Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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O PROCESSO DE TRABALHO DOS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE EM TERRITÓRIO DE ALTA VULNERABILIDADE
SIMONE PERCINCULA ANDRADE DA ROCHA BARBOSA

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


APRESENTAÇÃO E OBJETIVOS: O processo de trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) pode ser caracterizado pelo conjunto de medidas adotadas no exercício das atribuições, que tem por finalidade a promoção e a prevenção da saúde. As tecnologias que são utilizadas sistematizam as práticas desenvolvidas no cotidiano, e auxiliam para o estreitamento de laços entre a comunidade e a unidade de saúde. Compreendendo o processo de trabalho dos ACS pode-se dizer que suas atividades são predominantemente desenvolvidas na comunidade, na microárea de atuação da estratégia de saúde da família (ESF). O trabalho é desenvolvido num espaço onde há outros profissionais de saúde com o intuito de produzir cuidado à saúde da população. O presente estudo buscou investigar e compreender a atuação dos agentes comunitários de saúde em território de alta vulnerabilidade, acrescentando-se a percepção sobre o SUS, bem como a construção no desenvolvimento do trabalho, além das demandas originadas pela comunidade e o modo que os profissionais da ESF as recebem. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: Entende-se que no campo da saúde estão envolvidas relações sociais entre os profissionais que realizam o cuidado, os usuários e a subjetividade. Os ACS juntam na prática cotidiana as dimensões de saber - fazer, domínio prático, saber - conhecer e domínio cognitivo, direcionados tanto para as atividades de promoção da saúde quanto para a orientação de indivíduos, de grupos e das populações. Estes profissionais possuem elementos que facilitam o desenvolvimento do trabalho, que são o conhecimento das vivências da comunidade, e o saber que lhes é nato, já que além de profissionais da saúde são moradores deste território. Neste contexto, esta pesquisa foi realizada de maneira exploratória, explicativa, com estudo de campo e abordagem qualitativa, cujos dados foram coletados em entrevistas semiestruturadas e submetidas à análise de conteúdo. Foram entrevistados sete ACS lotados na unidade de saúde da família (USF) da Vila dos Pescadores, no município de Cubatão/SP e para a análise dos dados utilizou-se a metodologia da análise de conteúdo. O bairro da Vila dos Pescadores está localizado num terreno de mangue, originado por pescadores artesanais que viviam as margens do rio Casqueiro. Com a migração, a população residente aumentou e consequentemente houve a construção de moradias irregulares, como barracos de madeira e palafitas, originando os becos e vielas, que favorecem a presença do tráfico de drogas. RESULTADOS: Foram organizados em quatro núcleos temáticos principais: percurso profissional, processo de trabalho, processo de aprendizagem, processo de saúde e a alta vulnerabilidade. No eixo norteador da pesquisa, o processo de trabalho, apurou-se que o trabalho do ACS pode ser observado por diferentes aspectos: identificação da área de abrangência delimitando as fronteiras, cadastramento das famílias, acompanhamento dos usuários classificados como risco, verificação de áreas vulneráveis, detecção precoce de falta de saneamento básico, incluindo ações de educação em saúde. Essas devem ser desenvolvidas em conformidade com as orientações recebidas pela equipe de saúde na USF. A visita domiciliar (VD) é a base para o desenvolvimento do trabalho do ACS. É durante a VD que o ACS conquista a confiança, a credibilidade e facilidade na entrada da equipe multidisciplinar, direcionado para o cuidado daquela família. O momento da visita é tão rico que se podem fazer inúmeras trocas de saberes, experiências, a prevenção e promoção de saúde, bem como informações da comunidade. O ACS da Vila dos Pescadores para alcançar a confiança do morador, e consequentemente a entrada na casa, possui características peculiares, como a de acolher e escutar. Ademais, antes de ser profissional da saúde, o ACS possui o olhar de morador da comunidade representante dentro da USF. E, ser morador da área de abrangência da unidade de saúde possui duas perspectivas distintas: a primeira que o ACS como morador do bairro, compreende a dinâmica em que vivem os moradores, pois conhece as situações vividas no território, já que também faz parte da comunidade, e consegue identificar as áreas de vulnerabilidades locais. Porém, na outra perspectiva, percebe-se que por ser morador do bairro, acarreta numa sobrecarga de trabalho, pois tem dificuldade de delimitar o horário de suas atividades. Conhecer o território em que vive e trabalha favorece na execução das atividades cotidianas, dentro e fora da unidade de saúde, entretanto como todo trabalho, também possui o lado ruim: a jornada que não finda com o término das atividades do dia da unidade de saúde. Existe a facilidade em trabalhar ao lado de casa, já que auxilia na dinâmica profissional e doméstica – a grande maioria dos ACS no Brasil é do gênero feminino –, mas os moradores não conseguem separar o profissional de saúde, do vizinho que trabalha na USF, acarretando em sobrecarga no trabalho. O ACS quando desenvolve seu trabalho dentro da USF, interagindo com a equipe de saúde, alcança maior resolutividade no cumprimento das demandas. O trabalho em equipe é construído a partir da organização das atividades, com o intuito de atender os usuários de forma integral. Para a obtenção do sucesso no atendimento ao público, a equipe multiprofissional precisa de diferentes olhares, saberes e fazeres, compartilhando seus conhecimentos e, esse modo de trabalho resulta no fortalecimento das ações elaboradas. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Desta forma, concluímos que há necessidade de fortalecer o trabalho dos agentes comunitários de saúde junto à equipe multiprofissional, pois se identificou que os problemas enfrentados podem estar relacionados à falha na comunicação entre os integrantes. Houve um avanço se comparado o ACS atual com os primeiros profissionais. Isso se deve a conquista do espaço na saúde que os ACS adquiriram, e o esforço da categoria em se firmar enquanto profissão. Além de se mobilizarem politicamente pelas forças das instituições públicas e sindicais, batalhando pelo reconhecimento, fazendo valer seus direitos. A experiência profissional dos ACS deste estudo tem seus conhecimentos originados de suas vivências e oportunidades que surgiram no decorrer da vida. Percebemos que o saber desses profissionais tem características comuns: a formação educacional básica e trabalhos que exigiam pouco estudo, funções marcadas pelo contato com o público. A comunicação surge como elemento facilitador para o desenvolvimento das ações, e o conhecimento comunitário que possuem parte das vivências do cotidiano. Isto é embasado pela corrente de pensamento de Freire (2014), que respeita o conhecimento do outro, e o saber é construído em conjunto com a realidade em que vive. Neste sentindo, a pesquisa depreende uma visão mais “realista” do cotidiano do trabalho do ACS. Isto nos possibilita definir o processo de trabalho dos ACS, como o conjunto de ações sistematizadas e orientadas para alcançar a promoção e a prevenção de saúde. Para atender o indivíduo de forma integral, o ACS precisa ser parte efetiva da equipe de saúde, colaborando no desenvolvimento e organização das atividades, no intuito de fortalecer as ações que serão realizadas. Existem algumas iniciativas de capacitações, mas ainda em estado insatisfatório, que sugerem a necessidade de provimento da educação permanente que pode acontecer durante o trabalho, dentro da unidade de saúde. E assim, acreditamos que melhorar a organização do trabalho dos agentes comunitários de saúde, facilitará a compreensão da população e dos demais profissionais, acerca de suas atribuições. 

Palavras-chave


Agentes comunitários de saúde; Estratégia de Saúde da Família; Processo de trabalho; Alta vulnerabilidade; Educação em saúde.

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