Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Cuidado em Saúde e Redução de Danos no CAPSad: problematizando o uso de medidas disciplinares e suspensões
Rodrigo Alves Rodrigues, Leandro Dominguez Barretto, Laisa Caldas Fernandes, Lorena Neris Almeida, Ameline Fernandes Santos, Társila Oliveria Castro da Cruz, Larissa Jesus da Gloria, Katarina de Lima Fernandes, Jakercia Souza Mascarenhas da Silva

Última alteração: 2016-03-16

Resumo


APRESENTAÇÃO: Esse relato busca problematizar as experiências vividas no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (CAPSad), a respeito do cuidado em saúde, da clínica psicossocial e da promoção de autonomia dos usuários, problematizando o uso de medidas disciplinares e suspensões como terapêutica de cuidado. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: Trata-se de um CAPSad II localizado no município de Salvador /BA, que atende uma média de 40 usuários/dia. Conta com atividades de acolhimento (consulta clínica, formação de vínculo e escuta, abertura de prontuário, adscrição técnico de referência), psicoterapia individual, grupos de medicamentos, de família, alcoolismo, tabagismo, de medidas socioeducativas, oficinas de música, cinema, desenho e pintura, tecelagem, letramento, informática, relaxamento, inglês, aurículo-acunpuntura, plantões de acolhimento, reuniões de equipe e de discussão multiprofissional de PTS (projeto terapêutico singular), assembléia dos usuários, giro cultural, jogos esportivos, serviços de alimentação, atividades em campo no território, entre uma gama de atividades que tem como propósito a promoção do cuidado, da autonomia e a reinserção social dos usuários, por meio de atividades laborais e da arte. O CAPS assume o papel estratégico de organizador, sendo responsável pelo suporte à rede de atenção básica, pela prestação de atendimentos clínicos em regimes diários, evitando a internação em hospitais psiquiátricos. No entanto, o serviço ainda enfrenta algumas problemáticas no processo de trabalho, na relação entre profissionais e entre profissionais e usuários. De alguma forma, ainda pode se perceber uma reprodução de certas normas de controle e atitudes repressivas, imposições do saber médico e práticas que enfatizam a medicalização. Um hábito bastante naturalizado é trabalhar com aplicação de “medidas disciplinares”, suspensões e controles no acesso. RESULTADOS E IMPACTOS: A equipe passa por um processo de rediscussão das relações de vínculo com os usuários e dos recursos utilizados em casos de crise ou indisciplina. Um recurso muito utilizado é a suspensão dos usuários do serviço, por certo período de tempo, e a adoção de “medidas disciplinares”. Verificou-se que as suspensões ocorriam principalmente tendo como justificativa os casos de agressão verbais por parte dos usuários com os profissionais de saúde ou com outros usuários. As adoções de certas medidas intensificaram alguns “conflitos” na relação equipe-usuários, ao associar-se a uma estrutura de co-gestão do serviço ainda em processo de construção, uma vez que os usuários têm pouco poder de decisão, até mesmo na assembléia dos usuários, além da dificuldade em conciliar problemas estruturais na oferta de alimentação com a demanda do serviço e com dificuldades para a organização da oferta por parte dos profissionais. Seguindo essa linha de raciocínio, alguns questionamentos foram sendo levantados: O que são de fato crises? Qual a diferença entre crise e indisciplina? Qual eram a sustentação teórica e conceitual da utilização de medidas disciplinares e suspensões enquanto recursos terapêuticos adotados em um serviço de saúde? A medida “suspensão” como recurso utilizado no manejo de certas situações de conflito com o paciente estavam sendo decididas e exercidas com sustentação terapêutica ou por um dispositivo de poder? Ao adotarmos uma medida de suspensão, como concebemos aqueles que cuidamos e qual o lugar atribuído a eles? De qual lugar o técnico ou terapeuta opera? Igualitarismo em uma instituição é possível? Quais funções e papeis os profissionais têm de assumir nesse contexto? Como lidar com as questões de hierarquia? Os usuários cobram da equipe uma posição firme, que relação de poder é essa? Como lidar com a violência e como se instrumentalizar para isso? Analisando