Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Mergulhos intensos de uma equipe da atenção básica na produção de cuidado e rede em situações de fragilidade e/ou vulnerabilidade
Magda Souza Chagas, Ana Lúcia Abrahão

Última alteração: 2015-10-30

Resumo


INTRODUÇÃO: A atenção básica tem passado por mudanças altamente significativas nos últimos anos no país e as mudanças incluem, para além do enfrentamento e tensão entre modelos de atenção, a construção de novas relações entre profissionais da saúde e usuários, o exercício da responsabilização do cuidado e vínculo com usuário ganham dimensão de experimentação diferenciada. Já não é suficiente apostar nas regras ou algoritmos de atendimento diante de usuários que nas ações pedem outra relação, pede outro agir de toda a equipe, diante da na não adesão aos tratamentos propostos, na resistência em situação de fragilidade e/ou vulnerabilidade em que o pedido de ajuda pode ser apenas comparecer para o atendimento. Sim a atenção básica expandiu a cobertura e agora é possível também olhar para a questão da qualidade da gestão e das práticas das equipes. O que as equipes de atenção básica tem produzido na construção de cuidado diferenciado, singular e com responsabilização é a estrutura central deste texto. Este trabalho é parte integrante da pesquisa Observatório Nacional da Produção de Cuidado em diferentes modalidades à luz do processo de implantação das Redes Temáticas de Atenção à Saúde no Sistema Único de Saúde: Avalia quem pede, quem faz e quem usa. Quem tem como tema a construção de uma rede nacional de pesquisa compartilhada Universidade-SUS para realizar pesquisa qualitativa sobre a produção do cuidado em diferentes modalidades à luz do processo de implantação das Redes Temáticas de Atenção à Saúde no Sistema Único de Saúde. A pesquisa foi aprovada no Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) sob o número do parecer: 876.385, em 18/11/2014.  OBJETIVOS: Acompanhar a produção do cuidado na equipe da atenção básica com foco nas Redes Temáticas de Atenção à Saúde. Descrever as experiências de invenções e/ou criações da própria equipe no estabelecimento de vínculo e cuidado com o usuário. Problematizar a construção de redes de assistência e criações de redes vivas de cuidado. METODOLOGIA: A metodologia definida para esta pesquisa foi a partir da observação participante (Minayo, 2010) em que adotamos como ferramenta de trabalho o diário de campo e entrevistas semiestruturadas, ao acompanhar equipes de saúde nos diferentes níveis de atenção, identificar com as mesmas usuárias-guia. Usuários-guia, aqueles que têm as características de um caso traçador do cuidado, os eixos ordenadores, aqueles usuários que circulam e atravessam as redes de cuidado e as estações de cuidado, que demandam muitas redes de cuidado e o tempo todo instigam as equipes para construção de modos de cuidar (Abrahão et al, 2014). Através deles caminhamos a partir das linhas de assistências estruturadas pelas portarias e seguimos caminhos que surgem, em movimentos cartográficos da produção de cuidado da própria equipe no lugar da invenção, do não dimensionado nas portarias; mas inclusive nas próprias redes-vivas que os próprios usuários vão construindo para eles tendo ou não a dimensão saúde como foco, mas que repercutem na mesma. Neste material o foco está nas produções e arranjos de uma equipe. A observação participante registrada no diário de campo e entrevistas semiestruturadas forneceram material que foi trabalhado e destacados pontos, analisadores e com eles realizamos apresentação/conversa com a equipe. Deste momento, que poderíamos chamar de “devolutiva”, quando a pesquisa dobra sobre a equipe e esta olha para a sua própria produção, temos outro momento em que a pesquisa passa a fazer sentido para os trabalhadores e o sentir-se sujeito da