Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Proposta de Protocolo: Identificação de Fatores de Risco para Alterações de Fala e Linguagem (PIFRAL)
Laís Vignati Ferreira, Daniela Regina Molini-Avejonas

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


APRESENTAÇÃO: A Fonoaudiologia, como ciência da comunicação, possui uma vasta perspectiva de atuação em sistemas e serviços de saúde nos três níveis de assistência (primário, secundário e terciário). As práticas nos aspectos da linguagem, voz, audição e motricidade oral devem ser dirigidas a pessoas e grupos sociais, por meio do desenvolvimento de ações de promoção, prevenção, atenção e educação em saúde, que estejam em consonância com os indicadores de qualidade de vida e de saúde da população para qual será elaborada a proposta de cuidado. Para esse fim, mais do que planejar modelos de identificação da prevalência e incidência das alterações de linguagem em crianças, deve-se identificar os fatores de risco para essas alterações. Risco é definido como a chance de uma criança exposta a determinados fatores (ambientais ou biológicos) adquirir ou desenvolver alterações, no presente caso, fonoaudiológicas. Além dos riscos biológicos para essas alterações, são considerados os ambientais e sociais. Para a identificação de fatores de risco, entendendo como essencial para o delineamento de processos de cuidado à população, o Protocolo para Identificação de Fatores de Risco para a Alteração de Linguagem e Fala (PIFRAL) foi proposto. Esse protocolo consiste em um formulário com 29 itens administrados aos pais/responsáveis de crianças e compreende questões sociodemográficas (idade, gênero, raça declarada e escolaridade da criança; idade, escolaridade e profissão dos pais; local da residência), sobre a família (número de irmãos, ordem de nascimento, gemelaridade, tempo que passam com os filhos, língua utilizada em casa), informações sobre os períodos pré, peri e pós-natal e aspectos psicológicos da criança. O PIFRAL foi utilizado em um estudo piloto em laboratório, em condições experimentais para aplicação deste. OBJETIVOS: O presente estudo objetiva comparar os resultados de aplicação do estudo piloto com os resultados de aplicação após aumento da amostra, a fim de observar se os resultados se mantiveram ou se ocorreram mudanças na frequência de ocorrência dos fatores de risco para alterações fonoaudiológicas em crianças. METODOLOGIA: Estudo do tipo descritivo, retrospectivo, desenvolvido com as crianças atendidas no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Atenção Primária à Saúde (LIFAPS) do curso de Fonoaudiologia da USP. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FMUSP, processo nº 057/11, e todos os pais/responsáveis pelas crianças assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Participaram do estudo 238 crianças e seus respectivos pais e/ou responsáveis, que procuraram atendimento fonoaudiológico na referida clínica-escola. Os critérios de inclusão foram: faixa etária até cinco anos de idade e com hipótese diagnóstica estabelecida nas áreas de audição, voz, fala, linguagem e sistema miofuncional orofacial. Foram excluídos os sujeitos cujos pais não assinaram o TCLE e/ou cujos prontuários tivessem informações incompletas. Na rotina do atendimento clínico do LIFAPS, onde ocorre a triagem fonoaudiológica, solicitou-se que os pais/responsáveis das crianças atendidas respondessem ao formulário PIFRAL. Utilizou-se estatística descritiva para análise dos dados obtidos. A faixa etária predominante das crianças participantes foi entre 2 a 5 anos de idade, do gênero masculino. O informante a maior parte das vezes, foi a mãe. Das 238 crianças, 156 tinham irmãos, sendo que a maioria delas era o filho mais novo. Apenas 4,2% das crianças eram gemelares; e, a grande maioria era falante do português brasileiro (98,7%). Os pais passavam entre 4 e 8 horas com as crianças. A categorização da frequência dos fatores de risco foi realizada de acordo com o período de ocorrência: pré, peri ou pós-natal. No período pré-natal, o fator de risco predominante foi a presença de antecedentes familiares (39,5%) e intercorrências durante a gestação (37,0%). No período perinatal o fator de risco predominante foi prematuridade (18,1%) No período pós-natal, o fator de risco predominante foi hábitos orais deletérios (51,3%). É interessante notar que em 39% das crianças houve a ocorrência de apenas um fator de risco.  