Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Educação Permanente em Saúde: relato de experiência em um Centro de Atenção Psicossocial de Volta Redonda-RJ
Gilmara da Costa Silva, Flávia Helena M. de A. Freire, Edna Candida Quintino

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


Este trabalho consiste em relatar experiências dentro da perspectiva da Educação Permanente em Saúde (EPS), em um Centro de Atenção Psicossocial do município de Volta Redonda-RJ, a partir do estágio de uma acadêmica de Psicologia da Universidade Federal Fluminense. A proposta de ações em EPS se deu com o projeto de intervenção de estágio e se constituiu em parceria direta com a coordenação do serviço, na perspectiva da indissociabilidade entre ensino e serviço. O presente trabalho se baseará na apresentação de duas experiências: a Tenda do Conto (dispositivo de compartilhamento e contação de histórias do mundo do trabalho no CAPS) e o seminário interno intitulado “Possibilidades e desafios do trabalho na ótica da Reforma Psiquiátrica”. Ressaltamos que a EPS está calcada na aposta de que o trabalho em saúde promove processos de aprendizagem significativa e consequente produção de conhecimento no cotidiano do trabalho em saúde. De acordo com Ceccim (2005), a EPS é o processo educativo que coloca o cotidiano do trabalho ou da formação em saúde em análise. Ela produz processos de autoanálise e auto-gestão na equipe. Cabe dizer que, a autoanálise corresponde à capacidade que os coletivos podem desenvolver de serem protagonistas dos seus próprios interesses. Este processo lhes permite refletir sobre suas próprias questões produzindo análise de implicação e simultaneamente auto-gestão, Baremblitt (2002). O objetivo deste trabalho está em proporcionar à equipe do CAPS espaços produtores de EPS, disparando reflexões no cotidiano do trabalho com saúde mental e no cuidado desenvolvido no serviço. A análise de implicação e a produção de protagonismo do trabalhador são conceitos-ferramenta chaves na maquinaria por uma aprendizagem significativa que se dá no dia-a-dia do serviço de saúde. Após um período de observação do processo de trabalho, a partir da inserção no estágio acadêmico, foi proposto à equipe que cada profissional compartilhasse uma experiência do serviço no CAPS que considerasse exitosa. O compartilhamento dessas experiências deu-se em formato de tenda do conto, que é um dispositivo utilizado em processos de EPS e consiste na montagem de um cenário específico com a exposição de objetos trazidos pelos participantes que produza significado no mundo do trabalho. Os objetos disparam contações de histórias, produzindo narrativas do mundo do trabalhado pelos profissionais do serviço. A tenda do conto automaticamente mobilizou a equipe na busca pelo objeto que desse sentido aos casos exitosos que seriam narrados. Pode-se dizer que a tenda começou no momento em que a proposta foi apresentada. A vivência da tenda foi realizada em uma manhã de reunião de equipe, composta por assistentes sociais, técnicas de enfermagem, cuidadora em saúde, psiquiatras, psicóloga, copeira, auxiliar de serviços gerais, assistente administrativo, coordenadora técnica (com formação em Psicologia). Várias experiências foram expostas, dentre elas: passeios em praia, evolução enquanto profissional, casos de usuários acumuladores de lixo, casos de usuários altamente delirantes, cartas de usuários, casos de desinstitucionalização com rápido resgate de cidadania, realização profissional, entre outros. Outra atividade potente em EPS foi realizada através do Seminário Interno promovido pelo CAPS. O Seminário Interno é um dispositivo usado pelo CAPS com o objetivo de se discutir questões relevantes para o trabalho. Tem o status de evento no serviço, é geralmente organizado pela equipe e pode contar com falas e conversas de pessoas que não fazem parte da equipe, por exemplo, professores universitários, estagiários, representantes do judiciário, de ONGs, profissionais de outros lugares, outros serviços da rede, etc., podendo também ser realizado fora do serviço, em outro espaço físico. Os seminários internos ocorrem no período de seis meses. O presente trabalho propõe colocar em análise essas atividades que produzem EPS no CAPS. A atividade-seminário foi desenvolvida