Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
Educando-se na diversidade: uma experiência de formação docente junto aos Países Africanos de Língua Portuguesa
Marcia Raposo Lopes, Anakeila de Barros Stauffer, Ronaldo Travassos, Cristina Massadar Morel, Helifrancis Ruela

Última alteração: 2015-10-22

Resumo


Este trabalho reflete sobre a experiência de um Curso de Atualização para Docentes da Educação Profissional em Saúde, realizado em Guiné Bissau, pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, unidade técnico científica da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz). Em 2004, a EPSJV foi designada como Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde (OMS) para Educação de Técnicos em Saúde pela Organização Panamericana de Saúde (Opas), sendo redesignada nos anos de 2008 e 2012. Ainda no que tange à atuação da EPSJV no âmbito internacional, em maio de 2009, os Ministros da Saúde da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), reunidos no Estoril-Portugal, aprovaram o Plano Estratégico de Cooperação em Saúde da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (PECS-CPLP 2009-2012), tendo como principal meta o fortalecimento dos sistemas de saúde dos Estados Membros da CPLP, de forma a garantir o acesso universal a cuidados de saúde de qualidade de suas populações. Nesse sentido, foram estabelecidos sete eixos estratégicos de atuação, dentre os quais a formação e o desenvolvimento da força de trabalho em saúde. Nesse eixo, um dos projetos pactuados dizia respeito à criação de redes estruturantes de saúde – dentre elas, as escolas técnicas de saúde. No mês de dezembro de 2009, durante a 2ª Reunião Geral da Rede Internacional de Educação de Técnicos em Saúde (RETS), ocorrida na EPSJV, foi criada a RETS-CPLP, sendo a EPSJV definida como instituição coordenadora da Rede – função redesignada em 2013.  Um dos objetivos do Plano de Trabalho proposto pela EPSJV em seu papel coordenador, para o período de 2014 a 2017, em consonância com o PECS-CPLP, se refere a “Qualificar os docentes das escolas técnicas de saúde, tanto nos aspectos técnicos quanto pedagógicos”. Tal proposta pretendeu contribuir na qualificação pedagógica de docentes das escolas técnicas de saúde dos países da CPLP, buscando aprofundar as bases teórico-metodológicas que fundamentam as práticas de educação e suas relações com a saúde. Nesse sentido, o curso visou propiciar uma formação crítico-emancipatória, em contraste com a racionalidade utilitarista instrumental que impera, usualmente, na formação docente, tendo como objetivo geral apresentar as concepções de educação e de educação técnica em saúde e sua correspondência nos âmbitos do currículo, do processo de ensino-aprendizagem, do planejamento pedagógico e da avaliação. A construção do plano do referido curso se configurou de forma dialogada com os referidos países, através de reuniões presenciais e de consultas via internet. O curso foi financiado pela Fiocruz e pela OPAS/OMS, tendo colaboração do Ministério de Saúde de Guiné Bissau e dos países de origem dos participantes, possibilitando a formação de 26 (vinte e seis) docentes da Escola Nacional de Saúde de Guiné Bissau e 2 (dois) docentes do Instituto de Ciências da Saúde Dr. Victor Sá Machado, de São Tomé e Príncipe. O curso contabilizou 80 (oitenta) horas/aula presenciais, e se organizou a partir dos seguintes eixos temáticos: Formação e expropriação do trabalho docente; Concepções pedagógicas: o diálogo com a visão de sociedade; as implicações para a prática docente; a educação popular em saúde; Currículo: aspectos filosóficos históricos e sociais; Currículo como campo de conhecimento; Currículos de educação profissional em saúde; Planejamento: integração entre a instituição educativa e o contexto social; Organização de um planejamento de ensino: metodologia, fases e elementos componentes; Plano de curso, plano de aula, a seleção do conteúdo e dinâmicas de ensino; Avaliação e sua imbricação com as concepções pedagógicas; Concepções de avaliação; Instrumentos avaliativos; Avaliação do saber técnico em saúde. Como objetivos específicos delinearam-se: 1. Analisar as principais características das políticas de educação e de educação profissional em saúde na atualidade peruana. Proporcionar a compreensão das diferentes dimensões (psicológica, social e política) envolvidas no processo de ensino e de aprendizagem, considerando as especificidades da educação técnica em saúde; 2. Analisar as concepções de ensino e de aprendizagem expressas nas práticas educativas em saúde, a fim de contribuir para a efetiva participação da comunidade e da problematização da realidade; 3. Conhecer as diferentes concepções de formulação do currículo que impactam o cotidiano do processo de ensino-aprendizagem; 4. Debater as concepções e sentidos da avaliação da aprendizagem, com o propósito de realizá-la de forma processual e diagnóstica para reorientar o trabalho docente; 5. Estruturar o planejamento pedagógico – plano de curso e plano de aula – considerando seus distintos componentes (objetivos, conteúdos, metodologia e avaliação), com vistas a organizar a prática pedagógica. Tanto o planejamento como o desenvolvimento constituíram-se em processo de grande aprendizagem para equipe de docentes, propiciando o conhecimento de processos educativos e culturais destes povos africanos. O principal desafio da proposta foi a concretização de uma metodologia pautada na problematização (FREIRE), valorizando as experiências formativas, de trabalho e de vida dos educandos, a fim de possibilitar uma análise crítica da práxis educativa que ressignificasse o conhecimento trabalhado em sala de aula e seus desdobramentos na vivência dos estudantes-docentes. Buscando apartar-se de processos de formação e trabalho que apresentam diretrizes prontas para o desenvolvimento das práticas, o curso propiciou o diálogo entre a discussão crítica de textos acadêmicos (quase todos brasileiros) e as experiências vividas pelos educandos, a fim de se elaborar planejamentos (planos de curso e planos de aula) que possam ser implementados em suas escolas. No que tange à avaliação do referido curso, compreendemos que essa se constitui como um momento de reflexão sobre os caminhos que o estudante-docente está construindo, demonstrando suas dificuldades, suas possibilidades, seu caminhar no processo, sempre transitório, do saber (Estéban, 1997). Buscamos instituir um trabalho pedagógico em que a escola organize a mediação entre sujeitos coletivos e conhecimento, a fim de que estes tenham acesso ao saber e à cultura produzidos pela humanidade (Kostiuk, 1991). A partir desta concepção, a avaliação só pode se constituir de forma processual ao longo de todo o curso, tomando como referência a experiência dos discentes e sua trajetória ao longo do processo formativo: avanços teórico-conceituais e sua aplicação prática, produções, participação individual e em grupo, dentre outros. O processo possibilitou o questionamento da formação docente que, muitas vezes se constitui de forma bancária (FREIRE), desconsiderando o papel de intelectual exercido pelo docente (GIROUX), e contribuindo para que a escola ocupe um espaço de mantenedora do status quo.    

Palavras-chave


Educação Profissional; Formação docente; Cooperação Internacional

Referências


GIROUX, H. Professores como Intelectuais Transformadores. in: Os Professores como Intelectuais: Rumo a uma Pedagogia Crítica da Aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.