Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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O CUIDADO A PARTIR DO ENCONTRO: O OLHAR DO RESIDENTE SOBRE O COTIDIANO DE UM CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL TIPO II
Ivanice Jacinto da Silva, Analine de Souza Bandeira Correia, Maria do Socorro Gomes Campos Mendes, Bárbara Gregório Gouveia, Lenilma Bento de Araujo Meneses, Valéria Leite Soares, Talitta Dantas de Arruda, Jordane Reis de Meneses

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


APRESENTAÇÃO: Durante três meses de vivências diárias em um Centro de Atenção psicossocial na Paraíba, um grupo de quatro residentes com formação em Serviço Social, Enfermagem, Psicologia e Terapia Ocupacional, cobertas pelo desejo de conhecer e aprender o universo da prática em saúde mental, assim como, construir coletivamente estratégias de cuidados direcionadas a população, mergulharam no campo das relações, utilizando os recursos do ouvir, sentir, falar e olhar em direção ao outro. Atualmente existem vivências no campo da saúde que sugerem a reorganização dos processos de trabalho de forma que estes ofereçam novos modos de agir com os usuários resignificando essa relação. Construindo nos serviços, espaços que viabilizem o desenvolvimento de práticas acolhedoras, que possam garantir a escuta e a fala nas relações assistenciais e de cuidado. Utilizando-se do vínculo e das relações de confiança para proporcionar o empoderamento do usuário, contribuindo para o desenvolvimento de sua autonomia e independência e possibilitando que ele seja o protagonista do cuidado (FRANCO, T.B.; MERHY, E.E., 2005). FRANCO e MERHY (2005) reforçam que essa nova conduta é possível à construção de um modo de agir, que sugere um processo de trabalho que contribua para o empoderamento das relações em equipe e apostem em uma rede solidária de conversas, proporcionando o encontro de saberes e práticas para a construção de um novo ideário voltado para o cuidado em saúde. Propor o encontro entre os trabalhadores/trabalhadores e trabalhador/usuários em um sistema público de saúde, que esta dentro de um modelo de sociedade capitalista, o qual caminha para a descaracterização do humano e contribui para uma atribuição de valores das pessoas, não consiste em uma tarefa fácil, prova disso são os desafios identificados com muita facilidade nos serviços de saúde. MERHY (1998) destaca que apesar dos avanços das tecnologias de cuidado, os usuários se sentem inseguros, desamparados, desinformados, desrespeitados, desprezados, como se os serviços de saúde não tivessem interesse por eles e seus problemas. O modo como atualmente opera as lógicas de poderes políticos, técnicos e administrativos fortalecem e valorizam as tecnologias leves/duras e duras, partindo dessa realidade surge a necessidade de se investir em novos espaços de relações, entre os atores envolvidos para a ampliação dos modos de produzir saúde, de forma que haja a valorização e operacionalização de tecnologias leves e que as necessidades do usuário sejam o eixo norteador da produção do cuidado (FEUERWEKER, 2014). De forma geral no campo da saúde há a necessidade de aproximar e potencializar os encontros entre o trabalhador e os usuários, para que a efetivação do cuidado de fato aconteça. Na atenção a saúde mental superar os entraves proporcionados pela as micropolíticas, pelo modo tradicional de atenção em saúde e o modelo de psiquiatria que resistiu durante anos no Brasil, é ainda mais complexo, tendo em vista que o usuário da rede de saúde mental recebe da sociedade um perfil que não respeita a sua subjetividade, singularidade, capacidade crítica e a condição de cidadania. Nesse contexto, investir na tecnologia das relações e refletir sobre o encontro com esses sujeitos é imprescindível para lhe perceber e identificar suas reais demandas, assim como construir de acordo com suas necessidades as ações de cuidado. O presente trabalho tem a intenção de compartilhar e refletir sobre momentos/vivências de residentes no cotidiano de um CAPS II, apresentando a dinâmica do serviço, com destaque para o uso das tecnologias leves que envolveram trabalhadores, gestores, usuários e residentes, a fim de evidenciar algumas fragilidades e potencialidades referentes à construção do cuidado a partir do uso dessa tecnologia. