Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
Do sofrimento à morte no ambiente laboral: reflexões sobre o suicídio relacionado ao trabalho na contemporaneidade
Maisson da Silva Berg, Gímerson Erick Ferreira, Ana Paula de Moraes, Jorge Souza da Cruz

Última alteração: 2015-10-30

Resumo


APRESENTAÇÃO: Anualmente são registrados cerca de dez mil casos de suicídio no Brasil e mais de um milhão em todo o mundo, segundo dados da Organização Mundial de Saúde. Essa silenciosa epidemia tem sido alvo de preocupação de estudiosos, que têm empreendido esforços no ensejo de buscar novas iniciativas e medidas para intervir sob essa questão, visto que o suicídio se configura um problema de saúde de pública. O processo de suicídio é um evento complexo, multifacetado, que envolve aspectos da dimensão consciente e consciente do indivíduo e que, em meio à complexidade de suas causas, sinaliza o desespero e o sofrimento. O trabalho pode constituir uma das causas do suicídio, uma vez que, diante dos novos modos de organização do trabalho, leva o trabalhador a adotar estratégias defensivas, as quais, quando insuficientes, podem resultar nas mais diversas patologias, culminando muitas vezes nesse mal. Essa relação é defendida por Christophe Dejours, psiquiatra e psicanalista francês, grande expoente da Psicodinâmica do Trabalho, que há algum tempo vem concedendo relevo a esta questão e que anuncia que o suicídio no local de trabalho é uma mensagem brutal de sofrimento. Logo, considera-se o ato suicida no ambiente laboral uma questão de relevância social, sendo importante refletir criticamente acerca das práticas disseminadas pela organização do trabalho contemporâneo e que são geradoras de sofrimento patogênico, no sentido de buscar alternativas de caráter preventivo ao suicídio e de criar possibilidades de intervenção em saúde do trabalhador. Assim, têm-se como objetivos para esta produção: tecer algumas reflexões acerca do modo como as configurações do trabalho contemporâneo têm contribuído para o suicídio nos locais de trabalho; e levantar propostas para a prevenção do suicídio no trabalho, sinalizando medidas de intervenção em saúde do trabalhador. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: Trata-se de uma reflexão teórico-filosófica ancorada na Teoria da Psicodinâmica do Trabalho de Christophe Dejours, que por focar na análise da organização do trabalho, e, a partir desse entendimento, compreender como são produzidos os processos de subjetivação, as patologias e a saúde; pode subsidiar um olhar ampliado diante do fenômeno do suicídio relacionado ao trabalho, abrindo caminhos para intervenções em saúde do trabalhador. A Psicodinâmica do Trabalho refere-se a uma teoria e prática específica, desenvolvida por meio de uma investigação interdisciplinar, cujo método é a clínica do trabalho, a qual procura compreender a dimensão sociopsíquica do trabalho, partindo da premissa de que todo comportamento tem um sentido. Por meio da clínica do trabalho, consegue-se desvelar o dito e o não-dito, o visível e o invisível, reconhecendo o real do trabalho e a mobilização empreendida pelo trabalhador para se engajar no trabalho. Nesse sentido, a clínica em Psicodinâmica do Trabalho está ligada à ação, a uma prática e uma intervenção, pois se constitui num modo de dar visibilidade às situações de trabalho e às vivências de prazer e sofrimento dos trabalhadores, desvelando as mediações que ocorrem entre o sujeito e o real do trabalho. Assim, tal referencial parece oferecer recursos para iluminar a compreensão dos suicídios relacionados ao trabalho, a fim de favorecer propostas de intervenção que possibilitem o desenvolvimento de medidas de prevenção e promoção da saúde do trabalhador. RESULTADOS: Para além do paradigma de desenvolvimento da produção anteriormente exaltado na figura do “homem-boi”, e que visava o domínio do trabalhador sob sua capacidade física, as “novas” configurações do trabalho contemporâneo têm expropriado a