Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
DOCÊNCIA NA SAÚDE NO BRASIL: REFLEXÕES SOBRE UMA EXPERIÊNCIA FORMATIVA DE FORMADORES
Barbara E B Cabral, Dagmar Estermann Meyer, Emília Carvalho Leitão Biato, Jeane Félix, Ricardo Burg Ceccim, Simone Edi Chaves

Última alteração: 2015-10-27

Resumo


APRESENTAÇÃO: Apresentamos a experiência do Curso de Especialização em Docência na Saúde, fruto de parceria entre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o Ministério da Saúde (MS) (BRASIL, 2014), em processo de finalização. Direcionado a um público de professores de diversas universidades públicas e comunitárias no Brasil, além de profissionais dos serviços de saúde, tal proposta de pós-graduação lato sensu se situa em conformidade com as atuais políticas do governo brasileiro, em especial as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação em saúde (DCN); assumindo o objetivo geral de qualificar docentes da área da saúde para promover processos pedagógicos inovadores e criativos no ensino em saúde, sintonizados às necessidades sociais e de aprimoramento do sistema de saúde. Funda-se no reconhecimento da demanda de ampliação do pensamento crítico e ação estratégica na educação profissional em saúde, visando produzir, difundir e dinamizar processos de mudança, em estreita articulação com o Sistema Único de Saúde (SUS). DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: O Curso opera de forma radical com a indissociabilidade teoria/prática, que fundamenta a opção de investir em um processo de qualificação que se desenvolve sobretudo “no” e “por meio do” trabalho, inspirando-se na Educação Permanente em Saúde como modo pedagógico-político de colocar processos de trabalho docente e cotidianos reais de serviços de saúde na cena educativa universitária (CECCIM, 2005; CECCIM, PINHEIRO e MATOS, 2005). Inspirado em noções propostas por Ceccim e Feuerwerker (2004), o Curso abrange os complexos campos da “gestão da educação, integralidade do cuidado e ensino na saúde” em suas dimensões curriculares, éticas, epistemológicas e políticas, engendrando um processo formativo que intenciona formar novas gerações de formadores, mobilizados para o desenvolvimento de potências de criação e proposições diante da necessidade de mudanças na educação universitária na saúde, nas políticas e no funcionamento do sistema de saúde. A inscrição no processo seletivo para o curso ocorreu por meio de indicação de grupos de docentes/preceptores pelas universidades, mediante edital público, com a proposição de um projeto de intervenção coletivo envolvendo a realidade institucional. Organiza-se predominantemente na modalidade de educação a distância (EAD), via Plataforma Moodle, com garantia de alguns encontros presenciais nacionais e regionais. Compõe-se de períodos de concentração e dispersão, que visam fomentar a discussão e o aprofundamento crítico de leituras, o compartilhamento de experiências e a intervenção na realidade institucional de cada grupo, com acompanhamento tutorial a distância. O processo de ensino-aprendizagem assume caráter interativo, mediado nos ambientes virtuais por um orientador de aprendizagem e/ou tutor. O acompanhamento e a avaliação do desempenho dos cursistas envolvem os instrumentos de Metacognição Narrativa, Portfólio Reflexivo e Projeto de Intervenção. O instrumento da Metacognição Narrativa (ou Narrativa Docente) apresenta-se de modo horizontal no curso, atravessando todo o seu percurso sob a forma de uma escrita de si, que se expressa por meio de movimentos singulares do pensamento, materializados em textos que permitem múltiplos retornos, retomadas e configurações. O Portfólio Reflexivo contempla um componente de registro das aprendizagens, a partir das experiências vividas nos debates, nas atividades solicitadas pelo tutor ou atividades pactuadas pelo grupo tutorial, além de instrumentos memoriais de vida e trabalho, vivências na gestão, atenção e docência, tomadas para reflexão na perspectiva de se conciliar com a heterogeneidade do coletivo, sem abrir mão da singularidade. Já o Projeto de Intervenção tem caráter coletivo, apresentado por grupos de até 3 participantes de uma mesma Instituição de Ensino Superior (IES), representando plano de ação institucional de exercício da aprendizagem e compromisso institucional com a formação. A estrutura curricular do curso apresenta-se em eixos temáticos, que atravessam todo o percurso formativo, objetivando firmar o caráter interdisciplinar da prática pedagógica adotada. Portanto, não constituem uma ordem cronológica e nem demarcam conteúdos encerrados em si, caracterizando-se como “portas de entrada” e sendo referência à abordagem de tópicos relevantes à formação, com garantia de sua transversalidade. São quatro eixos estruturantes: I. Gestão educacional e protagonismo participativo no ensino e no trabalho em saúde; II. Currículo, inovações educacionais e prática docente em saúde; III. Docência e práticas de redes na gestão, atenção e participação em saúde e IV. O protagonismo docente diante dos compromissos da formação com o SUS. RESULTADOS E/OU IMPACTOS:Neste processo formativo, compreende-se a avaliação como parte do projeto pedagógico, acontecendo continuamente e permitindo identificar o desenvolvimento de cada especializando e grupos de especializandos. Essa avaliação tem se desdobrado em dois movimentos contínuos e interligados: a) avaliação do processo ensino-aprendizagem, com foco no especializando e no grupo de intervenção e b) avaliação do curso. A avaliação do processo ensino-aprendizagem fundamenta-se em uma noção de reflexividade, traduzida em produção de textos de diferentes tipos (portfólio individual, metacognição narrativa e Trabalho de Conclusão de Curso, que resulta da implementação do projeto de intervenção coletivo. Nestas produções, podem ser utilizados recursos diversos (incluindo as diversas formas de expressão artística), mas privilegia-se o trabalho com a narrativa escrita, marcada pela captura de histórias de vida, de percursos e experiências profissionais. Ao construir tais narrativas, ampliam-se espaços para que os participantes compreendam o sofrimento, o significado do processo saúde-doença, a necessidade de ampliar a autonomia dos sujeitos ante o cuidado e reflexão sobre estratégias de produção de saúde que considerem a realidade do outro e sua relação com serviços de saúde. Torna-se fundamental que os cursistas mobilizem um modo ampliado e próprio de pensar o processo educacional na saúde, considerando a pretensão de que os mesmos venham a manejar diferentes saberes e criar movimentos inéditos/ “inovadores” em sua atuação docente. Para a conclusão da formação, serão avaliadas as produções realizadas em cada um dos instrumentos de avaliação definidos, incluindo a apresentação dos resultados do projeto de intervenção, de caráter coletivo. Como indicado, estamos finalizando o curso, o que impossibilita uma avaliação integral dos resultados. CONSIDERAÇÕES FINAIS:Tal processo formativo ora em experimentação no país caracteriza-se pela ousadia, dada sua intenção de provocar e, sobretudo, instituir práticas pedagógicas inovadoras, que repercutam na formação dos graduandos. A matéria-prima de que se busca partir para a aprendizagem de novos modos de ensinar é o cotidiano da educação e do trabalho na saúde, em que se podem encontrar vias para uma formação profissional em saúde sintonizada com as dinâmicas e necessidades sociais com que se deparam os profissionais de saúde nas redes públicas. Apostamos que a avaliação desse processo e de cada um dos seus frutos, ao final, fornecerá balizas fundamentais para a proposição de outras estratégias voltadas para o desenvolvimento de capacidades que respondam de forma efetiva, criativa e inovadora às demandas de saúde, das políticas, do SUS e das práticas de saúde que absorverão os estudantes de graduação. O investimento de recurso público nesse tipo de curso, em um país como o Brasil, revela uma valorização da educação e da prática pedagógica como via de transformação da realidade política e social do país, o que nos investe – todas as 500 pessoas envolvidas, entre tutores, orientadores de aprendizagem, cursistas, apoiadores pedagógicos, coordenadores – de imensa responsabilidade com seus efeitos. Considera-se possível perceber que a experiência relatada está sendo desenvolvida de forma inovadora e, portanto, tem se configurado como um significativo desafio. Todavia, acreditamos no potencial dessa proposta no âmbito da (trans)formação de profissionais de saúde (docentes e profissionais em formação) no país.  