essas questões, percebe-se que onde existe resistência, existem relações de poder; e que nosso maior “cadeado” talvez seja a maneira de enxergar a vida do outro; pois é preciso se encontrar com o outro e para isso torna-se necessário não se colocar tão forte ou autoritário frente a esse outro, uma vez que a existência do outro pode terminar por passar despercebida; porém cabe observar que em alguns casos pode ser terapêutico não responder a uma demanda. Percebe-se que a valorização das relações de hierarquia e a reprodução cotidiana de pequenas disciplinas podem levar ao surgimento de agressões como mecanismos de resposta. Certas proibições, como a do uso de substâncias psicoativas no serviço, podem na prática ser apenas mais uma regra, para sujeitos sociais marginalizados de seus direitos e expostos a uma vida de transgressões, de quebra de disciplinas e não submissão a determinadas regras. A Reforma Psiquiátrica coloca como desafio para o CAPS ser uma instituição da desinstitucionalização e para isso, é fundamental superar a relação de poder verticalizada e a hierarquização do saber saúde. Colocar o usuário em outro lugar, em uma relação profissional-usuário horizontal e potencializadora de autocuidado, pode fazer com que  ele assuma um local diferente nessa relação, intensificando os vínculos, a confiança e até mesmo, a pactuação de responsabilidades. Desse modo, podem ser rompidas tensões nessa relação “gato-rato” entre profissionais e usuários, construindo novas relações. Logo, verifica-se que não há um papel terapêutico na adoção de suspensões; além disso, se a saúde é um direito, um cidadão não pode ter o acesso negado a um serviço de saúde, apesar de a retirada do serviço poder ser uma forma de manejo em casos de crise, mesmo tendo ciência que a crise se trabalha fora dela, com o usuário já estável. As “medidas disciplinares” não são um termo do campo da saúde, e sim do campo jurídico, mostrando o seu caráter de significante histórico nas relações de poder.  Esses são exemplos vivos de que a Reforma Psiquiátrica ainda está em curso, uma vez que é uma reforma dos lugares de poder na saúde mental. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Entre os principais desafios enfrentados estão a revisão cotidiana do conceito de saúde e o sentimento de despreparo, frustração ou insegurança da equipe de saúde em lidar com situações de crises e indisciplina e com a transgressão de regras por parte dos sujeitos usuários; em lidar com a proximidade do território, do tráfico e da violência, e em trabalhar com a aplicação de medidas socioeducativas com usuários infratores, encaminhados ao serviço pelo sistema judiciário. O desgaste dos profissionais de saúde, principalmente dos que está a mais tempo em serviço, na relação com os usuários e na reprodução de práticas, também é outro fator importante a ser considerado; as profissionais de saúde mulheres enfrentam cotidianamente a realidade de lidar com a reprodução de práticas machistas por parte de muitos homens usuários. Percebe-se também uma dificuldade dos profissionais em procurar soluções, devido ao medo da exposição de determinadas situações, que na verdade são frequentes em boa parte dos CAPS e serviços de saúde mental do país. O campo da saúde mental, principalmente na Redução de Danos, enfrenta diversas barreiras ideológicas, culturais, econômicas, jurídicas e políticas. Nesse contexto, apresenta uma característica muito peculiar, que é a ênfase na militância em serviço como “clínica”, ferramenta de produção do cuidado. Para promover mudanças no modelo de atenção à saúde, pondo fim a mercantilização e a medicalização e adotando um conceito ampliado de saúde na execução das práticas, é preciso atuar cotidianamente em serviço propondo alternativas.

Palavras-chave


medidas disciplinares; cuidado em saúde; redução de danos

Referências


1- In-tensa. Ex-tensa / Universidade Federal da Bahia. Departamento de Psicologia, PIC ¬Programa de intensificação de cuidados e pacientes psicóticos. Ano I, n. I (2007) - Salvador, BA: UFBA, FFCH, 2007.

2- MERHY, Emerson Elias. Um ensaio sobre o médico e suas valises tecnológicas: contribuições para compreender as reestruturações produtivas do setor saúde. Interface-comunicação, saúde, educação, v. 4, n. 6, p. 109-116, 2000.