Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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A PRODUÇÃO DO CUIDADO NA ATENÇÃO DOMICILIAR
Renato Staevie Baduy, Maria Lucia da Silva Lopes, Josiane Lima, Daniela De Re, Terezinha Campos, Francieli Rockenback, Vanessa Rosseto, Silvana Machiavelli, Rossana Baduy, Kathleen Cruz

Última alteração: 2015-10-30

Resumo


A pesquisa: “Observatório Nacional da Produção de Cuidado em diferentes modalidades à luz do processo de implantação das Redes Temáticas de Atenção à Saúde no Sistema Único de Saúde: Avalia quem pede, quem faz e quem usa”, acontece em nível nacional e é traduzida por meio de projetos qualitativos de investigação. No plano loco-regional sobre a produção do cuidado nessas redes, a atenção domiciliar vem sendo estudada em alguns municípios do país, dentre eles, em uma cidade do interior do Paraná que também aposta no “programa de assistência e internação domiciliar (PAID)”. Um dos caminhos metodológicos definidos para o estudo é o denominado: usuário-guia, traduzidos por aqueles que percorrem as redes de serviços de saúde para o atendimento às suas necessidades. Os acontecimentos que vivemos com os usuários e trabalhadores no cotidiano em diferentes pontos de atenção do serviço municipal nos colocaram em análise, e produziram novas visibilidades das redes. Neste cenário, com o objetivo de analisar a produção do cuidado na atenção domiciliar do município em questão, possibilitaram algumas análises que serão descritas a seguir. Inicialmente, destaca-se o alto investimento da gestão municipal no serviço do PAID que, em vários momentos, opera como ordenador do cuidado na rede. Por outro lado, há fragilidades na relação com a atenção básica (AB), especialmente quando o usuário recebe alta e passa a ser cuidado pelos trabalhadores locais. Como o município conta com 30% de cobertura da estratégia saúde da família (ESF), se esse ponto da rede formal não dá segmento ao cuidado, a equipe do PAID retoma, estabiliza, “fura” o protocolo se houver necessidade. Em algumas situações, os usuários podem ser readmitidos na Atenção Domiciliar (AD) por conta de fragilidades da AB. Nesta cena, há uma queixa de certa sobrecarga de trabalho, entretanto, a vida do usuário tem tanto significado para a equipe que “dar alta” é sempre produtor de angústia. Por outro lado, observamos que a maneira como os encaminhamentos estão sendo processados, sem uma transição adequada, sem a construção de apoio entre as equipes, sem um debate sobre a vida do usuário para além dos procedimentos e das questões biológicas, cria barreiras e não compartilha o cuidado, apenas o transfere. Como essas questões têm sido trazidas para cena como geradoras de disputas e tensão, há um movimento de ambas as equipes em produzir espaços de conversa, além da possibilidade do PAID ser apoiador da AB em situações específicas. Por sua vez, os cuidadores geralmente desejam manter o usuário vinculado a AD. Uma das razões é que os trabalhadores acolhem também a família, ou seja, é freqüente nas visitas os parentes próximos serem apoiados pela equipe, sem perder sua autonomia em relação a como o cuidado acontecerá. Outro fator é a possibilidade do serviço ser acionado a qualquer momento sem a necessidade de deslocamento, ou enfrentamento das barreiras de acesso instituídas nos demais pontos da rede. Outro limite da AD também passa por outros pontos da rede como os conselhos de assistência social ou tutelar, por exemplo. Por vezes, outras áreas são burocratizadas, rígidas e não conseguem responder as necessidades concretas no tempo adequado, agregando ainda mais sofrimento aos usuários. As atividades em campo com o usuário-guia dão visibilidade à responsabilização, ao vínculo e a centralidade do usuário no cuidado que a equipe do PAID produz. Também chama atenção a capacidade inventiva dos trabalhadores buscando resposta às necessidades singulares de cada usuário, fabricando no cotidiano novas ferramentas que só são construídas e utilizadas pela forma com que o processo de trabalho é organizado.  Outra faceta deste caleidoscópio é a produção de rede que a equipe do PAID fabrica no cotidiano. Questões como: é possível “furar” a rede formal? Como fazer para internar o usuário sem que ele precise acionar a unidade de pronto atendimento (UPA)? São constantes nas conversas do dia a dia. Entre as muitas afetações produzidas pelos encontros, a conformação dos trabalhadores ao se constituírem como coletiva é uma importante questão, formalmente, o PAID é organizado em equipes multiprofissionais de atenção domiciliar (EMAD) e de apoio (EMAP), entretanto, os trabalhadores desejam e fazem questão de enunciar que são uma equipe única e atuam em conjunto. Essa forma de operar pode ser observada a partir de questões simples como a disposição do ambiente de trabalho - todos compartilham a mesma mesa, organizam as visitas em parceria, discutem os casos ou fazem anotações em prontuários. São nesses encontros pautados nas tecnologias leves que os trabalhadores se fortalecem, criam novos arranjos, compartilham o trabalho, a vida e se constroem como coletivo que se afeta com o sofrimento do usuário, sua família e dos cuidadores, em especial. Este é um exemplo de que a produção de um coletivo não ocorre somente nos espaços formais de reunião, mas nas conexões estabelecidas diariamente em espaços informais, como o trajeto às casas dentro do carro. Nas visitas também se evidencia que há um borramento dos limites profissionais, existe um espaço comum de cuidado, uma vez que, no encontro com o usuário, os protocolos ou o “jeito certo de fazer” das profissões nem sempre têm efeitos. A equipe entra na casa das pessoas e é invadida por uma complexa trama de relações e um emaranhado de vivências para qual a formação, centrada na dimensão biológica dos núcleos profissionais, não prepara.  Cuidar no domicílio é adentrar a vida das pessoas, os conflitos, as disputas com outros pontos da rede de cuidados, o que exige uma caixa de ferramentas que extrapole as formas instituídas de cuidar e que produza redes vivas, ágeis, que se conectem e se rompam na cadência da demanda apresentada. Cabe também colocar que a forma de operar da pesquisa tem sido um dispositivo para produção de rodas de conversa e bons encontros entre pesquisadores, trabalhadores e gestores. O processamento das vivências com os “pacientes” tem disparado a reflexão sobre a potência e os limites da AD. Como a educação permanente em saúde (EPS) ainda não parece ser um processo instituído no município, os debates sobre o cuidado no cotidiano são incipientes e pontuais e a pesquisa tem possibilitado espaços de problematização do trabalho, a partir dos usuários. Há um desejo da equipe em produzir novas conexões com trabalhadores de outros municípios, na perspectiva de debater, conversar e disputar a construção de políticas que conversem com o cotidiano da AD que é, nesse momento, um lugar solitário, apesar da solidariedade dos trabalhadores, gestores e usuários implicados no processo.