Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
O processo de construção do material didático-pedagógico para o programa de qualificação de Agentes Indígenas de Saúde e Saneamento: reflexões a partir de conceitos nucleadores
Rui Arantes, Renata Palópoli Pícoli, Patricia Rech Monroe, Sofia Beatriz Machado Mendonça

Última alteração: 2015-10-27

Resumo


APRESENTAÇÃO: A iniciativa de elaboração do programa de qualificação de Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e Agentes Indígenas de Saneamento (AISAN) atende a uma demanda dos próprios agentes e ao diagnóstico realizado pela Secretaria Especial Saúde Indígena (SESAI), que identificou um quantitativo expressivo de agentes atuando nas comunidades sem qualquer capacitação. A proposta de um programa de qualificação para os agentes indígenas começou a ser desenvolvida em 2013, por meio de uma parceria entre a SESAI, a Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde (SGTES) e a Fiocruz Mato Grosso do Sul. A primeira etapa de construção do programa teve como objetivo a elaboração do mapa de competências dos agentes e a definição de um marco de orientação curricular. Uma grande oficina de trabalho que reuniu representantes das equipes multidisciplinares de saúde indígena – EMSI (AIS, AISAN e profissionais de saúde) de todos os 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) que compõe o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena do SUS (SASI-SUS) e, portanto denominada de “oficina nacional” iniciou o processo. Representantes da SESAI, SGTES, Fiocruz, das Escolas Técnicas do SUS e pesquisadores de instituições de ensino que atuam junto aos povos indígenas coordenaram as atividades. A oficina constituiu-se em um espaço estratégico e participativo, tendo como premissa metodológica a construção de espaços dialógicos, na qual AIS e AISAN foram considerados sujeitos ativos do processo de levantamento das atividades por eles realizadas. A partir do material coletado nos 12 grupos de trabalho da oficina nacional foi possível contextualizar o cenário de trabalho dos AIS e AISAN, agrupar e categorizar as ações realizadas pelos agentes, e relatadas pelos trabalhadores, segundo a sua natureza: ações técnicas, de comunicação (informação, registros etc.), relações (sociais, interpessoais e articulação), educativas (orientação, treinamento etc.), administrativa (planejamento e organização). Essa categorização permitiu a definição de habilidades, que agregadas aos conhecimentos e atitudes que compõe as competências necessárias para o exercício profissional. Considerando princípios inerentes ao trabalho dos agentes como a interculturalidade, a intersetorialidade, as especificidades culturais dos sistemas de saúde indígena, a atenção diferenciada à saúde, a atenção primária à saúde, a promoção da saúde e a vigilância em saúde, foram definidas cinco competências, sendo uma delas comum para o AIS e AISAN e as demais distintas. O marco de orientação curricular destacou aspectos relevantes em relação ao plano do curso, requisitos de acesso, perfil de conclusão, estrutura curricular e organização de conteúdos. A segunda etapa de construção do programa de qualificação dos AIS e AISAN consistiu na produção do material didático-pedagógico. O objetivo deste trabalho é descrever a experiência de estruturação e organização do material didático-pedagógico do programa de qualificação dos AIS e AISAN a partir do marco de orientação curricular e do mapa de competências. DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA: A produção do material didático-pedagógico teve como referências o marco de orientação curricular que definiu os eixos estruturantes do programa baseados no processo de trabalho do AIS e sua articulação ensino-serviço e comunidade; nos princípios e diretrizes do SUS e nos princípios da atenção diferenciada à saúde dos povos indígenas. Este documento também organizou as competências em três áreas temáticas. Uma delas comum aos dois agentes, qual seja, a promoção da saúde no território indígena. As áreas temáticas específicas para o AIS são: processo de trabalho do agente; e ações de prevenção a doenças e agravos e recuperação da saúde. Para o AISAN são: prevenção e operacionalização de ações e procedimentos técnicos na área de saneamento; e processo de trabalho do AISAN. A produção de material didático-pedagógico envolveu diversos