Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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DILEMAS DO PROCESSO DE TRABALHO NA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA: vivências dos trabalhadores de saúde
MONICA OLIVEIRA RIOS, MARIA ANGELA ALVES DO NASCIMENTO, MAGNO CONCEIÇÃO DAS MERCES

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


APRESENTAÇÃO: No Brasil, o sistema de saúde com sua rede de atenção é constituído por um trabalho coletivo institucional, que se desenvolve com características do trabalho profissional e, também, da divisão parcelar ou pormenorizado do trabalho e da lógica taylorista de organização e gestão do trabalho. Frente a esta lógica, ainda, o setor saúde vem apresentando a racionalidade do trabalho, com características tais como as atividades cada vez mais especializadas e a alienação dos trabalhadores, os quais são ou não estimulados à reflexão para pensar em saúde numa visão também social. Na Estratégia de Saúde da Família (ESF), a sua equipe é formada basicamente pelo médico generalista ou de família, enfermeira, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde, com objetivo de prestar a assistência integral ao núcleo familiar, de forma contínua, com resolubilidade e qualidade, frente às necessidades de saúde da população adscrita. Para tanto, entendemos que a equipe de saúde da família deve discutir as necessidades de saúde dos usuários, a partir da multi e interdisciplinaridade, de forma a contemplar a troca de saberes e aplicabilidade coerente das práticas cotidianas de saúde. O presente estudo trata dos principais dilemas do cotidiano experenciados pela equipe de saúde da família para a resolubilidade na ESF. Assim, o objetivo geral do estudo é discutir os dilemas do processo de trabalho na ESF frente às vivências dos trabalhadores de saúde. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, resultado da dissertação de mestrado intitulada “PRODUÇÃO DO CUIDADO PARA RESOLUBILIDADE DA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA: saberes, práticas e dilemas do cotidiano”, desenvolvida no programa de pós-graduação e pesquisa da Universidade Estadual de Feira de Santana, mestrado profissional em Enfermagem. O campo de estudo foram as Unidades de Saúde da Família (USF) do município de Feira de Santana/BA. Os participantes deste estudo foram 17 subdivididos em dois grupos, sendo o grupo I: Trabalhadores de saúde da Estratégia de Saúde da Família (médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, cirurgião – dentista, auxiliar de saúde bucal, agente comunitário de saúde), e o grupo II: usuários dos serviços de saúde da Estratégia de Saúde da Família. As técnicas utilizadas para coleta de dados foram a entrevista semi – estruturada e a observação sistemática. O método de analise de dados selecionado foi a Análise de Conteúdo. Por representar um estudo envolvendo seres humanos, esta pesquisa se baseia na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, sendo o inicio do processo de coleta de dados após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética na Pesquisa da UEFS em julho de 2014. RESULTADOS: Dentre os principais achados no estudo destacamos que na rede pública de saúde é comum a fatídica realidade de carência profissional devido contratação insuficiente de trabalhadores para o cumprimento legal do exercício profissional, em conformidade com a demanda e com a oferta. Assim, no período que fizemos a observação notamos realmente a quantidade insuficiente de trabalhadores de enfermagem nas três unidades; duas delas com trabalhadores de atestado médico e férias trabalhistas, sem substitutas para o desempenho da sua prática.  