Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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História da rede de assistência ao autismo no município de Volta Redonda-RJ: uma análise da lei enquanto dispositivo de política pública e rede de cuidado
JESSICA KELY SOARES DO CARMO DE CASTRO SILVA, Flávia Freire, Monica Rocha, Priscila Alves

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


APRESENTAÇÃO: Este trabalho de pesquisa é parte integrante do projeto Observatório Microvetorial de Políticas Públicas em Saúde e Educação em Saúde, que constitui uma rede de pesquisadores de diversas instituições de ensino superior do Brasil. Inserido na Universidade Federal Fluminense de Volta Redonda, o projeto de pesquisa foi integrado ao Departamento de Psicologia, sendo intitulado Observatório de Política, Educação e Cuidado em Saúde. O observatório tem como objetivo empreender uma análise microvetorial a partir do dispositivo das leis, normas e regulamentos, construídos pelo poder executivo, com vistas a captar o agir e a intencionalidade dos atores envolvidos na constituição das políticas de saúde e da produção do cuidado. Em Volta Redonda, o observatório tem se dedicado à análise microvetorial do impacto da Lei do autismo, Lei nº 12.764 de dezembro de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, conhecida como Lei Berenice Piana. O trabalho aqui apresentado refere-se à análise da constituição da rede de saúde em Volta Redonda-RJ, voltada para o cuidado às pessoas com Transtorno do Espectro Autista. METODOLOGIA: A metodologia utilizada parte da análise das leis nacional, estadual e municipal, enquanto dispositivos de construção de políticas públicas de saúde e agires macro e micropolíticos, que conformam certos modelos de cuidado em saúde. Partindo da análise dos instrumentos legais, a pesquisa utilizou-se também de entrevistas com trabalhadores de saúde que integram a rede de cuidado ao autismo, uma vez que são atores-chaves no cuidado e na assistência ao autista, e constroem práticas de cuidado que operacionalizam as políticas de saúde. Com isso propõe-se mapear a constituição dos equipamentos de cuidado ofertados aos usuários com Transtorno do Espectro Autista em Volta Redonda-RJ, tomando as leis que regulamentam a política de assistência ao autismo como microvetores de análise. Pensamos o funcionamento das leis e seus efeitos no cotidiano dos serviços que ofertam esse cuidado, na vida dos usuários e trabalhadores e na forma como o autismo é observado, definido e diagnosticado. Para isto, o contato com a rede de saúde mental, sobretudo com o serviço que se constituiu como referência de cuidado  para o autismo, oriundo da implantação da Lei 4.922 de 2012, tem sido de fundamental importância.  RESULTADOS: As observações trazidas da rede permitem uma leitura crítica das leis e dos seus efeitos. Na lei que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista data de 2012 destacamos, como exemplos de dados que compõem os entendimentos do transtorno e as ofertas de cuidado, a definição do transtorno do espectro do autismo como deficiência e a preconização do diagnóstico precoce. No âmbito estadual destaca-se a Lei 6.169 de março de 2012 que dispõe sobre a Implantação dos Centros de Reabilitação Integral para deficientes mentais e autistas no estado do Rio de Janeiro. Na esfera municipal duas leis são pautadas: Lei 4.833, que institui a política municipal de proteção dos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista, promulgada em 2011, um ano antes da lei nacional, contudo resguardando semelhanças com a mesma; e a lei 4.922 de 2012, que dispõe sobre a implantação do Centro de Atendimento Integral para pessoas com transtorno do espectro autista no município, um serviço de saúde que propõe cuidados de reabilitação, tratamento, prevenção de deficiências secundárias e tratamento e/ou orientação familiar consonantes com os atendimentos de equipe multidisciplinar. Dentre as funções do Centro de Atendimento Integral destacam-se as garantias de: (I) Programa de diagnóstico precoce; (II) Atendimentos terapêuticos comportamentais, com programas, metodologias e comunicação alternativa/aumentativa comprovadamente eficazes; (III) Qualificação dos profissionais em atendimento a autistas ; (IV) Distribuição gratuita de medicamentos e nutrientes necessários