capacidade intelectual e emocional do trabalhador, induzindo as pessoas a um pensar alienante, oposto aos caminhos da emancipação e que o coloca na condição de “servidão voluntária”. Nessa situação, o trabalhador perde o sentido de liberdade e assume para si os projetos organizacionais, tornando-se conivente ao mascaramento da organização do trabalho injusto e negando o próprio sofrimento, bem como o de seus pares. Esquece os seus próprios desejos e compromete toda a sua subjetividade e rentabilidade do seu corpo e mente em prol da maximização do desempenho e da superação das metas individuais e organizacionais. Frente a essa conjuntura, o trabalhador se submete aos ditames da organização do trabalho. Este incita o investimento ilimitado no trabalho, a intensificação dos ritmos, o aumento da pressão do tempo, as exigências de produção, e as relações precárias que se estabelecem e o faz lidar cotidianamente com a sensação de insegurança, instabilidade, incompetência, solidão, expondo-se a agressões psicológicas que são banalizadas e que situam o bem-estar e a saúde física e mental em segundo plano. Todo esse sofrimento é gerador de sinais e sintomas de descompensações psíquicas graves e que podem induzir ao suicídio, na medida em que os trabalhadores usam esse subterfúgio como uma forma de solucionar seus problemas. Na perspectiva dejouriana, a relação entre suicídio e trabalho pode ser interpretada à luz de três concepções: ao modo como o indivíduo gerencia seu próprio estresse; às vulnerabilidades individuais que podem ter sido desencadeadas pelo trabalho; e à análise sociogenética, cuja organização do trabalho assume grande importância na saúde mental. Tal perspectiva assinala a urgência em abordar o suicídio e sua relação com o trabalho, na tentativa de pensar ações que possam prevenir esse grave problema. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Em meio ao grande número de suicídios no trabalho em todo o mundo, e considerando a ínfima relação entre estes casos e a organização do trabalho no cenário contemporâneo, propõe-se um maior investimento em medidas de prevenção e intervenção no ambiente de trabalho. O suicídio ainda é um tabu em nossa sociedade, e por este motivo, muitas vezes fugimos da responsabilidade e atribuímos a culpa à “loucura do indivíduo”, ao invés de relacioná-la à “loucura do trabalho”. É necessário falar sobre o assunto, mostrar que ele existe e que é possível combatê-lo. O trabalhador precisa estar ciente de que tem voz e de que junto aos seus pares, pode buscar espaços de negociação que favoreçam o coletivo e a busca de melhores condições de trabalho. Toda essa conjuntura mostra a importância de se promover a emancipação do trabalhador, bem como da sociedade como um todo, no sentido de denunciar, de pressionar e de exigir medidas para as práticas abusivas que possam desencadear o suicídio no trabalho. Anuncia a necessidade de criação e implementação de políticas públicas direcionadas à saúde do trabalhador nas empresas, as quais possibilitem maior autonomia do trabalhador e assegurem propostas de melhorias do trabalho, buscando propiciar um ambiente mais saudável e um melhor convívio com o coletivo de trabalho. Nesse sentido, é importante que as organizações possam oferecer espaços de deliberação para o trabalhador, propondo modos de gestão mais horizontalizados, em que seja possível discutir o real do trabalho e nos quais possa ser valorizada a circulação da palavra, valorizando as dificuldades do coletivo em cumprir o trabalho prescrito e lançando mão de estratégias que possibilitem a melhoria dos processos. Sugere-se ainda a criação de espaços de atendimento qualificado, direcionados ao  atendimento de trabalhadores em sofrimento psíquico e em risco de suicídio, onde a fala e a escuta seja valorizada, o anonimato seja preservado e o trabalhador sinta-se seguro em compartilhar seus medos, anseios e dificuldades, sem se sentir constrangido ou coagido por dialogar sobre seu sofrimento.