Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
O trânsito de institucionalidades na regionalização da saúde no Ceará
Neusa Goya, Luiz Odorico Monteiro de Andrade, Ricardo José Soares Pontes

Última alteração: 2015-10-30

Resumo


INTRODUÇÃO: A descentralização da saúde constrói-se durante uma produção discursiva normativa, via edição de portarias ministeriais, as quais com poder de ordem sobre o que falar, o que e como fazer e financiar, produz um solo positivo para o seu aparecimento como objeto de discurso para o desenvolvimento do SUS. Uma formação discursiva regular da descentralização da saúde que se desenhou com ênfase organizativa na municipalização e na regionalização. Tanto em um processo como em outro, o SUS se fez (e se faz) em base tensional, por colocar em disputa projetos políticos de qual a natureza existencial do seu caráter. Se universal, público, integral e em comando único ou se de cobertura universal forjando na integralidade o quanto e o que cobrir; público e com comando único, porém atravessado pelo empresariamento da saúde em diálogos com o (quase) mercado dado a fabricação de institucionalidades jurídicas, no âmbito do Direito Privado, incumbidas para a gestão de equipamentos públicos de saúde. Essa dimensão de tensionamento é real. Materializa-se na processualidade da regionalização, colocando-a no centro do debate do SUS. No Ceará, esta realidade é potente. A regionalização da saúde é operada no Estado, desde o final de 90, compondo um campo de problematização de diferentes ordens. Especificamente, nesse trabalho, indaga-se Como se deu a experiência de regionalização da saúde do Ceará e quais institucionalidades foram constituídas para a gestão da prestação de serviços nas suas regiões de saúde? Método Estudo qualitativo que objetiva narrar a regionalização da saúde do Ceará, destacando as institucionalidades constituídas para gerir serviços de saúde regionais e analisando suas implicações no SUS. O estudo foi construído por meio das narrativas, das entrevistas abertas e gravadas com gestores estaduais (3 do nível central e 22 das Regionais de Saúde). Adotou-se o método hermenêutico para análise dos textos construídos pela transcrição das entrevistas e narrativas institucionais de documentos afins ao tema, buscando uma interpretação profunda e contextualizada. O estudo foi aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, parecer 137.055, sendo financiado pela Fundação Cearense de Apoio a Pesquisa, por meio do Programa de Pesquisa para o SUS (PPSUS), Edital 03/2012. RESULTADOS: A regionalização da saúde, desencadeada no final da década de 90, no Estado do Ceará, constituiu-se como um projeto técnico-político do Governo, encabeçado pela Secretaria da Saúde do Ceará (SESA). Atualmente, o modelo regionalizado do Ceará é composto por 22 RS e 05 MS. No tocante ao desenho regional e suas funções assistenciais poucas alterações foram feitas de 1998 a 2015, apontando que, apesar das adequações encaminhadas pela SESA, a cada edição de uma nova normativa do Ministério da Saúde, a forte influência conceitual do modelo regionalizado do Ceará foi de orientação do Governo, que desenhou, por meio da SESA, a reforma do setor saúde. Reforma essa que contemplou: a concepção e formação/capacitação de um quadro executivo e coordenador da regionalização, por meio da Escola de Saúde Pública do Ceará; organização de um modelo da saúde com definição de territórios regionais, constituído já em 1998 por 20 microrregiões e três macrorregiões de saúde; reforma administrativa com a instituição de novas Coordenadorias Regionais em diálogo com o desenho assistencial, assegurando em cada microrregião uma estrutura regional da SESA; constituição de instâncias de pactuação intergestores, desde 2000, com a implantação de Comissões Intergestores Microrregionais de Saúde; envolvimento de coletivos representativos de prefeitos e secretários municipais de saúde, configurando um tipo de institucionalização da governança regional que privilegia a atuação federativa e a constituição de institucionalidades, com distintas modalidades