Os temperamentos afetivo (53,8%) e tímido (19,7%) tiveram a maior frequência. A amostra analisada para o atual estudo teve um aumento de 40 % de participantes em comparação ao estudo piloto. RESULTADOS: A caracterização sócio-demográfica apresentou algumas mudanças em relação à amostra do estudo citado, mas os fatores de risco para alteração fonoaudiológica relacionados à família, à saúde da criança e ao ambiente, se mantiveram. As características que se mantiveram no estudo atual em relação ao estudo anterior foram: faixa etária, prevalência do gênero masculino e temperamento tímido e afetivo. A prevalência do gênero masculino pode ser explicada pelo processo mais lentificado de maturação nervosa de crianças do gênero masculino; consequentemente, há uma vulnerabilidade nas alterações em geral. Além disso, o hormônio testosterona pode estar relacionado, já que influencia na renovação celular e dificulta a realização de conexões adequadas. Esses dois fatores podem estar associados ao desenvolvimento linguístico. No que tange ao comportamento, destacamos a maior ocorrência dos temperamentos tímido e afetivo.  As pesquisas caracterizam o temperamento afetivo como mais propício ao desenvolvimento, embora ainda sejam necessários mais estudos para que essa correlação possa ser efetivamente considerada; e, os dados sugerem que a timidez pode ser reflexo da própria alteração fonoaudiológica. Observou-se maior ocorrência de filhos mais novos, seguido de filhos únicos. Isto pois, a ordem de nascimento pode influenciar no desenvolvimento da linguagem e da fala. As hipóteses consideradas para esses resultados são a da divisão de atenção que os pais precisam realizar com o nascimento do filho mais novo e a infantilização do mesmo por um tempo mais prolongado em relação ao mais velho. Pode-se observar a possível relação entre o tratamento dos pais com o filho mais novo e o filho único. No estudo anterior, o filho único havia sido a maioria na amostra. O aumento do número de sujeitos não acarretou mudanças na frequência de ocorrência dos fatores de risco estudados nos três períodos: pré, peri e pós-natais. No período perinatal, houve maior ocorrência do fator de risco prematuridade, que pode prejudicar aspectos da plasticidade neural, que interfere no desenvolvimento como um todo, inclusive da linguagem. No período pré-natal, os antecedentes familiares e o uso de drogas (lícitas ou ilícitas) foram os fatores de risco mais prevalentes. Sabe-se da correlação existente entre o histórico familiar e a ocorrência de alterações fonoaudiológicas nas gerações seguintes. Quanto ao uso de drogas, há a interferência no desenvolvimento do feto, interferindo no desenvolvimento de linguagem. Já no período pós-natal, os fatores de risco mais frequente foram os hábitos orais deletérios, corroborando com estudos anteriores  e internações por períodos de tempo prolongado. Sobre a internação, cabe ressaltar que o quadro emocional da criança e todos os fatores biológicos afetados nesse processo por um longo período, estão relacionados com o desenvolvimento de linguagem. CONSIDERAÇÕES FINAIS: É de grande importância que esse instrumento seja validado, pois pode ser um fator facilitador para fomentar na prática os conceitos de clínica ampliada, determinados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Sendo um protocolo de fácil aplicação, o PIFRAL pode ser um potencializador do apoio matricial, que visa a qualificação de ações interdisciplinares com maior apropriação dos saberes das diversas áreas, em uma equipe interdisciplinar. Houve manutenção dos fatores de risco para alteração fonoaudiológica em relação ao estudo anterior. Portanto, o acompanhamento das crianças que possuam esses fatores de risco deve ser realizado, de modo a promover a estimulação necessária e a construção de ambientes saudáveis. 

Referências


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