Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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TUDO MUDA A PARTIR DO OLHAR
Laura Virgili Claro, Elinar Maria Stracke, Jessica Piuco, Sanandria Rodrigues Bachinski, Cristian Rosa Nilson, Sandra Lizania dos Santos Soares, Ana Terezinha de Lima Recart, Débora Schlotefeldt Siniak

Última alteração: 2015-11-27

Resumo


APRESENTAÇÃO: O campo das ações dirigidas a pessoas com transtorno mental vem sofrendo alterações desde o final da década de 70 quando surgiram os primeiros movimentos reformistas. A Reforma Psiquiátrica, a favor do movimento de reinauguração democrática, confluiu e atou-se ao processo da Reforma Sanitária. Foi no âmbito desse cenário que surgiram os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que atualmente se configuram como dispositivo estratégico para atenção dirigida ao portador de transtorno mental intenso e persistente, pautada nos princípios do SUS, voltada à inclusão social e orientada por uma perspectiva de clínica ampliada de base comunitária e territorial (Dombi-barbosaet al., 2009). As práticas realizadas nos CAPS, de uma forma geral, se caracterizam por ser um ambiente aberto, acolhedor e inserido na cidade, no bairro. Os projetos desses serviços, muitas vezes, ultrapassam a própria estrutura física, em busca da rede de suporte social potencializadora de suas ações, preocupando-se com o sujeito e sua singularidade, sua história, sua cultura e sua vida cotidiana (Brasil, 2004). Dentro deste contexto, o trabalho de interface com a arte e a cultura é amplamente reconhecido pelo potencial de transformação, desta forma, o componente cultural e artístico é essencial ao êxito do cuidado em saúde mental. A arte ou a atividade de base artística é tida pelos profissionais dos CAPS como um recurso na comunicação com o paciente, confirmando que o fazer artístico proporciona, de forma rápida e eficaz, pontes para a intersubjetividade, para um contato rico, íntimo e profundo, pois ela ajuda à expressão daquilo que mal se vislumbra, que é nebuloso, ou que é complexo e implica uma apreensão simultânea de várias facetas e níveis de significado. Ela permite a expressão de conteúdos que não respeitam a ordenação lógica e temporal da linguagem. A doença mental parece ser o congelamento da expressão. A loucura deixa o sujeito ancorado num silenciamento. Bloqueando o seu canal de expressão, o sujeito se sente desqualificado para falar e fazer-se compreender. Através da atividade de base artística, o indizível encontra um meio para sua manifestação. A expressão consiste em relacionar certos dados atuais ou presentes a objetos ocultos ou distantes, é uma maneira de exteriorizar pensamentos e sentimentos. A expressão, assim, é o conjunto de efeitos exteriores da consciência, efeitos que são sintomas de processos interiores ou sinais de estados psíquicos, sentimentos e emotivos (Tavares, 2003). O CAPSII Asas da Liberdade de Uruguaiana possui atualmente 479 usuários, iniciou suas atividades em 2004 e atende pessoas portadoras de transtornos mentais, possui uma equipe multiprofissional constituída por assistente social, educadora física, enfermeiras, técnicos em enfermagem, médico, nutricionista, artesãs, psicólogos, terapeuta ocupacional e oferecem aos usuários oficinas terapêuticas, atendimentos médicos, nutricionais e psicológicos, grupos, atendimentos familiares e visitas domiciliares como forma de promover a ressocialização e incentivar a autonomia dos pacientes através da cultura, lazer, arte e trabalho. Visualizou-se, assim, a fotografia como dispositivo ou recurso terapêutico, visto que o ato fotográfico seria uma forma de experimentar a vida, de investigar, torná-la mais veemente e mesmo de transformá-la. A arte, o ato de criar, a fotografia, bem como as várias formas de linguagem, que têm relação com o sintoma, são formas de se lidar com o vazio e com o sofrimento provocado pela dimensão trágica que, no âmbito da saúde mental, abarcam muitas vezes a existência (Francisquetti, 2005).  OBJETIVO: O presente trabalho pretende desvelar a importância da fotografia enquanto ferramenta terapêutica no cuidado às pessoas com transtornos mentais. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: Utilizou-se a fotografia digital para a captura de imagens e os cenários para as fotos externas foram utilizadas áreas públicas e privadas da cidade de Uruguaiana (Praça Barão do Rio Branco, Escola Livre de Belas Artes – ELBA e Tamandaré Iate Clube), ademais, foram capturadas cenas em um Parque de Diversão e no evento alusivo ao dia 18 de Maio (Dia da Luta Antimanicomial), os registros foram realizados em preto e branco tradicional. O trabalho foi desenvolvido por uma equipe composta por acadêmico em enfermagem, agentes sociais, artesã, nutricionista residente, terapeuta ocupacional, sanitarista e o apoio voluntário de um fotógrafo, os quais foram responsáveis pela escolha dos cenários para a captura de imagens e organização dos participantes nos dias de fotos. Levando em conta o cumprimento dos aspectos éticos, todos os participantes do projeto aceitaram participar voluntariamente das sessões de fotos e assinaram um Termo de Autorização de uso geral de Imagem, consentindo a utilização de sua imagem. RESULTADOS: Com a realização do projeto foi possível utilizar a fotografia como método terapêutico para os usuários, retratando as cenas cotidianas vivenciadas nos modos singulares de existência através da expressão de sentimentos durante a participação dos usuários nos cenários terapêuticos, onde possibilitou maior sociabilidade entre os usuários e a comunidade durante a captura de imagens externas nas áreas públicas fortalecendo a lógica de reconhecimento e que todos, temos um lugar no mundo. Sob este prisma, a fotografia parece contribuir para descobrir ou redescobrir o sentimento de reintegração, reinserção, de pertencimento a algum lugar e de fazer parte de uma história, tornando-se potente ao mostrar-se como possibilidade de auxiliar na formação da subjetividade, à medida que inaugura ou faz reviver o senso de existência (Mamede, 2006). Nesse sentido, através das fotografias, desencadeia-se outro modo de olhar o mundo, melhorando as possibilidades de apresentação de fatos, pessoas, objetos e acontecimentos. Esse é um exercício de liberdade que se apresenta de maneira muito positiva, que transforma meros atores do cotidiano em autores donos de suas próprias “verdades”. De alguma forma, a fotografia recupera o poder do olhar e, assim, proporciona certa apropriação do mundo. Com isso, um dos principais méritos da imagem fotográfica como instrumento terapêutico, em se tratando de saúde mental, é sua capacidade de oferecer e possibilitar uma reapropriação do olhar por parte daqueles que, muitas vezes, dele são vítimas (Freitas, 2012). Pode-se verificar que as sessões de fotografia promoveram maior integração social dos usuários, além de propiciar a manifestação de sentimentos, desenvolvimento de habilidades corporais e realização de atividades produtivas, tornando possível ainda, retratar cenas cotidianas vivenciadas nos modos singulares de existência por meio dos registros. Com a realização desse trabalho, o projeto foi convidado a participar da Feira do Livro da cidade, onde irá organizar uma mostra fotográfica e a equipe juntamente com os usuários irão selecionar as fotos para divulgação no evento, essa atividade irá fortalecer e potencializar a tomada de decisões dos participantes, uma vez que, eles mesmos participarão da escolha das fotos que farão parte da exposição fotográfica, o que irá promover a autonomia e responsabilidade dos usuários. Ao encontro disso, pensa-se que com a divulgação das fotografias a sociedade terá maior aproximação com os usuários, na medida em que, a exposição propiciará a reintegração social e a articulação junto à comunidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Por fim, pode-se visualizar que o projeto oportunizou a valorização do potencial criativo dos usuários. Dessa forma, é de grande relevância que se possa explorar e potencializar recursos que possibilitem uma prática em saúde mental orientada por princípios de autonomia, responsabilidade e inclusão social dos usuários portadores de transtornos mentais. Nesse sentindo, é essencial que novas práticas sejam (re)inventadas a cada dia e venham desconstruir os rótulos e estereótipos criados pela sociedade com relação aos usuários do CAPS. 

