Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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a Produção do cuidado na Atenção Básica à Saúde: controlar a vida / produzir a existência
Josiane Vivian Camargo de Lima, Ana Lucia Abrahão

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


Este trabalho é parte de uma tese de doutorado, traz uma análise da produção do cuidado na atenção Básica à Saúde (ABS) a partir dos encontros produzidos pelo usuário Juan nas estações de cuidado e também nas redes e locais que buscou para atender sua necessidade de saúde. A introdução debate a constituição da Atenção Básica à Saúde no Brasil e no município de estudo e problematiza a sua constituição a partir do modelo da Vigilância à Saúde e a ação da biopolitica no processo de produção do cuidado. Tem como eixo transversal que o objeto do trabalho do campo da saúde é o cuidado, o qual é produzido em ato e presidido pelas tecnologias leves. O estudo, pesquisa qualitativa, acontece em uma Unidade Básica de Saúde e toma parcialmente como referência o caminho metodológico construído na pesquisa em Saúde Mental Pesquisa Saúde Mental - acesso e barreira em uma complexa rede de cuidado: o caso de Campinas, Processo 575121/2008 4, CNPq, 2011, tendo como dispositivo metodológico o usuário guia. Os resultados foram obtidos de diversas fontes, sendo o acompanhamento dos movimentos produzidos pelo usuário guia norteador para as entrevistas semiestruturadas, análise documental, e observação da produção do cuidado, das reuniões e oficinas de educação permanente e as afecções da própria pesquisadora, produzidas pelas conversas nos carros e na rua, registradas no diário de campo. O presente estudo cumpriu os princípios éticos da Resolução no  196/96 do Conselho Nacional de Saúde sobre Pesquisa envolvendo seres humanos e foi submetido à apreciação do comitê de ética em pesquisa/CEP/HUCFF/FM/UFRJ e aprovado com parecer sob o número 124.904. A análise é apresentada em seis platôs. No primeiro Platô é discutida a construção do campo da pesquisa e as implicações da pesquisadora. O segundo Platô traz a narrativa da história de Juan e seus encontros com as estações de cuidado. No terceiro Platô são apresentados os arranjos utilizados na análise, a saber, o itinerário terapêutico, o fluxograma analisador do processo de trabalho, o diário de campo e o usuário guia. Arranjos de análise que permitiram identificar as diversas estações de cuidado percorridas pelo usuário, as unidades de produção e os nós críticos no processo de trabalho na unidade de saúde, como também as barreiras de acesso ao cuidado que são produzidas no interior do serviço. O usuário guia deu visibilidade às redes produzidas pelo usuário e equipe na produção do cuidado, e como o encontro da equipe com diferentes territórios existências do usuário potencializam o cuidado integral. Os outros Platôs discutem as diversas linhas de força que transversalizam a produção do cuidado na atenção básica: as disputas dos trabalhadores por seus projetos pessoais e concepção sobre o modo certo de produzir o cuidado na ABS e quanto o direito ou não à saúde. As ações programáticas à saúde como território da biopolitica que incide no fazer cotidiano e na construção das práticas. Produzir o cuidado na ABS é produzir redes, estabelecer conexões entre os trabalhadores das diferentes profissões, entre trabalhadores e usuários, familiares, com outras estações de cuidado, com outras instituições que atuam no território, redes que se fabricam, rompem e consertam-se, montam e desmontam, rasgam-se e se recompõe de formas diferentes com outros pontos de conexões, produção e desconstrução redes vivas o tempo todo, mas também navegar pelas redes formais, produzindo ou não atalhos quando elas não respondem as necessidades dos usuários. Mergulhar no mundo da produção do cuidado é mergulhar no mundo das redes e da multiplicidade, cuidado produzindo potencia. Mas também imergir no território atravessado pelas linhas de força de segmentarização do instituído pelo modelo biomédico; da assistência à doença e não do cuidado ao usuário, das regularidades, das repetições, do cumprir o protocolo como objeto das práticas, das muitas regras que definem para quem e como o cuidado deve ser produzido. O lugar dos fluxos que engessam. A Atenção Básica á saúde como território da biopolítica, das ações de promoção que ampliam a potencia das vidas, mas também território da promoção das cartilhas repletas de regras de como viver de forma saudável, que se olharmos bem de perto, talvez fique o saudável, mas aonde foi mesmo o viver? Foi possível também constatar a fragilidade das linhas que compõem as redes, que muitas vezes se rompem e então tudo se inicia novamente, ou não. A desterritorialização da equipe de Saúde da Família deu visibilidade a potencia que a descoberta de outros territórios existenciais, pôde produzir agenciamentos que permitiram a invenção de novas ferramentas para garantir que o cuidado aconteça e as necessidades sejam atendidas. Porém, deu também visibilidade a produção da barreira no interior do serviço; que quando o protocolo é utilizado como ferramenta, ele contribui para que o cuidado aconteça e a distorção como na imagem de um espelho, quando a regra de cumprir do protocolo a qualquer custo é a finalidade do trabalho, este funciona ou como barreira de acesso ou como elemento que dificulta e rompe o vínculo e a rede viva produzida pelos usuários e trabalhadores. Nos caminhos com o ACS Teri encontrei a Atenção Básica à Saúde do compromisso, da vontade de acertar, da indignação com o sofrimento do outro, como também da descontinuidade do cuidado que gera impotência e imobilidade no trabalhador. A descontinuidade que se dá tanto na micropolítica do trabalho onde os profissionais põem em disputa os seus projetos, sobre suas concepções de como devem operar no seu cotidiano, como pelos atravessamentos produzidos pelas restrições de contratação de pessoal as quais causam alta rotatividade de profissionais, que dificulta ou impede a formação de vínculo, constituição de coletivos, entre os membros da equipe como também entre os trabalhadores e usuários. Acredito ser importante apontar que no movimento de buscar: analisar, construir passagens possíveis de serem vistas, escutadas, sentidas e ouvidas sobre a produção do cuidado na atenção básica, produziu deslocamentos que não foram fáceis, pois tive que me haver com a minha aposta que tinha em relação ao cuidado na ABS e as relações da equipe com os usuários e desconstruir a imagem de que, as dificuldades da produção de um cuidado integral e a produção de barreiras estavam mais relacionadas o acesso a outros pontos da rede do que aos processos micropolíticos da produção do cuidado na unidade. Tinha a compreensão das disputas e seu impacto no cuidado, contudo tinha um julgamento moral produzido pelo raciocínio binário: comprometido/não comprometido, o que foi desterritorializado quando ficou visível a multiplicidade de todos e sua capacidade de produzir linhas de fuga ao instituído. Ainda restam muitos incômodos e questões sendo os causados pela tensão entre como produzir projetos terapêuticos singulares com a pressão da demanda que bate a porta cotidianamente nos serviços um dos que mais me pegam. Acredito que apostar em processos de análise que permitam deslocar o olhar para os vários mundos do usuário seja uma das pistas, a intercessão com o campo mostrou que a possibilidade de ter espaço para discussão de casos que vão para além do caso clínico e façam imersão na vida dos usuários pode ser um potente disparador de autoanálise na equipe e agenciar a produção de novos territórios existenciais nos membros nessa.  

Palavras-chave


Atenção Básica à Saúde; biopolitica; Cuidado a Saúde