Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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“RODA DE SABERES”: REFLEXÕES SOBRE UM DISPOSITIVO DE EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE
Felipe gargantini cardarelli

Última alteração: 2015-11-12

Resumo


APRESENTAÇÃO:O presente resumo tem como preocupação central caracterizar e refletir sobre as potencialidades e os limites da Roda de Saberes na formação de profissionais de saúde, suas bases conceituais e metodológicas e, assim, colaborar com outros processos de Educação Permanente. A Roda de Saberes foi concebida e desenvolvida como um dispositivo de Educação Permanente em Saúde, ou seja, uma forma de articulação entre os problemas enfrentados no cotidiano do trabalho pelos profissionais e suas necessidades de aprendizagem. Desta forma, este dispositivo pretendia promover transformações na prática profissional, na própria organização do trabalho e nas práticas de ensino, a partir das experiências, vivências e saberes dos profissionais (BRASIL, 2009).   DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO:De acordo com a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e ratificada pelo Brasil, em 2008, como emenda constitucional (Decreto Legislativo nº 186/2008 e 6959/2009), as pessoas com deficiência “têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas” (OMS, 2011). Ao buscar um novo paradigma de atenção à saúde da pessoa com deficiência intelectual, a SMS criou em 2010 o Programa Acompanhante da Saúde da Pessoa com Deficiência (APD). Executado pela parceira Associação Saúde da Família tem vinte equipes multiprofissionais distribuídas pelo Município e Integradas aos NIR e CER, é voltado para pessoas com deficiência intelectual em situação de fragilidade e vulnerabilidade, com o objetivo de favorecer a manutenção e fortalecimento dos vínculos familiares, aprimoramento do cuidado, prevenção de agravos, desenvolvimento de potencialidades, autonomia e, deste modo, evitar a institucionalização (SÃO PAULO, 2012). Ao ser contratado para supervisionar equipes do programa, este pesquisador buscou basear suas intervenções em formas democráticas de gestão em saúde para promovê-las e promover o trabalho em equipe interdisciplinar. Este pesquisador dedicou-se a desenvolver um papel que não se restringisse às ações de supervisão como fiscalização, mas que facilitasse a construção de espaços de reflexão, buscando favorecer a autonomia dos profissionais, catalisar processos democráticos e interdisciplinares de comunicação, de trabalho e de tomada de decisão e, por conseguinte potencializar suas capacidades intervenção (PEDUZZI; OLIVEIRA, 2009). Dessa forma foi criada, em 2010, a Roda de Saberes, objeto deste projeto de pesquisa, dispositivo de intervenção junto aos profissionais componentes das vinte equipes do Programa, acompanhantes e técnicos. O conceito de “Apoio Paidéia” de gestão em saúde apresentado por Campos (2003) serviu como inspiração e baliza ao pesquisador, no exercício da função de Supervisor Técnico em seus diferentes aspectos, em especial na construção da “Roda dos Saberes”. O Método Paideia de Campos evoca a ideia da Grécia clássica de desenvolvimento integral das pessoas. O método destina-se a Cogestão de coletivos organizados para a produção de valor de uso, ou seja, um método de gestão do trabalho, que tem como pressuposto a construção da democracia organizacional, e que tem como objetivo “aumentar capacidade de análise e intervenção” dos coletivos (2003). Roda de Saberes foi assim nomeado por seus componentes, inspirados nas experiências francesas de clubes. A sugestão veio após algumas participações de uma Psicóloga do Programa que estagiou em La Borde durante sua formação profissional. A Clínica La Borde, que foi criada em meados de 1950, na França, por Jean Oury e Félix Guattari. Lá a instituição psiquiátrica funciona até os dias atuais como uma comunidade aberta, autogerida, onde as decisões pelo coletivo e as divisões de trabalho seguem as preferências e as possibilidades de cada um por meio de dispositivos como o Clube dos Saberes (GUATTARI, 1992). Inspirado pelo Apoio Paidéia e pelo Clube do Saberes, este pesquisador, em conjunto com profissionais do Programa experimentaram construir um dispositivo de Educação Permanente de Trabalhadores onde a participação não é obrigatória, pelo entendimento de que há a necessidade do profissional desejar envolver-se no processo A frequência de acontecimento das Rodas é negociada, dependendo da possibilidade do mês, para que não afete o planejamento do serviço e não sobrecarregue os profissionais. Todas as decisões relacionadas às Rodas de Saberes são facilitadas por uma comissão ou Grupo de Trabalho (GT) eleito pelo coletivo e composto por profissionais com diferentes formações, integrantes das equipes, que também têm por função reforçar as Rodas nos seguintes sentidos: continuidade, democratização, organização, apropriação pelos profissionais e interlocução com as equipes. Com o termo “Roda” quer se referenciar no método Paideia, representando a dimensão estética da democratização e da abertura a que se propõem as Rodas de Saberes, entendendo que os saberes são plurais e múltiplos, como também postula Política Nacional de Educação Popular em Saúde (BRASIL, 2007). Com base em Freire (1978), esta diretriz entende que os saberes são desenvolvidos no trabalho, na vida social e na luta pela sobrevivência e é a partir do contexto concreto/vivido que se pode chegar ao contexto teórico. O conhecimento seria uma produção histórico-social dos sujeitos e procura incorporar os modos de sentir, pensar e agir do grupo, que assim subvertem a dominação e estabelecem o inédito viável (BRASIL, 2007). Assim, desenvolveu-se um Estudo de Caso cujo objeto é analisar o desenvolvimento da proposta da Roda de Saberes através de: Levantamento Bibliográfico; Levantamento e analise de documentos e registros; Identificação dos princípios facilitadores para a construção da Roda dos Saberes.RESULTADOS: No dispositivo foram pautados: Emprego Apoiado, Auto-Defensoria, Acompanhamento Terapêutico, Autismo, sexualidade, diferenças e semelhanças dos territórios em que atua discussão de casos, entre outros temas. Analisando o dispositivo identificou-se uma tecnologia institucional com potencial de resistência para produzir singularizações, modos de viver que escapam aos processos de captura das máquinas capitalistas de produção de subjetividade, diferente dos de modelagem e serialização da subjetividade que fazem com que funções e capacidades sejam utilizadas e docilizadas (GUATTARI, 1992). Foucault (1979) toma o conhecimento como intervenção, como possibilidade de criação de novos modos de existência, de subjetividade e de vida. Neste âmbito se travará um embate entre a dominação e exploração sobre a vida, o biopolítica[1] e poder da vida, a biopotencia[2]. É neste ultimo que se aposta na proposta da Roda dos Saberes, no poder de afetar e ser afetado e com isso se reinventar (PELBART, 2003).     CONSIDERAÇÕES FINAIS:Para Espinosa (1975) os afetos impregnam a existência humana, ocorrem simultaneamente no corpo e na mente e podem aumentar ou diminuir nossa potencia de agir. A potência é entendida como condição para tingir a liberdade, já que representa a possibilidade que cada indivíduo tem de ser, de se afirmar e de se expandir. Ao selecionar os encontros regula-se a variação de potencia de se perseverar em sua própria natureza, constituindo-se uma ética, em modos singulares de viver, que desafiam a moral dominante, que combate a servidão e da tirania. Busca-se nas Rodas de Saberes abertura, experimentação, flexibilidade e a troca de afetos em um processo que possibilite “(...) uma ‘revolução molecular’, quer dizer, de uma reinvenção permanente” (GUATTARI, 1992). [1] Biopolítica, forjado por Foucault, designa uma das formas de poder ou dominação sobre o corpo e a vida, uma forma de assujeitamento, vigente desde o Século XVII. (1979) [2] Segundo Pelbart, Biopotência é a força de vida da multidão, o poder comum de agir, a resposta à Biopolítica, também denominado biopoder (2003).