Palavras-chave


saúde mental; inclusão social; oficina terapêutica

Referências


Dombi-Barbosa, C; Neto, M.M.B; Fonseca, F.L; Tavares, C.M; Reis, A.O.A. CONDUTAS TERAPÊUTICAS DE ATENÇÃO ÀS FAMÍLIAS DA POPULAÇÃO INFANTOJUVENIL ATENDIDA NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL INFANTOJUVENIS (CAPSI) DO ESTADO DE SÃO PAULO. Rev Bras Crescimento Desenvolvimento Hum. 2009, vol.19, n.2, pp. 262-268.

 

Brasil. Ministério da Saúde. SAÚDE MENTAL NO SUS: OS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL. Brasília, 2004.

 

Tavares, C. M. M. O papel da arte nos centros de atenção psicossocial – CAPS. Rev. bras. enferm. 2003, vol.56, n.1, pp. 35-39.

 

Francisquetti, P. P. S. N. Nan Goldin – Imagens ao Infinito. In: Estados Gerais da

Psicanálise - IV Encontro Latino-Americano. São Paulo: 2005.

 

Freitas, A.C.H. A FOTOGRAFIA COMO RECURSO TERAPÊUTICO EM UM CAPS: A POSSIBILIDADE DE NOVOS OLHARES. 2012. 35f. Trabalho apresentado para a conclusão da Residência Integrada em Saúde, ênfase em Saúde Mental, Grupo Hospitalar Conceição.

 

Mamede, M. C. Cartas e Retratos: uma clínica em direção à ética. Curitiba: Altamira, 2006. 237p.