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A INTERAÇÃO ENSINO-SERVIÇO NA UBSF: A CRIAÇÃO COMPARTILHADA DO CUIDADO INTERFERINDO POSITIVAMENTE NA FORMAÇÃO
Última alteração: 2015-11-23
Resumo
APRESENTAÇÃO: o problema da queimadura e da obesidade grave, afetando auto-cuidado e qualidade de vida, serviu como modelo para demonstrar os resultados positivos do cuidado multidisciplinar, integração ensino-serviço e entrosamento entre equipe de referência e o Núcleo de Atenção à Saúde da Família (NASF) na Unidade Básica de Saúde da Família (UBSF) São Benedito. Trata-se de um relato de prática elaborado conjuntamente por acadêmicas da medicina e da fisioterapia, orientadas pelas profissionais da equipe de referência, sobre o cuidado de uma paciente de 45 anos, portadora de obesidade grave, que sofreu queimadura química acidental. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: no dia 22/03/2015, enquanto fazia sabão em sua casa, uma paciente da área de abrangência da UBSF São Benedito, apresentou crise convulsiva, entornando sobre si um balde de sabão caseiro, com conteúdo de alto potencial para queimadura: soda cáustica. A paciente foi encaminhada à Santa Casa com queimaduras de 2º e 3º grau, em região anterior de tronco, membros superiores e inferiores, totalizando aproximadamente 40% do corpo queimado. Teve alta médica três meses após a admissão, no dia 22/06/2015, tendo sido submetida a seis cirurgias, desenvolvido pneumonia nosocomial e tendo necessidade de permanecer no CTI por duas vezes somando 13 dias sob cuidados intensivos. A paciente já havia apresentado crises convulsivas na infância, e fazia uso de Fenobarbital de longa data, interrompendo o uso por conta própria, dois meses antes do acidente com soda cáustica. Fazia acompanhamento irregular na UBSF São Benedito, em esporádicas consultas e, além da epilepsia, era portadora de obesidade grave (IMC 56). O primeiro contato com a equipe foi na visita domiciliar do Agente Comunitário de Saúde (ACS) que comunicou o caso aos profissionais da UBSF. Realizou-se visita domiciliar pela Equipe de Saúde da Família (ESF) no dia 02/07/2015, estando presentes a médica da UBSF e as acadêmicas do 5º ano de Medicina inseridas no estágio da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e Região do Pantanal (UNIDERP). Durante a visita foram observadas as lesões importantes na pele, necessidade de curativos, e a dificuldade da paciente em fazê-los, bem como limpar a casa, pois a filha que assumiu seu cuidado teve um bebê e não pôde ajudá-la. Ficou então com o apoio da mãe, uma senhora idosa. A partir desse contato, foi solicitado avaliação e acompanhamento pelo NASF, no dia 07/07/2015. No contato inicial com as acadêmicas de fisioterapia, a queixa principal relatada pela usuária foi a impossibilidade de fazer a higiene pessoal e dependência para mudanças de postura e deslocamentos. Quase todas as vezes que as alunas chegavam para visita ela estava sentada em cadeira de fio e caminhava muito pouco, mesmo dentro de casa, permanecia deitada pela maior parte do tempo, por impossibilidade de levantar-se sem ajuda. Além disso, antes do acidente, a família tinha hábitos alimentares pouco saudáveis e era sedentária. Esses hábitos mantiveram-se, e agravaram a situação de saúde da usuária. Assim, a proposta de tratamento foi construída coletivamente e de acordo com as necessidades sentidas pela família. As acadêmicas da medicina orientaram sobre cuidados com a alimentação, sobretudo estimulando a perda de peso, e também sobre a correta higiene dos ferimentos, precaução de infecções, e informações sobre a necessidade do acompanhamento com o médico da UBSF e também com o ambulatório da Cirurgia Plástica. Também foi orientado o uso correto do fenobarbital. A ação das acadêmicas de fisioterapia foi orientar a execução de vários exercícios visando ganho de amplitude de movimento, força muscular e redução de