Palavras-chave


Pessoas com Deficiências; Deficiência Intelectual; Educação Permanente; Equipe Interdisciplinar de Saúde; Gestão em Saúde; Dispositivo.

Referências


BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Política Nacional para a Integração da Pessoa Deficiente. Brasília- DF, 2007.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto Nº 6.949, De 25 De Agosto De 2009. Brasília, DF, 2009.

CAMPOS, G.W.S. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec, 2003.

ESPINOSA, B. Ética, 3° ed.. Ed. ATENA. São Paulo, SP, 1957.

GUATTARI, F. Caosmose: um Novo Paradigma Estético. Editora 34. Rio de Janeiro, RJ, 1992.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Relatório Mundial Sobre Deficiência 2011. Tradução Lexius Serviços Linguísticos. São Paulo: SEDPcP,  2012.

PEDUZZI, M.; OLIVEIRA, M. A. C. Trabalho em equipe multiprofissional. In: MARTINS, M. A. (Org.). Clínica Médica. Barueri: Manole, v. 1, p. 171-178, 2009.

PELBART, Peter P. Vida Capital Ensaios De Biopolitica. São Paulo, SP: Ed. Iluminuras, 2003.

SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Saúde. Coordenação da Atenção Básica. Área da Saúde da Pessoa com Deficiência. Documento Norteador Programa Acompanhante da Saúde da Pessoa com Deficiência. 2012. Disponível em:

<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/arquivos/deficiencia/APD.pdf>. Acesso em: 03 de jan. de 2014.