Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Produção do Cuidado nas Redes de Atenção à Saúde na Perspectiva da Integralidade: a micropolítica do cuidado em nome de uma ética de cuidado descentralizada
Maria Raquel Rodrigues Carvalho, Francisco Anderson Carvalho de Lima, Luilma Albuquerque Gurgel, Ismália Magda de Oliveira Lima, Túlio Batista Franco, Maria Salete Bessa Jorge, Diego da Silva Medeiros

Última alteração: 2016-03-04

Resumo


Este estudo é contribuinte da pesquisa nacional ainda em andamento “Observatório Nacional da produção de cuidado em diferentes modalidades à luz do processo de implantação das Redes Temáticas de Atenção à Saúde no Sistema Único de Saúde: avalia quem pede quem faz e quem usa”. Objetiva-se estabelecer uma discussão acerca da concepção de Redes de Atenção à Saúde (RAS) pautada na promoção da saúde e integralidade. Para tal desenvolvem-se (re) formulações acerca do cuidado, integralidade, micropolítica e redes enquanto agenciamentos compreendidos na perspectiva do processo subjetivo de trabalho vivo em ato. Por um lado existe a compreensão de que os sistemas de atenção à saúde passaram por reformulações ligadas a aspectos liberais dos anos 90, tais como o mecanismo de mercado, novos modelos de financiamento e a descentralização. O que não obteve sucesso na melhoria da qualidade de atenção e acesso. Diante disto, aponta-se que a visão no século XXI pretende ao alinhamento das políticas de reformas sanitárias de maneira a atender aos objetivos de atenção à saúde preconizada pela Organização Mundial da Saúde. E, neste aspecto a concepção das RAS pautada na clínica ampliada e agenciada no trabalho vivo se diferencia, atuando com o foco da gestão se na clínica e não nos meios que se propicia a atenção e contemplando a perspectiva rizomática das redes informais e existência subjetiva. Entretanto, tal perspectiva não abrange a complexidade necessária da questão, além de apresentar outros problemas, tais como o uso de concepções internacionais para a realidade brasileira. Ora, as experiências de cada Estado apresentam suas peculiaridades e o funcionamento e desenhar de suas redes emerge a partir dessa teia de existência de processos intersubjetivos, processos de trabalho, relações de território e regionalização, bem como questões que envolvem a produção do cuidado e gestão do cuidado, aspectos eminentemente relacionados a micropolítica do cuidado no Sistema Único de Saúde (SUS), a partir de seus princípios e diretrizes. Define-se como RAS o “conjunto de ações e serviços de saúde articulados em níveis de complexidade crescente, com a finalidade de garantir a integralidade da assistência à saúde”, representando a melhora da qualidade de atenção, diretamente relacionada com os movimentos de regionalização inerentes ao SUS em seus princípios de universalidade, equidade e integralidade, e compreendendo os aspectos micropolíticos (BRASIL, 2011; CARVALHO, 2013). Para o desenvolvimento desse escrito, tem-se como base a articulação entre a construção das narrativas dos atores-praticantes-construtores das redes temáticas, precisamente da rede no município de São Luís/MA, por meio de orientação cartográfica; e o histórico de políticas nacionais das RAS que preconizam princípios e diretrizes para a garantia do acesso e a qualidade de atendimento materno-infantil e a pessoas com câncer. As narrativas possuem um viés político, são ilustradas pela vivência de quem as profere e as registra num campo sempre vivo de produção. O que os envolvidos dizem implica tomada de posição numa certa política da narratividade (PASSOS E BARROS, 2010). Ressalta-se que tais caminhos investigativos permitem uma análise de diálogo entre as narrativas que se expressam no devir cotidiano de prática com as políticas que se processam na construção histórica do plano de atenção da Rede Cegonha (RC) e a Rede Oncológica (RO). Como primeira etapa, busca-se a amplitude da pesquisa, convidando trabalhadores de saúde, coordenadores de serviços, gestores e todos os interessados em participar da pesquisa tornando-se guias para possibilitar e facilitar o encontro entre a pesquisa e seus elementos chaves: os usuários-guia. Antes mesmo da entrada em campo já se problematiza o próprio campo, conhecido culturalmente e socialmente como uma seara de sofrimento que traça linhas tênues entre a vida e a morte. Sabendo desta representação social, é cabível, de início desterritorializar-se do simbólico para territorializar-se com a singularidade dos campos que se almeja adentrarem. Kastrup (2007) nos clarifica que cartografar é desdobrar e acompanhar processos e não representar um objeto. Isso significa dizer que exige, primeiramente, outra postura do pesquisador. Faz-se necessário uma postura que privilegie a política, a ética, a estética e a poiética do próprio território que se deseja adentrar. Significa dizer, também, que é preciso estar aberto ao campo que se pretende conhecer, para desbravar mundos novos ou não tão novos assim, por já fazerem parte de uma representação social e de saúde. Mas, estar aberto, é o primeiro passo. Referir-se a uma temática de território não é apenas compreender seus limites geográficos, conhecer quais os serviços, onde ficam, quais suas dividas. Lima e Yasui (2013) afirmam que territorializar-se é estar aberto ao encontro de um contexto – existência – onde se desdobram múltiplas possibilidades de vida, atravessadas por culturas, crenças e histórias de forma microestrutural e pelos aspectos sócio-político-econômico que o demarca. Dessa forma, o que se propôs a fazer para a entrada em campo foi atravessar e deixar ser atravessado pelos contextos de território em saúde, entendendo os processos de existência enquanto irredutivelmente singulares a este espaço, a este tempo e a este lugar. Diante de tais perspectivas metodológicas, a pesquisa norteou-se, inicialmente, em conhecer quais os possíveis serviços de saúde que poderiam ser acessíveis nessa seara, quem seriam seus protagonistas do cuidado para guiar a pesquisa, sendo informantes-chaves e como seria possível um diálogo entre pesquisa, pesquisadores, território e atores-oncológicos. A partir de um paradigma rizomático e, portanto que interseciona, procura-se englobar e agenciar aspectos micropolíticos do cuidado a partir do trabalho vivo em ato, uma vez que é a partir desse prisma que se pode conceber o que é intrínseco ao trabalho. O qual envolve sujeitos a partir de suas práticas de cuidado compreendidas por meio de sua alteridade na relação com o mundo, a constante transformação subjetiva e, por conseguinte, política dos diversos atores envolvidos no processo de saúde e cuidado. A micropolítica, aqui, transcende aspectos de adequação a paradigmas pré-estabelecidos e a quaisquer delimitações, posto que o trabalhador seja auto gerido e o usuário, em sua relação com o mundo, interfere na alteridade de todos os atores do cuidado, isso tudo através do processo intersubjetivo dos sujeitos que compõem essa rede (muito além das políticas estatais), uma vez que o fio condutor de tensionamento dessas redes é o investimento subjetivo dos envolvidos, já que desobedecer é o único verbo-corpo-alma conhecido pelo rizoma. Por tal motivo, além disso, ressalta-se a valorização e empoderamento das redes informais de saúde e cuidado, posto que é justamente nestes agenciamentos que se irrompe a promoção da saúde, a partir das existência do irromper do vivido, o Estado atua aqui a partir das políticas, de maneira a fortalecer tais processos e não estabelecê-los, pois não dispõe desse poder (FRANCO e MERHY, 2012; GOMES e MERHY, 2014; JORGE et al., 2011; FRANCO e MERHY, 2011). Faz-se necessário compreender a relação que a compreensão do processo de trabalho a partir do trabalho vivo em ato tem com a produção do cuidado. As linhas de cuidado estabelecidas nos mecanismos e ferramentas de cuidado convergem de acordo com a emergência da singularidade de cada usuário em tratamento com a corresponsabilização da equipe e seus processos de vínculo, acolhimento e promoção da saúde e elaboração de estratégias de cuidado. Isto é, a micropolítica ocupa lugar estratégico no campo existencial de saúde e cuidado.

