Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Trabalho em saúde: o outro lado da morte, o cuidado que produz vida
Amanda Rodrigues dos Santos, Flavia Helena Miranda de Araújo Freire

Última alteração: 2015-11-27

Resumo


O Serviço de Atenção Domiciliar (SAD) foi redefinido através da Portaria Nº 963, de 27 de Maio de 2013, como um serviço substitutivo ou complementar aos cuidados hospitalares de baixa e média complexidade, compondo a Rede de Urgência e Emergência, sendo complementar à Atenção Básica. Este trabalho é fruto da pesquisa intitulada Observatório Nacional da Produção de Cuidado em diferentes modalidades à luz do processo de implementação das Redes Temáticas de Atenção à Saúde no Sistema Único de Saúde: Avalia quem pede, quem faz e quem usa, compondo uma Rede de Avaliação Compartilhada (RAC), coordenada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). De abrangência nacional, diversas redes assistenciais estão sendo avaliadas no território nacional, envolvendo variadas universidades, dentre elas a Universidade Federal Fluminense (UFF) de Volta Redonda e o Serviço de Atenção Domiciliar do SUS de Volta Redonda. Esse trabalho refere-se ao campo da atenção domiciliar do município de Volta Redonda, bem como da experiência de estágio profissionalizante da graduação em psicologia na UFF, a partir da vivência no estágio na Equipe Sul do SAD de Volta Redonda/RJ. O serviço de atenção domiciliar deste município é constituído por duas equipes multidisciplinares que abrangem os dois distritos do município, sul e norte. A Rede de Avaliação Compartilhada se aproxima deste campo por pedido do Ministério da Saúde, em que o serviço de Volta Redonda chama atenção pelas suas características singulares na produção de cuidado, na relação da equipe com os familiares, entre outras. A pesquisa, que também produz interferência no cotidiano do serviço, tem como objetivo avaliar, em ato, a produção do cuidado em saúde, a organização e conexões com as redes de atenção a saúde, como também as inovações que este serviço oferece em relação ao cuidado. Entendida também como interferência, devido à sua metodologia e o convite de que os trabalhadores também são pesquisadores, ao construir uma pesquisa de avaliação qualitativa que se dá no encontro com  o cotidiano do trabalho. A tenda do conto, criada a partir de vivência com a atenção básica na rede de saúde do município de Natal-RN, é uma experiência e também uma ferramenta metodológica que lançamos mão na pesquisa, na produção do encontro com o SAD de Volta Redonda. A tenda é uma prática de grupo  que coloca em análise o cuidado em sua dimensão relacional, que dispara narrativas, produzindo contos, a partir de objetos levados pelos trabalhadores que  produzam significados da  sua inserção no mundo do trabalho do SAD. Os objetos disparam contações de histórias da vivência da equipe com a atenção domiciliar. Nesta pesquisa, o espaço da tenda tornou-se uma produção do conhecimento do outro na equipe, ampliando os olhares para a mesma. As reuniões de equipe são espaços utilizados como metodologia de avaliação, pois é o momento de encontro dos trabalhadores das duas equipes. Nesses encontros de reunião de equipe são produzidos também compartilhamento e discussão de casos, a fim de promover a construção coletiva dos Projetos Terapêuticos Singulares, em que se observou como este serviço vaza as suas esferas de serviços assistências de saúde, buscando ampliar o cuidado para outras instâncias como, Centros Regionais de Assistência Social, os Centros Regionais de Educação e Assistência Social e também as Associações de Moradores referentes aos bairros de cada usuário. A intersetorialidade se apresenta como uma proposta de trabalho na construção de rede de cuidado aos usuários. A pesquisa evidencia a partir da produção de narrativas provocadas pela experiência da tenda do conto e disparadas nas reuniões que sucederam uma disputa entre trabalhadores pelo melhor projeto de cuidado do usuário. Uma das singularidades do SAD de Volta Redonda é a implicação com o trabalho, e, por enquanto, entendemos essa disputa pelo olhar da sobre-implicação notada em alguns trabalhadores em suas narrativas durante a oficina da tenda do conto, revelando um cuidado centrado no usuário. O Serviço de Atenção Domiciliar do município de Volta Redonda, em especial a equipe referente ao distrito norte, tem como norteador do cuidado os princípios dos Cuidados Paliativos que a Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2002 definiu como: "Cuidados que  consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais." Durante os encontros da pesquisa, nota-se em algumas narrativas e também no protocolo utilizado nas visitas de luto, o surgimento de questões sobre a crença na vida após a morte, indicando uma proximidade com o espiritismo. Coloca-se em análise o que essa proximidade interfere no cuidado, uma vez que se percebe que tal aproximação não é unânime, e tornou-se um tema elegível para ser elaborado e discutido em equipe. A esse respeito, Clarice Lispector em seu livro "A hora da Estrela", produz sentido na literatura com o tema da morte e sua relação com a vida, ao narrar que:  "Só não inicio pelo fim que justificaria o começo - como a morte parece dizer sobre a vida - porque preciso registrar os  fatos antecedentes." Os achados que emergiram do campo vem apontando para um serviço que pulsa diferentes sensações para quem tem a oportunidade de experimentá-lo, numa mistura de cuidados em saúde, experiências relacionais com a equipe, o envolvimento da equipe com os usuários e familiares que se potencializa  pelo fato de ser na residência do paciente, construindo um cuidado e uma relação no espaço íntimo. Nota-se que há produção de vida mesmo quando o propósito são os cuidados paliativos, quando não há mais "possibilidades terapêuticas" que viabilizem a cura. A implicação com o trabalho possibilita a produção de vida, tornando-se um impulsionador e potencializador que essas duas equipes do SAD de Volta Redonda realizam. O olhar voltado para o usuário e não para a doença marca a integralidade decretada pelo Sistema Único de Saúde como também a humanização do cuidado em saúde. Esta pesquisa, portanto, evidencia um trabalho que aponta para as possibilidades e produções de vida na morte, aponta para um trabalho que se importa não com a doença exclusivamente, mas com a produção de mais vida construída a partir do cuidado relacional, no encontro entre trabalhador e usuário. Antes da morte ainda há muita vida, muitas histórias. Ao indagar sobre a morte em A Hora da Estrela, Clarice Lispector, parece nos mostrar que a morte pode não ser algo macabro, ou algo a se temer, é o encerramento. A pesquisa com essa equipe da atenção domiciliar nos apresenta isso, a morte pela via da vida.

Palavras-chave


Atenção Domiciliar; Cuidado; Trabalho em Saúde

Referências


BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria 963 de 27 de Maio de 2013.

LISPECTOR, C. A Hora da Estrela. Ed. Rocco. 1998