Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Metodologia da Problematização: relato de uma experiência em Educação Permanente em Saúde
MILENE SANTIAGO NASCIMENTO

Última alteração: 2015-10-27

Resumo


APRESENTAÇÃO: Este trabalho pretende ilustrar, a partir do relato de experiência de uma psicóloga e trabalhadora da rede de saúde de um município da região sudeste, a construção do conceito de “governabilidade” com trabalhadores da rede de saúde e da assistência social em um município do norte do país, com população estimada em 272.726 habitantes (IBGE para o ano de 2015). A discussão sobre “governabilidade do trabalhador”, “construção de rede” e “ordenamento de rede” ocorreu durante uma semana, em uma atividade de 40h, mediada pela autora do relato, denominada de “Oficina de Atualização Profissional”. A atividade foi prevista por um edital do Ministério da Saúde, lançado no ano de 2013, que previa fomentar e financiar um processo de formação dos trabalhadores da Rede de Atenção Psicossocial. Objetiva-se com este trabalho: apresentar a metodologia utilizada pela mediadora da atividade, caracterizando-a como problematizadora da realidade; discutir o conceito de “governabilidade”; explanar sobre a dinâmica de construção intersetorial de um projeto de intervenção no município.   DESENVOLVIMENTO: A “Oficina de Atualização Profissional” foi parte integrante das ações de formação profissional da Rede de Atenção Psicossocial, de um edital do Ministério da Saúde, publicado em 2013. O alicerce das ações foi à troca de experiência profissional, sustentada pela Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (BRASIL, 2009), regulamentada pela Portaria GM/MS, nº 1996, de 20 de agosto de 2007. Ou seja, propunha-se pensar sobre a realidade dos municípios envolvidos no projeto. As ações previam a visita de 100 profissionais de redes visitantes ao município preceptor e a realização, por este de “Oficinas de Atualização Profissional” nos municípios visitantes. Neste trabalho, apresenta-se a experiência da oficina que ocorreu em uma capital da região norte do país, no mês de novembro de 2014. Optou-se por enfatizar essa oficina, pois nela ficou claro o processo de reacomodação de valores pessoais e profissionais, bem como uma intervenção direta na realidade. Outrossim, cabe ressaltar que o movimento foi resultado de um trabalho intersetorial e de implicação total dos participantes. Observou-se uma passagem de um estado de estagnação, de paralisia das práticas de gerenciamento do trabalho a um estado de total atividade dos profissionais, situando-o como os principais atores e gerentes de um processo de mudança no município. A oficina foi construída obedecendo alguns critérios apontados pelo Ministério da Saúde, porém, enfatizou, sobretudo, os problemas identificados no município. Tais problemas foram, em princípio, apontados pela gestão municipal, para que o planejamento da atividade fosse realizado. Buscou-se nas propostas da Metodologia da Problematização com o Arco de Maguerez (descrita por COLOMBO; BERBEL, 2007) fundamentos para a dinâmica de mediação da oficina. A metodologia da problematização se propõe a identificar os problemas da realidade, teorizar sobre os pontos-chave encontrados, levantar hipótese para solução dos mesmos e retornar à realidade, aplicando as propostas. Nesse sentido, o mais enriquecedor, foi observar o planejamento realizado a partir de dados oferecidos pela gestão municipal, sendo modificado com o envolvimento dos profissionais, que foram convidados a olhar para suas práticas cotidianas, para a rede onde estavam inseridos e identificar os pontos defasados. O grupo era composto por profissionais de nível médio e nível superior das redes de saúde e da assistência social. A rede de saúde estava representada por profissionais das Unidades de Pronto-Atendimento; saúde mental; Núcleos de Apoio à Saúde da Família; Estratégias de Saúde da Família; Hospital Geral e Maternidade. A rede da assistência social foi representada pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS); Centro Especializado de Assistência Social (CREAS) e unidades de acolhimento de menores. Interessante notar que se constituiu, naquela semana, a rede ampliada de cuidados ao cidadão, que percorre os serviços da saúde e da assistência social. Entre discussões de textos, casos, reflexões sobre o trabalho em equipe e o trabalho em rede, foram se delineando, pelos próprios profissionais os problemas daquela realidade, identificados como: inexistência de fluxo na rede; precariedade do trabalho em rede. Esses nós foram resumidos em duas perguntas: “como se dá o trabalho em rede?” “quem é o ordenador da rede?”