em um dia inteiro de trabalho e contou com a participação de profissionais de outros serviços e setores para além da saúde. Como integrantes desse processo destacamos: equipe do CAPS, coordenação municipal de saúde mental, trabalhadores da Atenção Básica, conselho municipal de saúde, juiz da vara de família do município, e estagiários de psicologia da UFF. A montagem do seminário foi realizada pela equipe, com algumas parcerias na rede de saúde mental, e as atividades e apresentações, realizadas da mesma forma - pela equipe. O trabalho resultou em algumas conexões de rede, tais como:(I) integração com o Fórum, que se baseou na apresentação de parcerias que o CAPS pode fazer com o judiciário na perspectiva da Reforma Psiquiátrica; (II) reflexão pautada pela estagiária sobre a Reforma Psiquiátrica no Brasil e algumas experiências internacionais; (III) compartilhamento da experiência local de reforma psiquiátrica apresentada por uma trabalhadora da equipe do CAPS; (IV) Apontamentos acercados desafios e  possibilidades atuais da Reforma Psiquiátrica; (V) Reavaliação das atuais prioridades do CAPS e da equipe. O seminário foi encerrado com avaliação dos participantes definindo a vivência como: proveitosa, motivadora, satisfatória, de aperfeiçoamento, informativa, de aprendizagem, integradora, produtora de implicação, agregadora, emocionante, diferente e dinâmica. As duas experiências de EPS no serviço apontam para questões necessárias de se colocar em análise o modo de funcionamento do serviço e as apostas na produção do cuidado. Na tenda do conto, ao narrarem os casos a partir dos objetos, grande parte dos profissionais ressaltaram que o “êxito” dos casos era resultado de muito trabalho em equipe e em rede. Na maioria dos relatos também evidenciaram o lugar central que o usuário ocupou nas intervenções realizadas. É possível dizer que, o exercício de pensar casos exitosos, trouxe à memória dos profissionais casos que foram esquecidos diante dos atropelos do dia a dia de trabalho. A posteriori, os trabalhadores perceberam que existiam mais casos considerados exitosos do que imaginavam. A tenda foi também um momento de interação entre a equipe e ao mesmo tempo de análise do trabalho que realizam. No que se refere ao Seminário Interno, observamos que houve produção de protagonismo dos trabalhadores, compartilhamento dos saberes produzidos e localizados na própria equipe, produção de parcerias (com os representantes da atenção básica e o judiciário), produção de reflexão sobre o papel e o lugar do CAPS no processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil, assim como reflexões sobre as reformas em outros países. Vale ressaltar que as atividades relatadas contaram com a participação e engajamento direto da equipe. Foram atividades horizontalizadas e voltadas para a produção de conhecimento e experiências que a equipe pode produzir e dar continuidade. Foram ainda atividades de valorização do trabalho e do potencial da equipe na produção do cuidado em saúde mental. A aposta deste trabalho se dá continuamente como espaço fértil da equipe de potencializar reflexões do mundo do trabalho em coerência com a proposta da EPS. Refletir sobre seus agires no mundo do trabalho, e produzir transformação nas práticas em saúde, segue sendo o objetivo a ser alcançado na EPS. Pretende-se possibilitar ao trabalhador uma visão ampliada de sua prática diária, visando provocar uma reflexão crítica do cotidiano, de suas ações e do impacto das mesmas na vida do sujeito e no processo inovador no modo de cuidar e se relacionar socialmente proposto pela Reforma Psiquiátrica. Apostou-se, e ainda se aposta, que esse seja um dos caminhos de produção de militância no campo da saúde mental, militantes por um cuidado de qualidade, gratuito, universal e centrado no usuário do serviço. Militantes também por melhores condições de trabalho. 

Palavras-chave


Educação Permanente em Saúde; Trabalho em Saúde, processo de trabalho em saúde mental

Referências


Baremblitt, Gregorio F. (2002) Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática, 5ed., Belo Horizonte, MG: Instituto Felix Guattari(Biblioteca Instituto Félix Guattari;

Ceccim, Ricardo Burg. Educação Permanente em Saúde: desafio ambicioso e necessário. 2005, vol.9, n.16, pp. 161-168.