Palavras-chave


Gestão da Educação; Ensino na Saúde; Educação Permanente em Saúde; Integralidade; Sistema Único de Saúde

Referências


CECCIM, Ricardo; FEUERWERKER, Laura C. Macruz. Mudança na graduação das profissões de saúde sob o eixo da integralidade. Interface (Botucatu), v. 20, n. 5, p. 1400-1410 , 2004.

CECCIM, R. B. Educação permanente em saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface (Botucatu), Botucatu, v.9, n.16, p.161-168, fev. 2005.

MEYER, D. E. E. Abordagens pós-estruturalistas de pesquisa na interface educação, saúde e gênero: perspectiva metodológica. In: MEYER, D. E. ; PARAÍSO, M. A. (Org.). Metodologias de pesquisas pós-críticas em Educação. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2012.

CECCIM, R. B.; PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. (Orgs). Ensinar saúde: a integralidade e o SUS nos cursos de graduação na área da saúde. Rio de Janeiro: Abrasco, 2005.

CHAVES, Simone Edi. Os movimentos macropolíticos e micropolíticos: no ensino de graduação em Enfermagem. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 18, n. 49, p. 325-336, jun. 2014.Disponívelem:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832014000200325&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 14 jan. 2015.

CUNHA, M. I. Ensino como mediação da formação do professor universitário. In: MOROSINI, M. C. (Org.). Professor do ensino superior: identidade, docência e formação. Brasília: Ministério da Educação/INEP, 2000.

HOFFMAN, L. M. A.; KOIFMAN, L. O olhar supervisivo na perspectiva da ativação de processos de mudança. Physis, Rio de Janeiro, v. 23 , n. 2, p.573-587, 2013.

KOIFMAN, L. O modelo biomédico e a reformulação do currículo médico da Universidade Federal Fluminense. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p.49-69, mar./jun. 2001.

LARROSA BONDÍA, J. Linguagem e educação depois de babel. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

PERRENOUD, P. Formar professores em contextos sociais em mudança. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 12, p.6-21, set./dez. 1999.