de gestão, para gerir serviços de saúde prestados por equipamentos públicos. Os cenários de cada uma das 22 RS comportam estruturas físicas recentes de Policlínicas e Centros Especializados Odontológicos (CEO), ambos de atuação regionalizada, implantados pelo Governo Estadual. Em duas Macrorregiões de Saúde, Cariri e Sobral, foram instituídos os chamados Hospitais Regionais, também implantados pelo Governo Estadual. Na reforma do setor saúde, as gestões das Policlínicas e dos CEO ficaram sob a responsabilidade de Consórcios Públicos de Saúde (CPS), instituídos em cada uma das RS, exceto na de Fortaleza, totalizando 21 CPS. O CPS refere-se a uma Associação Pública, de natureza autárquica e interfederativa, com Personalidade Jurídica de Direito Público, tendo como entes consorciados o Estado e municípios. A ideia de fazer uso desse tipo de institucionalidade e modalidade de gestão não foi aleatória. Em 2007, a SESA, através da Portaria 2.061/2007, criou a Comissão de Fomento e Implantação de CPS no Ceará. Nos anos de 2009 e 2010, houve a publicação de leis ratificando a Carta de Intenção de 21 CPS e em 2014 todos estavam em funcionamento. No que é tocante à gestão dos Hospitais Regionais e de seis Unidades de Pronto Atendimento (UPA) houve a opção pela gestão via Organização Social de Saúde (OSS), encarnada no Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar – ISGH, com Personalidade Jurídica de Direito Privado, criado em 2002. Entretanto, essa opção não se deu em 2002. Em 1997, o Governador do Estado, sancionou a Lei 12.781, que instituía o Programa Estadual de Incentivo às Organizações Sociais e dispunha sobre a qualificação das OS. O ISGH foi qualificado com o objetivo de pesquisar e produzir conhecimentos e técnicas nas áreas de saúde e gestão hospitalar, responsabilizando-se pela administração e gestão hospitalar para difusão e aplicação no âmbito do sistema estadual de saúde. O primeiro Contrato de Gestão entre o ISGH e a SESA, ao final de 2002, teve como objeto a operacionalização da gestão e execução, pelo Contratado, das atividades e serviços de saúde a serem desenvolvidos do Hospital Geral Dr. Waldemar de Alcântara. O Contrato foi da ordem de R$2.700.000,00 (Dois milhões e setecentos mil reais). Em 2015, os contratos implicaram em recursos de R$458.364.247,34 (Quatrocentos e cinquenta e oito milhões, trezentos e sessenta e quatro mil, duzentos e quarenta e sete reais e trinta e quatro centavos), para a gestão de 3 Hospitais e 6 UPAS. O desenho da regionalização foi processualmente fabricado em consonância com o discurso da eficiência e eficácia do Estado; redução de gastos e proposição de melhoria da qualidade dos serviços; diálogos entre o Estado e o mercado para a viabilização da relação entre o público e o privado para a provisão de serviços de saúde, por meio das institucionalidades criadas e modos de gestão instrumentalizados por contratos de gestão sob uma lógica fortemente assistencial. Constitui um modelo tendenciado à delegação para o setor público não-estatal de responsabilidades executivas diretas pela provisão de serviços, fortalecendo o Estado Regulador em detrimento do Estado diretamente Executor. Entretanto, no Ceará, não se conseguiu imprimir as funções do Estado Regulador, permanecendo, contudo, o Estado financiador dos serviços de saúde. Considerações Finais As grandes questões nacionais em torno da regionalização da saúde se materializam na experiência do Ceará, apontando caminhos, saberes, práticas e desafios. Se essa experiência apontou para adoção de modalidades de gestão distintas, configuradas em diferentes institucionalidades, indicou também a necessidade urgente de se dialogar sobre a manutenção política do projeto do SUS PÚBLICO, UNIVERSAL, INTEGRAL E ÚNICO, além a efetividade real dessas institucionalidades em uma gestão regionalizada. O risco é o de se ter arranjos institucionais pulverizados Brasil afora, que além de descaracterizar o ideário político do SUS, não garante a integralidade da saúde. 

Palavras-chave


Gestão do SUS; Regionalização da Saúde; Empresariamento da saúde