Palavras-chave


Redes; produção do Cuidado; Cartografia

Referências


BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.459, de 24 de junho de 2011. Dispõe sobre a Rede Cegonha.

CARVALHO, M. R. R. Processo de regulação do acesso nas Redes de Atenção à Saúde no Ceará. Monografia (Graduação) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Ciências da Saúde, Curso de Enfermagem, Fortaleza, 2013.

FRANCO, T. B.; MERHY, E. E. Cartografias do Trabalho e Cuidado em Saúde. Tempus Actas de Saúde Coletiva. 6(2), 2012. Disponível em: <http://www.observasmjc.uff.br/psm/uploads/Cartografias_do_Trabalho_e_Cuidado_em_Sa%C3%BAde.pdf>. Acesso em 15 de março de 2015.

GOMES, M. P. C.; MERHY, E. E. (Orgs.) Pesquisadores in-mundo: Um estudo da micropolítica da produção do acesso e barreira em saúde mental. Porto Alegre, RS: Rede Unida, 2014.

JORGE, M. S. B. et al. Promoção da Saúde Mental–Tecnologias do Cuidado: vínculo, acolhimento, co-responsabilização e autonomia. Ciênc. saúde coletiva16(7), 2011. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232011000800005&script=sci_arttext>.   Acesso em 24 de março de 2015.

KASTRUP, V. O funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo. Psicologia & Sociedade, 19(1), p15-22, 2007.

LIMA, E.M.F.A.; YASUI, S. Territórios e sentidos: espaço, cultura e cuidado na atenção em saúde mental. Linha mestra, n.23, ago.dez.2013.