profissionais de diferentes instituições de ensino e formação, com experiência na saúde indígena e na formação de recursos humanos para o SUS, além de representantes das SESAI e SGTES. A equipe de trabalho se reuniu em 4 oficinas de 30 horas cada durante o segundo semestre de 2014 e adotou como proposta de trabalho a metodologia participativa. Nestes encontros foram discutidos os princípios pedagógicos do material e identificados os conceitos nucleadores que perpassam e agregam todas as áreas temáticas e conteúdos. RESULTADOS OU IMPACTOS:   Foram identificados como conceitos nucleadores do material: territorialidade, processo saúde-doença, vigilância em saúde, vulnerabilidade, dialogo intercultural, autocuidado / autoatenção, linha de cuidado integral e ciclo de vida. Estes conceitos foram discutidos e organizados em um tripé conceitual: território, vigilância em saúde e trabalho coletivo. O conceito de território foi entendido não apenas por uma área geográfica delimitada, mas também como local onde ocorrem as relações sociais, onde se organizam os processos produtivos, se estabelecem as relações políticas e se definem as expressões culturais. O conceito de vigilância em saúde foi destacado como modelo de assistência à saúde, caracterizando-se por um conjunto de ações, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção à saúde. O trabalho coletivo é entendido no contexto do trabalho da EMSI da qual o AIS e AISAN são membros. No processo de trabalho em equipe cada componente tem atribuições comuns e específicas e deve atuar de maneira integrada aos demais. Amadurecendo a discussão, o grupo considerou que o processo de trabalho é aquilo que  traz movimento e articula o tripé conceitual de território, vigilância em saúde e trabalho coletivo. Outra discussão importante na produção do material foi o delineamento dos recursos pedagógicos, destacou-se o caráter interativo e problematizador do material, utilizando os recursos de pesquisas de campo, desenhos para caracterização da realidade e do contexto cultural, textos de apoio seguidos de questões para debate em grupo, vídeos e relatos de experiência. Definiu-se também uma padronização de elementos textuais, para que os textos que compõe o material didático-pedagógico fossem escritos de forma clara, objetiva e que contemplassem não só aspectos técnicos, mas também aspectos socioculturais que estimulem a discussão sobre a realidade local. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A experiência aqui descrita foi elaborada a partir de uma ampla discussão sobre o processo de trabalho dos AIS e AISAN na qual foram identificadas diversas fragilidades, algumas delas decorrentes da falta de capacitação destes profissionais. No decorrer das oficinas, foram levantados inúmeros aspectos relevantes sobre a formação e sobre o processo de trabalho dos agentes, dentre eles destacam-se a necessidade de elevação da escolaridade e a construção de um itinerário formativo para AIS e AISAN. O programa de qualificação dos agentes pode ser uma primeira etapa do itinerário formativo dos agentes desde que haja uma ampla articulação entre as áreas de educação e saúde. O grande desafio enfrentado no processo de estruturação do material didático-pedagógico foi estruturá-lo de forma que ele pudesse fortalecer a atuação do AIS e AISAN em seu território, um espaço intercultural onde são produzidos os modos de viver e a saúde das pessoas, capacitá-los no modo de fazer saúde a partir da perspectiva da vigilância em saúde, e promover a construção coletiva do trabalho em saúde, onde os agentes sejam protagonistas e que consigam dar significado ao seu processo de trabalho. 

Palavras-chave


saúde indígena; agentes indígenas de saúde, agentes indígenas de saneamento; formação profissional em saúde.

Referências


BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em:<http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: set. 2013.

BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. 2ª edição, Brasília: Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde, 2002.

GARNELO, Luiza; ROCHA, Esron; PEITER, Paulo; SAMPAIO, Sully; SANTOS, Elciclei; PONTES, Ana Lucia; STAUFFER, Anakeila. Formação técnica de agente comunitário indígena de saúde: uma experiência em construção no Rio Negro. Trabalho, Educação e Saúde. Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 373-385, jul./out. 2009.