Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Entre a chave e o cadeado: dobras sobre acesso e barreira na atenção à saúde da pessoa com câncer
Marcio Costa de Souza, Clara Oliveira Esteves, Nathália Silva Fontana Rosa, Raquel Miguel Rodrigues

Última alteração: 2015-11-27

Resumo


APRESENTAÇÃO: Este trabalho tem como proposta apresentar as reflexões iniciais sobre o acesso (chave) e barreira (cadeado) à rede de atenção à saúde da pessoa com câncer de uma macrorregião de saúde do estado da Bahia. Trata-se dos resultados parciais da pesquisa nacional: “Observatório Nacional da Produção de Cuidado em diferentes modalidades à luz do processo de implantação das Redes Temáticas de Atenção à Saúde no SUS: Avalia quem pede, quem faz e quem usa”, financiada pelo Ministério da Saúde. Este estudo situa-se no âmbito mais abrangente da pesquisa, que visa compreender a produção do cuidado nas diferentes redes de atenção à saúde em diversos municípios do país. Desta forma, neste estudo, tomaremos uma associação filantrópica de apoio à pessoa com câncer como "guia", categoria analítica que compõe a caixa de ferramentas da pesquisa. Esta pesquisa tem como objetivo analisar o acesso e as barreiras na atenção à saúde da pessoa com câncer no estado da Bahia. DESENVOLVIMENTO: A integração dos coletivos de trabalhadores e pesquisadores em uma proposta de pesquisa compartilhada, na aposta radical que todos são pesquisadores como protagonistas do agir cotidiano no mundo do trabalho em saúde, permite ao processo inúmeras possibilidades de dar visibilidade aos múltiplos mecanismos que fazem nasceremàs redes de cuidado efetivas em diversos pontos e os modos como elas se entrelaçam com as redes instituídas. Nesta direção, os pesquisadores foram construindo, ao longo dos últimos 06 meses, a aproximação com uma associação social filantrópica que apóia pessoas com câncer localizada num município-sede de uma macrorregião do estado da Bahia. Adotaremos aqui a expressão "associação-guia" pela força analisadora que esse lugar produziu para nos aproximar desta rede de cuidado. As conexões entre os  pesquisadores e as pessoas que habitam esse lugar (funcionários, voluntários, pacientes, familiares) foram iniciadas a partir de visitas programadas com a gestora responsável para apresentação e autorização da pesquisa. A produção desses espaços de conversa se deu em diversos locais da associação, desde observação na sala de espera; passando por rodas de conversas com funcionários e voluntários em locais formais (como consultório e sala da direção) e informais (como a cozinha, área de lazer para as crianças); participação de eventos promovidos pela instituição até entrevista com uma usuária (consentida em termo livre e esclarecido). A associação funciona como uma casa de apoio que oferta diferentes tipos de serviços: moradia e alimentação para aqueles que residem em outro município e precisam de deslocamentos para fazer o tratamento de câncer na Unidade de referência em Alta Complexidade (UNACON); entrega de cesta básica para aqueles que residem no município; doação de materiais como próteses, cadeira de rodas ou outros segundo a necessidade clínica. Além disso, os usuários têm à disposição uma psicóloga, que atua diariamente no turno matutino, uma assistente social, semanalmente, e uma assistência jurídica. Portanto, alguns analisadores foram desenvolvidos a partir destes encontros que serão discutidos como platôs, por terem sido momentos de intensidade na pesquisa, que não têm uma ordem de relevância, mas que, ao contrário, produzem interferências e conexões entre si. RESULTADOS: O primeiro platô que se visibilizou a partir da "associação-guia" foi o tema do diagnóstico, por meio da biópsia, como critério de acesso inicial para utilização dos serviços ofertados. Porém, a oferta pública oportuna dos exames necessários para a confirmação da doença se configura como uma barreira para boa parte dos usuários que buscam apoio na associação. Isso porque muitos enfrentam longos deslocamentos para chegar a este município e são geralmente originários de locais muito precários em termos de ofertas públicas de exames diagnósticos. Aqui podemos perceber a dobra chave-cadeado que o diagnóstico pode fabricar, além da reprodução do modelo hegemônico de utilização do diagnóstico como forma de acesso instituído na maioria das unidades de referência especializadas do nosso país. O segundo platô para a qual a associação nos guiou foi a questão da regionalização dos serviços desta rede. Ao analisar as regiões instituídas de saúde na Bahia e a distribuição de serviços relacionados a essa linha de cuidado, observa-se que há uma grande concentração de serviços na Capital do estado, Salvador, e em algumas cidades de grande porte. Desta forma, percebe-se um vazio assistencial importante na região central e oeste do estado, que dificulta o acesso dessas pessoas aos serviços de saúde. Esse cenário visibiliza ainda algumas distorções do próprio mecanismo de descentralização, ou da municipalização, assim como da própria ideia de regionalização, pois cidadãos de municípios da região oeste são obrigados a serem atendidos em Salvador, ainda que esta distância possa chegar a 880 Km. Logo, os processos de  pactuação do estado não consideram a menor distância a ser percorrida pelo cidadão, o que estabelece na própria construção do acesso uma barreira no cuidar da pessoa com câncer. Aqui a regionalização aparece como outra dobra chave-cadeado. O terceiro platô visibilizado foi o tema das redes "invisíveis", porém vivas, que são construídas nesse emaranhado. Como é o caso de uma criança que vivia a quase 800km deste município e que foi regulada para um hospital infantil de referência deste local. Após realizar o tratamento indicado de cirurgia e quimioterapia, não pode dar continuidade ao tratamento de radioterapia que deveria ser realizado na UNACON do município, pois sua região de origem está pactuada para outro município-sede. Desta forma, a criança e sua mãe buscaram na associação, além de um lugar de moradia, alguém que lhe fornecesse um endereço local por meio de uma conta de água ou procedimento para mudança de título de eleitor para conseguirem seguir no tratamento. Esta alternativa de acesso e orientação sobre a possibilidade da abertura deste cadeado foi indicada por um trabalhador do hospital em que a mesma fez o tratamento, ou seja, o mesmo serviço de saúde, que faz parte do sistema de regulação, é a chave e o cadeado. Existe neste processo uma relação em que a associação parece tencionar o acesso, enquanto o UNACON o racionaliza. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Tanto a associação, como os usuários, bem como os trabalhadores da UNACON estão nesse papel permanente de produção de rede, das muitas redes que atravessam o cuidado. Ela é atravessada e demandada pela rede “oficial”, na figura do UNACON, que também funciona como facilitadora de uma rede informal de acesso, pelas pessoas que chegam até as instituições e pelos profissionais que trabalham nessa rede. Tomando a "associação-guia" como analisador da rede de atenção à saúde da pessoa com câncer no estado da Bahia, percebemos que os processos de regionalização que se estabeleceram produziram uma série de entraves, que demandam dos usuários a produção das suas chaves de acesso. Entre a chave e a fechadura, entretanto, os usuários percorrem caminhos que tem em si uma quantidade de atravessamentos/conexões que podem abrir ou não o cadeado. Portanto, há de se repensar a fabricação das pactuações regionais que priorize a vida das pessoas e as possibilidades de produção de redes.  O que se percebe é uma produção de acordos baseados na oferta seletiva privada de tecnologias duras que pode ser operada em certa localidade.

Palavras-chave


rede de câncer; regionalização; redes vivas