peso. Através de algumas adaptações de móveis disponíveis na casa, foram encontradas formas de facilitar transferências e atividades cotidianas: os tapetes foram removidos e bancos foram inclusos como auxílio aos movimentos. A paciente foi ensinada a levantar-se do leito com apoio no armário e para a utilização do vaso sanitário foi realizado treino no local, com apoio das mãos na parede e um banco visando execução do movimento de abaixar-se e levantar-se. Foi indicada caminhada na parte externa da casa diariamente, acompanhada pela filha e o bebê. A filha a acompanhava até o portão e ela caminhava na calçada, por volta de três vezes na semana, por cerca de 15 minutos. Em todos os ajustes as acadêmicas demonstravam o movimento, ofereciam auxílio durante a execução, faziam várias repetições e verificavam o movimento sendo realizado sem ajuda, para a garantia da qualidade do exercício. Ao sair, deixavam orientações. A partir de quatro visitas, a paciente não precisava mais pedir ajuda para a filha para mudanças de postura e deslocamento, o que aumentou a autonomia e liberdade. A ação do NASF, nesse caso, não foi o de oferecer sessões de fisioterapia, mas de abordar paciente e família, acolhendo dificuldades e orientando modificações e exercícios que pudessem melhorar a qualidade de vida da paciente. Essa abordagem da equipe foi realizada no período de 12 semanas e as orientações deixadas pela equipe multiprofissional têm benefícios a curto, médio e longo prazo. A paciente mantém-se em acompanhamento, tanto pela ESF, quanto pelo NASF, porém a abordagem das acadêmicas de fisioterapia foi encerrada. RESULTADOS E IMPACTOS: a paciente mudou hábitos e aderiu à maioria das propostas da equipe do NASF, evoluiu com maior independência funcional nas atividades de vida diária e auxilia na limpeza da casa em pequenas atividades. A renda da paciente, decorrente da confecção do sabão caseiro e de peças de crochê está limitada, pois o sabão representa risco e embora tenha retomado o crochê, a capacidade da confecção das peças está reduzida pela aderência da articulação de ombro e cotovelo, decorrente de cirurgia do enxerto. Em fevereiro, após o processo de cicatrização ocorrer, fará nova cirurgia para a correção da aderência, sendo esperado o aumento da amplitude de movimento (ADM) e da funcionalidade. Pelo interesse demonstrado pela paciente em melhorar a sua qualidade de vida, acreditamos que as mudanças de estilo de vida orientadas, a realização de atividades físicas e mudanças de hábitos alimentares, sejam executadas, resultando na redução de peso, o que influencia em melhor mobilidade, autonomia, e aos poucos, retornar às atividades cotidianas, entre elas, o artesanato. Permanece, porém, a preocupação com a obesidade e, nessa questão, a família não aderiu completamente às propostas de mudança de alimentação para a família, o que dificulta o alcance desse objetivo, que é da equipe. A paciente ainda depende da ajuda para cozinhar. CONSIDERAÇÕES FINAIS: durante o processo de formação na área da saúde, os alunos são submetidos a estágios práticos, principalmente nos últimos anos de faculdade em serviços de saúde, incluindo as UBSF. Essa é uma via de mão dupla, na qual os acadêmicos tem a oportunidade do contato direto com a população e com os profissionais, e a população é beneficiada com o serviço prestado. A interação ensino-serviço traz um enorme benefício para a formação dos acadêmicos, tanto no âmbito profissional, aprimorando habilidades e competências, quanto no pessoal, pela vivência de acolhimento aos pacientes, troca de experiências, e convivência com a realidade e necessidade do outro. A estreita relação entre a equipe da UBSF São Benedito e o NASF é crucial para o seguimento das diferentes condições de adoecimento abordadas. Por fim, a paciente considerou-se beneficiada pela atividade conjunta, confirmando a importância da abordagem multidisciplinar.