Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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A CONSTRUÇÃO DA REDE ONCOLÓGICA NO TERRITÓRIO MICROPOLÍTICO DO CUIDADO: O CASO ANUNCIAÇÃO
Mariana Pompílio Gomes Cabral, Evelyne Viana de Franca, Consuelo Helena Aires de Freitas, Túlio Batista Franco, Maria Salete Bessa Jorge

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


APRESENTAÇÃO: A proposta de estudar a construção da rede oncológica no território micropolítico do cuidado, emerge de um projeto nacional, ainda em andamento, intitulado por: “Observatório Nacional da produção de cuidado em diferentes modalidades à luz do processo de implantação das Redes Temáticas de Atenção à Saúde no Sistema Único de Saúde: avalia quem pede, quem faz e quem usa”. Argumenta-se a importância de se estudar essa temática à medida que se revelam dados do Instituto Nacional do Câncer afirmando que as patologias oncológicas vêm apresentando elevados índices de incidência e morbimortalidade, à nível nacional e internacional. Diante dos dados epidemiológicos, a problemática convoca à saúde pública a organizar estratégias para prevenção e controle no combate ao câncer e seus fatores de risco. Como proposta, surge a criação da Política Nacional de Atenção Oncológica, com a iniciativa de criação de uma rede oncológica com o intuito de fazer não somente a organização do cuidado, mas também a conexão entre os diversos seguimentos que produzem cuidado às pessoas com câncer, desde à prevenção e a promoção da saúde, interligando à atenção secundária e terciária. Entretanto, não é tarefa fácil, haja vista que trata-se de uma doença crônica que tem um campo multideterminado. Embora a política preconize um cuidado integral a pacientes com câncer, sabe-se que a rede de saúde é um processo de construção que se dá no cotidiano dos serviços e que envolve várias especificidades e singularidades entre os sujeitos produtores de cuidado. A construção de uma rede não é pontual, causal e linear. Muito pelo contrário, ela se dá em multiplicidade, em conexão com diversos atores, serviços e instâncias do cuidado. Tratando-se das peculiaridades da construção de redes de saúde para assistência à mulher com câncer, é imprescindível problematizá-la em sua singularidade, no contexto histórico do feminino na sociedade, enxergando-a em sua existência, para além da doença. OBJETIVOS: Diante dessas perspectivas apresentadas, o objetivo desse estudo é discutir e problematizar a construção micropolítica da rede oncológica em uma perspectiva centrada no usuário. METODOLOGIA: Nessa pesquisa, tem-se como guia a cartografia da vivência de Anunciação, uma mulher que narra sua experiência de adoecimento e produção do cuidado em conexão com redes formais e informais no âmbito da oncologia. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, localizada em São Luís/Ma, com orientação cartográfica e análise atrelada à vertente pós-estruturalista. Realiza-se, à medida que narra a trajetória de cuidado da usuária-guia, acompanhando os processos que emergem na construção de cuidado oncológico, evidenciando seus caminhos percorridos, suas conexões com redes formas e informais. Nesse caminhar, participaram da pesquisa atores de importância para a produção do cuidado vivo e em ato, são estes: Aparecida, sua companheira; Luna, sua filha; Sofia, sua prima mãe de santo; Maria, Agente Comunitária de Saúde; Pedro, oncologista; Lídia, ginecologista. Também participaram da construção da rede oncológica da usuária-guia, os serviços de saúde formais - a atenção primária e o hospital de referência oncológica -, e os serviços vivos de cuidado: religião de matriz africana, umbanda. Pertence a uma pesquisa maior, com parecer 560.597 de 23/03/2014. RESULTADOS: Como resultados, revela-se o caso de Anunciação, 58 anos, em tratamento de câncer do colo uterino há três anos. Esse caso atinge uma complexidade, pois extrapola o protocolo formal de construção da rede oncológica. As narrativas, as expressões corporais e os contextos que vão surgindo formam um conjunto que destoa da representação formal que se tem acerca da assistência oncológica e da vivência do câncer que se encontram nos manuais. Esse caso, produz diferença. Tratando-se da produção micropolítica do cuidado oncológico, Anunciação, antes de seu tratamento, nunca tinha ouvido falar e não havia feito exame de prevenção nem em casa, nem na atenção primária. Cartografando o território, a pesquisa descobriu que Anunciação mora em uma área descoberta pela atenção primária, em um bairro de grande vulnerabilidade social, esquecido e marginalizado em São Luís/Ma. Normativamente, a Rede Oncológica elenca como ponto fundamental de cuidado a atenção primária à saúde, sendo esta a ferramenta potencial para diminuição do agravamento e de mortalidade pelo adoecimento oncológico. Entretanto, o centro de saúde da família, que seria sua referência, funciona tanto para atender ao território comunitário, como pessoas que vêm do interior em busca de cuidado, o que ocasiona uma grande demanda e dificuldade em atender a toda a população adscrita. O único serviço de saúde que promove cuidado à Anunciação é o hospital, onde a mesma refere um cuidado resolutivo, acolhedor, promotor de vínculos afetivos e corresponsabilizados. Diante dos caminhos traçados, acerca da sua relação com a rede de assistência oncológica formal, é possível perceber uma centralidade do cuidado voltada somente ao hospital oncológico de referência. É nesse lugar que acontecem todos os passos do processo de tratamento oncológico, desde o diagnóstico, realização de exames, tratamento com quimioterapia e radioterapia, até a reabilitação. Anunciação enfatiza que seu médico de referência oncológica afirma em todas as consultas que tudo que ela sentir, que se dirija diretamente ao hospital, onde todos os seus problemas de saúde serão assistido - gripe, virose, gastrite. Ou seja, o cuidado é restritamente hospitalar, sem pontos de apoio comunitários de promoção à saúde. Outra produção de diferença que vale destacar são as formas de cuidado relacionadas à religiosidade e à espiritualidade. O sentido de cura do câncer tem ligação direta à sua prima mãe de santo e à umbanda. Refere-se repetidas vezes que foi a sua fé que lhe curou. Para Anunciação, o câncer foi um acontecimento que mudou sua existência, suas relações afetivas e seu cotidiano. Ela se tornou mais isolada socialmente, referindo como atividade de lazer apenas assistir um programa de televisão sobre cuidados à saúde. A convivência com sua companheira passa a ser restrita a uma relação de cuidados de saúde. Apresenta também como cuidadora, sua filha, com 29 anos, que também nunca fez exame preventivo, relatando problemas de saúde sem receber e procurar assistência. É válido ressaltar que a sua relação homoafetiva e sua relação com a umbanda são dimensões de sua existência que permanecem veladas, tanto às pessoas que convivem com ela na comunidade, como para seu oncologista e ginecologista. Trata-se, então, de uma mulher que foge à norma vigente social do ser mulher heterossexual, casada, que serve ao lar, ao marido e aos filhos. Anunciação inventa sua vida, suas relações e suas conexões para a construção de uma rede oncológica que seja resolutiva à suas demandas. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O estudo se encaminha para reflexões sobre os desafios da construção micropolítica de uma rede oncológica, com conexões em multiplicidade e ao mesmo tempo, em imanência com a singularidade e a diferença. Pontua-se também a necessidade de um olhar integral à mulher com câncer, percebendo-a em sua existência feminina. Espera-se que essa pesquisa contribua para a afirmação da potência de vida e promoção de saúde de usuários que produzem e são produzidos pelos cuidados da rede oncológica.

Palavras-chave


rede oncológica; micropolítica;mulher com câncer