Em outra USF observada havia um déficit de contratação de trabalhadores de enfermagem, o que levou a uma das técnicas de enfermagem à justaposição de atividades, ocasionando dificuldades na execução dos procedimentos de enfermagem. De fato, são vistas algumas dificuldades devido o número excessivo de famílias cadastradas, a contratação insuficiente de profissionais e as novas demandas de atividades da gestão municipal de saúde o que contribui para o acúmulo de atividades para a equipe de saúde da família que, por sua vez, frente aos frágeis vínculos empregatícios, omite sua insatisfação e não questiona o problema, assumindo assim todas as atividades e as executando muitas vezes, de forma inapropriada. Os problemas relacionados às questões de desvalorização profissional, incluindo baixos salários, sobrecarga de atividades e cobranças desnecessárias por parte da gestão, implicam diretamente no desempenho dos trabalhadores de saúde. Essa insatisfação dos trabalhadores de saúde foi por nós percebida, comprometendo inclusive, a resolubilidade da Produção do Cuidado na ESF, visto que suas demandas, por diversas vezes não são atendidas. Enfim, a desmotivação profissional dos trabalhadores de saúde limita a busca por melhorias no serviço e o atendimento integralmente às necessidades dos usuários. Outro importante resultado encontrado no estudo foi à constatação de distanciamento na relação entre gestores e trabalhadores de saúde, gestores e usuários. Não tivemos oportunidade, durante o período de coleta de presenciar os gestores nas unidades de saúde, enquanto apoio e colaboração com a equipe e comunidade. Porém, presenciamos alguns contatos pontuais entre trabalhador com o gestor via telefone, para resolução de problemas específicos das unidades. Muitos questionamentos de usuários na recepção das unidades falavam de responsabilidades relacionadas à gestão, como exemplo, a dúvida de muitos usuários no quantitativo das cotas para especialidades e procedimentos. Considerando - se as falas dos trabalhadores e dos usuários, assim como a observação, verificamos que, de fato, há um distanciamento, uma dificuldade de acesso a esses gestores, ou ate mesmo a não aproximação com os mesmos, visto sua ausência no cotidiano da ESF. Porém, defendemos que a atuação desses gestores não deveria apenas se limitar as ações burocráticas ou formais desempenhadas, em sua grande maioria, na própria Secretaria de Municipal de Saúde, limitando o contato destes com os usuários e os trabalhadores de saúde, na tentativa de criar vínculos e conhecer a realidade e as dificuldades na execução da Produção do Cuidado em busca da resolubilidade na Estratégia de Saúde da Família. Também verificamos durante a realização do estudo que nas agendas de atendimento dos trabalhadores de saúde, as atividades eram predominantemente as consultas definidos pelos Programas Ministeriais e poucos horários para atividades educativas. As raras atividades educativas desenvolvidas eram coordenadas e executadas apenas pelos trabalhadores de saúde do NASF. A justificativa dada à ausência da atuação da equipe de saúde foi “a falta de tempo”. Apenas em duas equipes observamos o agendamento prévio de reunião comunitária registrada nas agendas de marcação dos atendimentos.CONSIDERAÇÕES FINAIS: Em síntese, os dilemas do processo de trabalho na ESF a respeito da Produção do Cuidado em saúde foram caracterizados por ações programadas por grupos vulneráveis, pré-estabelecidos pelo Ministério da Saúde, atividades com foco nos procedimentos e tecnologias leve - duras e duras, e multidisciplinar, complementada pela atuação do NASF, porém sem interdisciplinaridade, o que limita o acesso desses usuários ao cuidado integral e qualificado. A relação distanciada, sem vínculo, entre gestores e usuários, e entre gestores e trabalhadores de saúde, dificultando a resolubilidade das demandas de saúde da comunidade.  As insatisfações salariais, sobrecarga de trabalho e justaposição de atividades também caracterizam dilemas vivenciados pelos trabalhadores de saúde, frente aos desafios na ESF para a resolubilidade dos problemas de saúde da comunidade. Sendo assim, destacamos então que o propósito do processo de trabalho na ESF requer tanto das equipes de saúde (trabalhadores) como dos demais participantes do processo, gestores e usuários, o compromisso com a resolubilidade na Produção do Cuidado, imbuído de autonomia, saber técnico e encorajamento para o enfrentamento das dificuldades, criando assim suas perspectivas para a redução da gigante demanda reprimida ou demanda de atenção à saúde da comunidade não resolvida pela ESF.

Palavras-chave


DILEMAS; PROCESSO DE TRABALHO; ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA

Referências


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