a todas as crianças, adolescentes e adultos com autismo, sem interrupção de fluxo. O município de Volta Redonda conta atualmente com uma rede de serviços intersetoriais para o autista, que envolve a Secretaria de Educação (Escola Dayse Mansur e Sítio Escola), Secretaria de Saúde (Centro de Atenção Psicossocial) e Secretaria de Ação Comunitária (CAPD – Centro de Atendimento à Pessoa com Deficiência e Centro de Convivência). Ressaltamos que para este trabalho foi feito um recorte da legislação no que se refere ao setor da saúde. A partir da promulgação da lei 4.833, o serviço criado em 2011 como Centro de Atendimento Integral à Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, se transforma em Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Este processo de metamorfose se deu a partir da organização das Redes de Atenção a Saúde, com a constituição da RAPS (Rede de Atenção Psicossocial), que dispõe de financiamento federal específico para construção de CAPS, que também podem compor as redes de cuidado e atenção à clientela autista. Com a regulamentação através da portaria 3.088 de 2011, a RAPS incorporou em Volta Redonda a assistência à pessoa com transtorno do espectro do autismo na rede de saúde mental.  Trata-se dos efeitos e modulações da criação do serviço por outros dispositivos legais: a lei da Reforma Psiquiátrica nº 10.216 de 2001 e a portaria de regulamentação da rede de atenção psicossocial, portaria 3.088 de 2011. Sobre as leis municipais e a existência de tantos serviços destinados ao cuidado às pessoas com transtorno do espectro autista, bem como as demandas pela criação de mais serviços especializados, avaliamos que uma das urgências geradoras dessas leis e estabelecimentos foi o grande engajamento e mobilização da APADEM - Associação de Pais e Amigos da Pessoa com Deficiência Mental. Em parte, essa mobilização está associada à crença de que o cuidado ao usuário diagnosticado com o transtorno é mais possível ou pertinente pela via do afastamento do autista das redes regulares e criação de redes especializadas de cuidado, ou seja,  por uma negação da sua diferença – e não pelas tentativas de escuta e produção de comunicação com o autista na sua diferença. Tais projetos de cuidado diminuem o desconforto diante de um modo de funcionamento diferente. Percebemos que a exigência de competências cada vez mais específicas para os profissionais que trabalham no cuidado a esses usuários, bem como a produção de serviços hiper-especializados nesse cuidado, define para os usuários lugares cada vez mais separados da vida cotidiana, da cidade e das redes regulares, gerando exclusão, em vez de socialização. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Criar serviços específicos diminui a confrontação e o compromisso das redes regulares de ensino, saúde e assistência em ter contato e em se prepararem para acolher e trabalhar com esses usuários. E, por outro lado, isso causa também uma grande valorização do conhecimento técnico em detrimento de uma sensibilidade que só se produz em práticas de trabalho. Assim, os profissionais não “capacitados”, sentem certa impotência diante da necessidade de produzir cuidado ao usuário diagnosticado com autismo. Em consonância com Lima (2014), consideramos as leis espaços heterogêneos desde o seu processo de construção, em que se articulam diferentes forças e se presentificam urgências de várias ordens que se pretende pautar. Ressaltamos a importância de usá-las, entendendo-as como mecanismo que gera e interfere em relações de saber-poder e  fazeres, constituindo-se como dispositivos de implantação de políticas públicas, uma vez que  as consideramos como práticas e não como modos naturais de funcionar. E, portanto, interessa-nos colher, além de seus efeitos, também seus vazamentos e fissuras, os limites do dispositivo enquanto operador e construtor de políticas e modelos de cuidado.

Palavras-chave


rede de cuidado; transtorno do espectro do autismo

Referências


LIMA, Fátima. As leis enquanto dispositivos - para pensar as normas, suas fissuras e efeitos. Mimeo. 2014.

DELEUZE, Gilles e GATTARI, Félix. 20 de novembro de 1923 – Postulados da Linguistica. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 2. Rio de Janeiro, Editora 34, 1995.

FOUCAULT, Michhel.. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2002