parceria, construir juntos. Assim, poderemos visualizar de que forma a equipe pode trabalhar a educação em saúde nos serviço e como contribuir para a construção da melhoria da qualidade de vida, da consciência crítica e participativa da população usuária do SUS (ALBUQUERQUE, 2003). Foram definidas comissões para a produção deste momento: a de logística, metodologia e construção das falas. Entretanto, as tarefas e os responsáveis por tais não funcionaram. Um possível empecilho foi que as equipes receberam, de última hora, uma solicitação da gestão municipal de que todos os (as) médicos (as) e enfermeiros (as) participassem da capacitação de DST de segunda à quinta, exatamente na semana da reunião com a comunidade, a ocorrer na sexta. Desse modo, as discussões foram feitas informalmente, por celular, em horários de almoço, e por uma pequena parte da equipe. Uma parte da equipe que ficou na unidade durante essa semana, construiu um planejamento para a reunião e enviou para todos os profissionais de saúde. Havia a necessidade de que as pessoas se colocassem como responsáveis para cada momento, especialmente para facilitar a reunião. Durante essa semana de preparação para a reunião, alguns outros profissionais, do NASF e preceptores, participaram de atividades do Encontro Regional da Rede Unida, onde surgiram outras ideias, como a de usar o Cordel do SUS para finalizar a reunião. Na sexta-feira, com a volta dos profissionais da capacitação de DST, no turno da manhã estes ficaram envolvidos com atividades assistenciais. Os profissionais do NASF conseguiram praticar o Cordel do SUS para incluir na programação. No almoço e no inicio da tarde quem foi chegando foi preparando o ambiente da sala de aula da escola para a reunião, cada um ao seu modo: spray com aromático, música de recepção, entre outros. As tarefas da equipe de logística não tinham sido realizadas, mas foi sendo providenciadas tarjetas, piloto. Os sujeitos sociais da comunidade foram chegando, cerca de 70 pessoas, enquanto eram esperados apenas 30 a 40 pessoas. Diante da intenção de tornar o momento mais um encontro do que uma reunião formal, dos poucos momentos que a equipe teve para elaborar o planejamento da reunião e do número de indivíduos maior que o esperado, algumas outras mudanças foram feitas. A dinâmica de apresentação que tinha sido preparada for uma Agente Comunitária de Saúde teve que ser cancelada diante do número de participantes. Os profissionais do NASF sugeriram receber cada um que chegava com uma música de boas-vindas, criando um clima de descontração de disposição. Foi feita a fala de início pela médica residente que a havia escrito, finalizando com o questionamento: “o que é saúde para você e como esta a saúde no seu bairro?”. Uma fisioterapeuta residente do NASF se propôs a ser facilitadora da reunião com a comunidade, enquanto uma nutricionista residente foi relatora. E uma professora de Educação Física residente ficou organizando tarjetas para sintetizar e expor as colocações. As preceptoras ficaram acompanhando as tarjetas e a facilitação, principalmente. Houve registros fotográficos, inscrição de fala, e a reunião estava funcionando bem, rapidamente muitas pessoas se inscreveram para falar. Diante das falas, as tarjetas foram sendo organizadas em “pontos positivos”, “pontos negativos” e “sugestões”. As falas começaram com algumas queixas sobre o sistema de saúde no município. Dificuldade em acessar exames e especialistas era uma das principais queixas. A falta de entendimento da Estratégia de Saúde da Família esteve presente em muitas falas. A histórica baixa credibilidade da USF era evidente, porém algumas colocações demonstraram que essa visão estava começando a mudar: alguns moradores que vinham frequentando a USF desde ampliação da residência relataram boas experiências. Uma das falas que mais representou o objetivo cumprido neste encontro foi a de uma moradora: “Vocês foram a primeira equipe que procuraram saber o que a gente quer!”.
Palavras-chave
Educação Popular; Mobilização Social; Controle Social; Territorialização
Referências
ALBUQUERQUE, Paullete Cavalcante. A Educação popular em saúde no município de Recife: em busca da integralidade. 2003. Tese (doutorado em ciências) - ENSP-FIOCRUZ. Recife,p.1-300.VASCONCELOS, Eymard Mourão. Educação Popular em Saúde nos Serviços de Saúde. 3. ed. São .Paulo: HUCITEC, 1997, p.15-129.