. O atravessamento da oficina por essas questões se colocou como uma convocação aos profissionais: a implicação no processo de trabalho e de mudança. As reflexões mobilizaram o desejo daqueles trabalhadores, uma vez que os conceitos de “governabilidade”, “rede” e “ordenamento da rede” ganharam novo sentido. Ao ressignificarem suas experiências, os profissionais posicionaram-se como atores e gestores do próprio processo de trabalho e de mudança. Como assinalado por Franco e Merhy (2007), o funcionamento das unidades de saúde deve ser analisado a partir dos atores da ação, ou seja, são os trabalhadores que constroem seu cotidiano, edificando suas práticas e dinâmicas produtoras do cuidado. Assim, colocando-se como os principais atores da prática, assume-se a condição para alcançar a intersetorialidade. A mudança da passividade para a atividade retira os profissionais da condição de queixosos, daqueles que veem suas práticas de trabalho sob a ótica da defasagem, situando-os como atores de mudança. Foi deste ponto que surgiu o gás para o exercício final da semana, ou seja, a construção coletiva e intersetorial de um projeto de intervenção para o município. Divididos em seus serviços, os trabalhadores responderam às perguntas: “o que meu serviço espera da rede?” e “o que meu serviço pode oferecer à rede?” Em seguida, após apresentarem suas respostas ao grupo, pôde-se empreender um entrecruzamento das mesmas, desenhando o plano de ação, estabelecendo parcerias e compromissos dos serviços com a rede. Ao final, foi estabelecida uma comissão, constituída por um membro de cada componente da rede (atenção básica, urgência e emergência, saúde mental, atenção hospitalar e assistência social), responsável por conduzir o projeto adiante. A semana testemunhou um processo de mudança subjetiva e de prática profissional. A introjeção dos conceitos não ocorreu por uma aprendizagem passiva. Ao contrário, as atividades, ao se sustentarem nas experiências individuais, coletivas e na prática, permitiram a construção interna dos conceitos, de maneira ativa. RESULTADOS/IMPACTOS: A metodologia da problematização, colocada em prática na “Oficina de Atualização Profissional” levou a uma mudança de concepção dos trabalhadores, o que impactou diretamente no cuidado, enaltecendo a intersetorialidade. A oficina relatada foi à primeira de quatro outras, que ocorreram no ano de 2015. A experiência desta oficina orientou o planejamento e a mediação das demais, possibilitando a construção de quatro novos projetos de intervenção. A dinâmica da semana ativou processos internos fundamentais para ocuidar: afeto, encontro, movimento, empoderamento. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O fator responsável pelo reposicionamento dos profissionais foi o processo reflexivo disparado pelas perguntas: “como se constrói uma rede?” e “quem é o ordenador da rede?”. Ambas direcionam-se para o sujeito do trabalho, ou seja, o trabalhador. Estão sustentadas no conceito de governabilidade. Com a experiência, verificou-se que esta apenas pode ser desvelada por um processo que discuta a realidade, os afetos, a prática, considerando o conhecimento prévio de cada participante. Com essa experiência, desconstrói-se o modelo de formação profissional embasado numa dinâmica professor-aluno. Redireciona o aprendiz para o lugar de professor. Aloca a formação como uma via de mão dupla, onde acontece o ensinar e o aprender, enaltecendo o saber acadêmico e os saberes advindos a experiência de vida e da prática de trabalho, conformando um rico processo de aprendizagem significativa.  

Palavras-chave


governabildade; educação permanente em saúde; rede

Referências


BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE / Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde / Departamento de Gestão da Educação em Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Série B. Textos Básicos de Saúde Série Pactos pela Saúde 2006, v. 9. Brasília, DF: 2009. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_educacao_permanente_saude.pdf

COLOMBO, A. A.; BARBEL, N. A. N. A Metodologia da Problematização com o Arco de Maguerez e sua relação com os saberes de professores. Em: Semina: Ciênicas Sociais e Humanas. v. 28, n. 2. Londrina: jul./dez.2007.

FRANCO, Túlio Batista. MERHY, Emerson Elias. Mapas analíticos: um olhar sobre a organização e seus processos de trabalho. (2007). Disponível em: http://www.medicina.ufrj.br/micropolitica/textos/mapas_analiticos.pdf