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: O Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental da Universidade Federal da Paraíba teve inicio em março de 2015, este conta com a participação de vinte residentes que se distribuem em cinco grupos de quatro profissionais, ente os vários dispositivos de atenção psicossocial dos municípios de João Pessoa e Cabedelo na Paraíba. Dentre as estratégias de avaliação da evolução do residente ao longo do curso é utilizado o Portfolio, os residentes também fazem uso do diário de campo, estes instrumentos contribuíram para a construção desse trabalho, assim como a reflexão coletiva do grupo que participou da prática ao longo de três meses em um CAPS II, nesse cenário o grupo de quatro residentes realizou atividades durante a semana, de segunda à quinta feira, em turno integral e participaram de todas as atividades que compunham a rotina do serviço, tendo a oportunidade de se aproximar dos diversos atores atuantes nesse cenário. Resultados: O CAPS II tem uma rotina bem estrutura de funcionamento, todos os dia exceto a terça-feira existem as consultas médicas pela manhã, nos horários de consultas a demanda tende a ser maior, e há uma concentração de atividades na farmácia, antes da chegada dos usuários a equipe já começa a organizar a casa, na cozinha é feito o café da manhã, na administração todos se dedicam para fazer os registros dos procedimentos, construir licitações, memorandos, relatórios, requerimentos e toda essa burocracia que compõe os serviços de saúde e que são necessários para manter, regular, monitorar e dar seguimento as ações de saúde. Na recepção os usuários, familiares e visitantes são acolhidos, é também registrada a presença no serviço, ao longo do dia se faz o bom dia, as oficinas, os lanches, o boa tarde, visitas domiciliares, matriciamento, escuta, triagem/acolhimento, além da organização de eventos. A partir da observação sobre o cotidiano se percebeu que em detrimento da precariedade de recursos materiais por vezes utilizamos como principais ferramentas para prática as tecnologias leves como o acolhimento e a escuta. No cotidiano, vivenciamos situações que evidenciam o surpreendente poder das tecnologias leves que superam o uso de ferramentas de alta complexidade no campo da saúde mental e o modo como essa tecnologia faz com que o próprio sujeito crie mecanismos de superar os problemas do cotidiano, potencializado a sua capacidade de ultrapassar dificuldades e o desenvolvimento de sua autonomia. Em contrapartida a construção do vínculo e o fortalecimento das relações interpessoais nos fazem se colocar no lugar do outro de forma que o profissional pode vir a estabelecer transferências negativas para com esse usuário, chegando ao ponto de construir condutas pautadas em juízos de valor, ou até tendendo tutelar o sujeito, assumindo a responsabilidade sobre o cuidado do outro. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Percebe-se que a produção do cuidar a partir do encontro direcionado pelo uso de tecnologias leves apresenta aspectos positivos e negativos, haja vista que, quando dois humanos se encontram, independente de seus papéis, há trocas que vão interferir de forma direta ou indireta na produção do cuidado, tais como a promoção ou privação de autonomia do outro, a adesão ou não das terapêuticas, dentre outras. Nesse sentindo se percebe a necessidade de que o trabalhador (a) da saúde faça a reflexão constante sobre suas práxis, possibilitando a avaliação/reavaliação e mudança de prática com o intuito de se aproximar de um modo de cuidar que atinja não só os pressupostos da lei da reforma psiquiátrica, mas que também abordem a dimensão subjetiva de cada cidadão que busca cuidado nos dispositivos da rede de atenção psicossocial.

Palavras-chave


Saúde mental; cuidado; Residência Multiprofissional

Referências


FRANCO, T.B. & MERHY, E.E., Produção Imaginária da Demanda in Pinheiro, R. & Mattos, R.A. (orgs.) “Construção Social da Demanda”; IMS/UERJ-CEPESC-ABRASCO, Rio de Janeiro, 2005.

FEUERWEKER, L. C. M. Micropolítica e saúde: produção do cuidado, gestão e formação/ Org. Laura Camargo Macruz Feuerwerker. - Porto Alegre: Rede UNIDA, 2014. 174 p. - (Coleção Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde)