Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
ORGANIZAÇÃO DO ACESSO AOS SERVIÇOS NA SAÚDE DA FAMÍLIA E A DEMARCAÇÃO DO MODELO DE SAÚDE EM DOIS CENÁRIOS DA BAHIA
MARLON VINICIUS GAMA ALMEIDA, MARLUCE MARIA ARAUJO ASSIS

Última alteração: 2015-10-30

Resumo


APRESENTAÇÃO: quando nos referimos à demarcação de um modelo de saúde, concordamos com Paim (2003) ao afirmar que enquanto a conjuntura sanitária do Brasil não passa por uma alteração profunda e significativa, os modelos assistenciais servem como recursos de orientação e planificação de intervenções que permitem uma análise da situação, com vistas a concepções de interferências que busquem alterar a realidade apresentada. Desse modo, os modelos assistenciais são concebidos para o enfrentamento de problemas de saúde nos âmbitos individuais e coletivos e podem apresentar ao menos três concepções quando relacionados aos modelos de atenção à saúde: uma concepção genérica, que se vincula ao conceito de documentos oficiais; outra, que traz consigo a noção das intermediações entre o técnico e o político e compreenderia a elaboração de um projeto assistencial; e a última, que versa sobre a ideia de uma dimensão técnica das práticas de saúde, esta última adotada na construção deste trabalho. Assim, ao pensarmos o acesso à saúde, inúmeros aspectos podem estar relacionados à sua concretização (ou não), o que lhe confere um caráter diverso, de múltiplas análises e divagações, não sendo permitida a sua categorização de uma maneira unidimensional. O acesso aos serviços de saúde relaciona-se às condições de vida, nutrição, habitação, poder aquisitivo e educação, englobando a acessibilidade aos serviços, que vai muito além da dimensão geográfica, ao abranger, também, aspectos econômicos, relativo aos gastos do usuário com o serviço; aspectos culturais que envolvem normas e técnicas adequadas aos hábitos da população e aspectos funcionais, que se relacionam com a oferta de serviços adequados às necessidades da população (UNGLERT, 1990). O acesso é um elemento eficaz para a avaliação da qualidade dos serviços de saúde. A partir dele é possível mensurar a satisfação dos usuários com o atendimento, determinar a escolha do serviço e estabelecer, quase sempre, o vínculo com o sistema de saúde e os sujeitos envolvidos. Ademais, as desigualdades de acesso encontram-se como um dos principais problemas a serem enfrentados para que o SUS funcione efetivamente. No cenário nacional convive-se com acessos seletivos, excludentes e focalizados que se complementam e se justapõem, nos diferentes serviços públicos e privados, havendo, portanto, um descompasso entre a legislação e a legitimidade social (ASSIS; VILLA; NASCIMENTO, 2003). O acesso é seletivo por ser desigual em função do poder de compra dos usuários; excludente por condicionar o direito de assistência universal à lógica de mercado, racionalizando gastos e, por fim, focalizado ao limitar o atendimento público a determinados serviços ou programas. Neste contexto, o presente estudo tem por objetivo discutir a organização do acesso dos usuários na atenção à Saúde da Família e suas interfaces com o modelo de atenção à saúde em dois cenários da Bahia, Brasil. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: Pesquisa, de abordagem qualitativa realizada entre os meses de agosto de 2012 e fevereiro de 2013, teve o número de entrevistados definidos por inclusão progressiva, interrompida pelo critério de saturação. Foram entrevistadas 102 pessoas em dois municípios da Bahia, Brasil: grupo I (equipe de saúde - 49); grupo II (usuários da Saúde da Família - 37) e grupo III (dirigentes do SUS municipal - 16). Técnicas de coleta de dados: entrevista semi-estruturada e observação sistemática. MÉTODO DE ANÁLISE: análise de conteúdo temática e fluxograma analisador. RESULTADOS E/OU IMPACTOS: ao tentarmos entender como o acesso se organiza na estruturação de um modelo da saúde, principalmente na Saúde da Família, nos deparamos com um arranjo de falas que converge para a composição de uma organização do serviço que se baseia na demanda programada ou agendada, em detrimento da espontânea. Se por um lado, a demanda agendada aperfeiçoa as ações da equipe de saúde, que pode se programar para a realização de intervenções, atividades de educação em serviço, uso de ferramentas e tecnologias, na busca da resolubilidade das diligências apresentadas pelos usuários do sistema; por outro, a programação de ações específicas e a oferta organizada, com enfoque para aquelas que se referem aos grupos de risco ou que derivam dos programas ministeriais, complicam o acesso das pessoas à unidade de saúde e a sua fundamentação como “porta de entrada” para o SUS. Não obstante, a (des) organização da demanda espontânea contribui para a implacabilidade das filas nas madrugadas defronte as unidades de saúde, como uma maneira de tentar se garantir o atendimento clínico nestes locais. Embora nem mesmo assim esteja afiançada a entrada da pessoa no serviço, o que confere ao SUS uma limitação da entrada no serviço a partir da imposição de barreiras, o que leva a parte dos sujeitos implicados a escoarem para a rede de serviços particulares, na tentativa de fugir da crueldade e humilhação que as longas filas acabam por lhes conferir. Por outro lado, existe uma conformação por parte dos usuários e trabalhadores do serviço, que aceitam a situação sem quaisquer indagações e, em vista das inúmeras atribulações vivenciadas em outros serviços e localidades, demonstram que não há queixas a serem feitas em relação ao que expusemos anteriormente, seja por não incorporar a saúde como um direito de cidadania ou por apresentar uma baixa expectativa em relação ao que é ofertado pelo serviço. Ademais, as longas esperas por um acolhimento, informação ou consulta espelham o confinamento a que se subordinam os usuários dos serviços que fazem parte de uma demanda reprimida que está sempre a se expandir. Tal realidade diminui a credibilidade nos préstimos da equipe de saúde, dificultam a continuidade da assistência e desencadeiam um efeito compulsório que majora ainda mais os problemas vivenciados nos setores de média e alta complexidade. Destacamos que, nas análises realizadas, a impressão de (des) responsabilização por grande parte dos profissionais que intentam fazer a Saúde da Família nos dois municípios estudados. Durante o período de observação sistemática vivenciamos a triste realidade de usuários que são maltratados e agredidos pelo sistema e pelos trabalhadores, diariamente. Estivemos com recepcionistas que responsabilizavam os usuários por sua situação de saúde e não conseguiam, minimamente, ouvir suas queixas e angústias, médicos que chegavam ao serviço atrasados e se retiravam antes do final do expediente, muitas vezes, passando menos de uma hora em atendimento, enfermeiras desgastadas pela lógica cruel da assistência ou que seguiam o modelo centrado no procedimento, como uma maneira de minimizar suas inquietações. Situações estas que, quando comparadas a outros estudos, se repetem, cronificam e parecem inverter a perspectiva do sistema de saúde de cuidar dos cidadãos e aprofundam as distâncias e as injustiças, que tanto lutamos para superar desde o advento do SUS. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Sem dúvida, a força do modelo centrado no procedimento é um dos maiores entraves para a construção de uma realidade mais justa e igualitária, que possa romper com tamanhas iniquidades. Se pensarmos na Saúde da Família como “porta de entrada”, precisamos estruturar este sistema para que os usuários que consigam adentrar os serviços não se encontrem desamparados, com a sensação de ter penetrado em uma casa vazia, sem recursos para garantir a continuidade da sua assistência e a integralidade da sua atenção. Impor a reorganização do modelo aqui exposto, sem estruturar a atenção básica e suas associações, é pensar na promoção da saúde, exclusivamente, e esquecer que inúmeros sujeitos ainda dependem dos processos curativos e preventivos para sobreviver.

Palavras-chave


acesso aos serviços de saúde; modelos; saúde da família.

Referências


ASSIS, M. M. A.; VILLA, T. C. S.; NASCIMENTO, M. A. A. Acesso aos serviços de saúde: uma possibilidade a ser construída na prática. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 8, p. 815-23, 2003.

PAIM, J. S. Modelos de atenção e vigilância da saúde. In: ROUQUAYROL, M. Z.; ALMEIDA FILHO, N. (Orgs.). Epidemiologia & Saúde. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora MEDSI, p. 473-87, 2003.

UNGLERT, C. V. S. O enfoque da acessibilidade no planejamento da localização e dimensão de serviços de saúde. Rev. Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 24, p. 445-52, 1990.