ação, sujeito do fazer o da sua própria produção ganha a superfície e eles reconhecem a potência em si. RESULTADOS: Os resultados apontam a intensidade no contato e invenções na construção de vínculo e responsabilização que os profissionais da equipe estabelecem, principalmente com usuários em situação de fragilidade ou vulnerabilidade, como gestantes usuárias de drogas, idosos que moram sozinhos, usuários da saúde mental em acompanhamento pós-crise, aqui incluídos os adolescentes e outros. Existe uma aposta na vida e não foi percebido movimento de fuga ou movimentos para evitar encontros. Pelo contrário, o mergulho que os profissionais fazem é intenso na relação com os usuários e é possível apontar a constante busca pela flexibilidade seja no horário para atendimento com os usuários e construção de arranjos possíveis junto aos mesmos; seja no tipo de oferta de cuidado que pode incluir aumento da frequência na unidade e criar agendas com diferentes profissionais na/para “ocupação do tempo” com oferta de cuidado; ou ainda seja no que poderíamos chamar de exercício de não julgamento moral; os profissionais fazem profundas experimentações com o outro e consigo inclusive na intensidade. A apresentação, melhor seria dizer o movimento de tornar visível para a própria equipe o que ela produz junto aos usuários, colocou na superfície dos profissionais sentimentos de reforço, identidade, valorização, “o que é feito e não percebido”. Como a fala de uma profissional: “Se eu posso falar de um momento de sucesso nessa vivência está sendo esse agora em que você nos fala para nós mesmos, do tipo construir identidade e ver que a minha equipe por mais que pareça que a gente não está conseguindo resolver nada, a gente conseguiu muita coisa que a gente não percebeu. Entendeu? Eu acho que este está sendo nosso primeiro fôlego depois do mergulho. (O primeiro respiro de verdade, completa outra). O primeiro respiro. O primeiro sucesso que eu pensava que eu não estava conseguindo. Que parecia impossível, que a gente está promovendo um cuidado que realmente é diferencial”. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Existe trabalho realizado para além da rede estabelecida nas portarias, existe construção de rede viva, de rede de afetos e cuidado. Por exemplo, com gestante e usuária de drogas que teve a guarda ameaçada, foi construída uma rede articulada com a instituição de atendimento à gestação de alto-risco, construção de rede de desejos e possibilidades na relação direta com gestante/puérpera na busca de entender, ofertar e participar do processo de “recuperação” dela, articulação com Conselho Tutelar e ainda ampla rede de afeto e cuidado envolvendo profissionais da equipe mais o NASF(Núcleo de Apoio à Saúde da Família) e deixando-se envolver com/na relação família. Poderia dizer que, pegando um pouco Merhy (2002, 2006) quando fala sobre tecnologia na saúde: dura, leve-dura e leve, poderíamos dizer que a equipe que acompanhamos opera tecnologia levíssima.

Palavras-chave


Atenção básica; Cuidado; Vulnerabilidade em Saúde; Saúde da Família

Referências


  1. Abrahão, Ana Lúcia ; Merhy, Emerson Elias ; Gomes, Maria. Paula. C.; Tallemberg, Claudia; Chagas, Magda de Souza ; Rocha, Mônica ; Santos, Nereida L.P.; Silva Erminia ; Vianna, Leila. O pesquisador in-mundo e o processo de produção de outras formas de investigação em saúde. In: Pesquisadores IN-MUNDO: um estudo da produção do acesso e barreira em saúde mental. (org.) Maria Paula Cerqueira Gomes e Emerson Merhy. Porto Alegre: Rede UNIDA, 2014.

  2. Merhy,E. Saúde: a cartografia do trabalho vivo.Ed.Hucitec, São Paulo,2002.

  3. Merhy,E e Onocko,R.(org.) Agir em Saúde:um desafio para o público.2ªedição, Hucitec, São Paulo,2006.

  4. Minayo, M.C.S.(org.) Pesquisa Social: Teoria, método e criatividade. 29ªedição, Petrópolis: Ed.Vozes, 2010.