Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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INTEGRAÇÃO ENSINO-SERVIÇO: ESTRATÉGIA DE EDUCAÇÃO PERMANENTE E FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE
Jullyanne Heringer Cordeiro Ornelas, Maristela Dalbello-Araujo

Última alteração: 2015-11-12

Resumo


Desde o Movimento da Reforma Sanitária Brasileira existe a preocupação com as temáticas da formação profissional e da integração entre os sistemas de saúde e de ensino. A importância dessas temáticas é tamanha, que a Constituição Federal de 1988 e as Leis nº 8.080/90 e nº 8.142/90, que referendam o Sistema Único de Saúde (SUS), definiram em seus textos como competência do sistema de saúde brasileiro a tarefa de ordenar a formação de recursos humanos na área da saúde. Contudo, a revisão de literatura aponta que a formação de profissionais habilitados para atuar em coerência com os princípios e valores do SUS e atender as reais necessidades de saúde da população, ainda consiste em um dos principais desafios para a consolidação do nosso sistema de saúde. Também aponta que no escopo de políticas do SUS, a de formação é uma das áreas menos problematizadas, apesar de sua importância nos debates travados sobre o sistema de saúde brasileiro. Observa-se que os modelos hegemônicos de formação ainda têm foco na doença, privilegiam os aspectos biológicos em detrimento dos psicológicos e sociais, são medicalizantes, centrados em procedimentos e limitados aos hospitais como cenário de aprendizagem. Além disso, problemas como a desarticulação entre as instituições formadoras e as de serviços e a dissociação entre os mundos do ensino e do trabalho destacam a complexidade dessa temática. Para a superação do descompasso existente entre as necessidades de saúde da população e o ensino, é preciso que os setores da saúde e da educação firmem uma permanente parceria e que os processos formativos sejam orientados para e pelo trabalho. Assim, tornou-se necessário implantar uma política voltada para os recursos humanos em saúde. Em 2003 o Ministério da Saúde criou a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), responsável pela formulação das políticas orientadoras da formação, desenvolvimento, distribuição, regulação e gestão dos trabalhadores da saúde, tendo a Educação Permanente (EP) como estratégia fundamental para a recomposição das práticas na área. Apresentada ainda em 2003, a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) somente foi instituída no ano seguinte pela Portaria nº 198 GM/MS. Essa política foi definida como estratégia do SUS para a formação e o desenvolvimento dos trabalhadores da área da saúde, com o objetivo de transformar as práticas profissionais e a própria organização do trabalho, cumprindo a meta de tornar a rede pública de saúde uma rede de ensino-aprendizagem. Para a sua condução, foram instituídos os Pólos de Educação Permanente, que são instâncias interinstitucionais e locorregionais de gestão da Educação Permanente em Saúde (EPS) e deveriam funcionar como rodas de debate e construção coletiva, promovendo mudanças nas práticas de saúde e nas práticas de educação na saúde. Ainda que a PNEPS tenha sido reformulada em 2007, pela Portaria nº 1.996 GM/MS, ambos os documentos ministeriais afirmam a Educação Permanente em Saúde como o conceito pedagógico que viabiliza relações entre ensino, ações e serviços, ou seja, o encontro entre os mundos da formação e do trabalho a partir do pressuposto da Aprendizagem Significativa – que produz sentidos – e da reflexão crítica sobre a realidade das práticas e dos serviços. Desse modo, a EPS pode ser definida como o processo educativo que coloca o cotidiano do trabalho e/ou da formação em saúde em análise. No contexto dos processos de mudança da formação dos profissionais de saúde, merecem destaque as iniciativas de integração ensino-serviço que, em conformidade com a PNEPS, emergem como uma possível resposta do Ministério da Saúde aos modelos tradicionais de formação que não se mostraram suficientemente capazes de responder, de maneira adequada, às necessidades de saúde individuais e coletivas. A integração ensino-serviço consiste no trabalho coletivo, pactuado e integrado entre estudantes, docentes e trabalhadores da área da saúde (inclusive gestores), e ainda, em uma estratégia de formação e educação permanente dos profissionais de saúde que utiliza a face assistencial do sistema de saúde como recurso pedagógico. Seus objetivos são a qualificação da assistência individual e coletiva, da formação profissional e do desenvolvimento dos trabalhadores do setor. Integrar ensino e os serviços é uma tendência importante no campo da formação profissional em saúde e a revisão de literatura destaca algumas iniciativas nesse sentido que, ao longo dos últimos anos, promoveram mudanças consideradas substantivas nos processos formativos da área: o Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares para as Escolas Médicas (PROMED), a homologação das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação da área da Saúde, o AprenderSUS: o SUS e os cursos de graduação da área da Saúde, e mais recentemente, o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde), o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) e o PET-Saúde Redes. Tais iniciativas apresentam uma perspectiva de ensino-aprendizagem que rompe com históricas dicotomias como, por exemplo, pensar e fazer, e possibilita a integração entre habilidades teóricas e práticas, entre diferentes saberes, projetos, atores e segmentos sociais. Essa perspectiva de aprendizagem, que encontra sustentação na integralidade e vai ao encontro da proposta da PNEPS, promove experiências significativas ao compreender que o conhecimento humano é construído e processado na medida em que se reflete sobre a ação, do pensamento sobre o vivido no concreto do trabalho. Nessa perspectiva, a aprendizagem está diretamente relacionada à experiência que o indivíduo vive, ou seja, à sua vivência, podendo esta ser, dentre outros, prazerosa, mobilizadora ou desconfortável. Assim, considerando a importância de acompanhar tais iniciativas na direção de mudar os processos de formação profissional na área da saúde, realizamos uma pesquisa tendo como cenário o PET-Saúde Redes de Atenção Psicossocial, uma das iniciativas de integração ensino-serviço do município de Vitória-ES. Esse Programa foi desenvolvido a partir da parceria entre a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e a Secretaria Municipal de Saúde (SEMUS), no período de agosto de 2013 a julho de 2015. A parceria elegeu a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) de Vitória como foco das atuações e teve como cenários de prática duas Unidades de Saúde com Estratégia Saúde da Família (ESF), um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS ad) e uma equipe do Consultório na Rua (CnaR). Estiveram envolvidos no Programa 36 discentes de sete diferentes cursos de graduação e 06 docentes dos cursos da área da saúde da UFES, 18 profissionais que atuaram como preceptores dos alunos, além dos gestores, e usuários dos serviços municipais de saúde. Nesta pesquisa optamos por abordar os discentes e nos propusemos a analisar as vivências desses estudantes que participaram do PET-Saúde Redes de Atenção Psicossocial. A pesquisa teve base na abordagem qualitativa e para alcançar o objetivo proposto, acompanhamos as experiências de quinze acadêmicos dos cursos contemplados pelo Programa. Destes, oito foram entrevistados individualmente e sete produziram diários de campo entre janeiro e junho de 2015. A análise do conteúdo das entrevistas e dos diários de campo revelou intensas vivências que produziram contato com desconfortos e outras mobilizadoras de afetos positivos que os alunos afirmaram ter repercutido em seu processo de formação pessoal e profissional. Por isso tudo afirmamos que se torna necessário fortalecer as iniciativas de integração ensino-serviço nas instituições de ensino superior, nos serviços de saúde e junto à comunidade, de modo a assegurar sua sustentabilidade no processo de construção de sistemas de saúde escola.

Palavras-chave


Educação permanente em saúde; Educação; Serviços de saúde; Integração docente-assistencial

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