Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
SUPERVISÃO CLÍNICO-INSTITUCIONAL: uma experiência de arte, afetos e criação
Daniele Tavares Alves, José   Jackson Coelho Sampaio, Pedro Alves de Araújo Filho, Vanessa Calixto Veras Sanca, Raimundo Severo Júnior

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


Este trabalho é um relato de experiência que tem como objetivo descrever o processo de supervisão clínico-institucional ocorrido durante o ano de 2012 em uma equipe de um CAPS geral no sertão do Ceará. A supervisão clínico-institucional tem uma história na política de saúde mental, principalmente nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), desde o início da reforma psiquiátrica. Foi formalmente instituída nos SUS em 2005 como instrumentos da gestão em saúde mental. É uma potente ferramenta de qualificação das equipes, de articulação do serviço com o território, de produção de dispositivos de cuidado psicossocial que não reproduzam o modelo asilar, dentre outros. O contexto dos serviços de saúde mental também constitui uma realidade de árduos desafios para os seus trabalhadores. Conflitos de interesses, de concepções e de saberes; jogos de poder; limites estruturais; problemas de gestão; vínculos trabalhistas fragilizados contribuem para os níveis de estresse, adoecimento e desgaste das equipes. É nesse difícil contexto que o supervisor irá atuar. Como facilitar a fala de profissionais na equipe? Como potencializar o estar junto? Como mobilizar a produção do cuidado em saúde? Como disparar na equipe uma práxis criativa? Foram alguns dos questionamentos feitos pela supervisora em sua atuação.  Este CAPS está localizado em um município que tem uma população estimada em 75.249 habitantes. Fica a uma distância de 350 km da capital e é composto por 13 distritos. De clima semiárido, tem a maior concentração da população na zona rural que tem como subsistência a agricultura, pecuária e o artesanato. O serviço foi inaugurado em dezembro de 1996 e em 2001 foi reinaugurado com as suas instalações físicas restauradas de acordo com as exigências do Ministério da Saúde. É referência também para cinco municípios vizinhos. Os encontros de supervisão aconteceram mensalmente neste serviço com uma carga horária de 8 horas cada. Participaram desta experiência os trabalhadores integrantes da equipe: psiquiatra; enfermeira; técnicas de enfermagem; agentes administrativos; auxiliar de farmácia; motorista; jardineiro; auxiliar de serviços gerais; psicóloga; farmacêutico; assistente social; psicopedagoga; guarda municipal; porteiro; terapeuta ocupacional e os alunos do curso técnico de enfermagem e o professor do curso. Os encontros foram divididos em momentos de discussão da organização do serviço, da articulação nas redes de atenção e da produção do cuidado de si e do outro.  Os encontros foram estruturados seguindo a metodologia que iniciou com uma acolhida que é o momento em que o grupo é convidado a partilhar como passaram o mês no serviço, quais as novidades e dificuldades enfrentadas nos processos de trabalho. Em seguida a etapa da discussão onde o grupo escolhe para aprofundamento algum assunto que surgiu a partir das falas. O próximo momento é o da experimentação estética onde são realizados experimentos que despertem o sensível dos trabalhadores. Na fase da transposição de linguagem ocorre a passagem de uma linguagem estética a outra na elaboração do vivido. O encontro finalizava com uma avaliação informal por meio da fala e/ou com questões sobre as contribuições da supervisão no âmbito pessoal, profissional e sugestões para as próximas supervisões.  Foi utilizado como diferentes linguagens estéticas a poesia, a escrita, o movimento, a pintura, a performance. A metodologia não tinha uma estruturação rígida e estava sempre aberta ao movimento do grupo. A cada encontro foi elaborado uma memória e enviada eletronicamente por email à equipe que discutia as estratégias necessárias para viabilizarem os encaminhamentos e/ou alterarem alguma informação presente na memória que não os contemplassem. A síntese dessa discussão era colocada pela equipe na próxima supervisão.   A equipe de profissionais que vivenciou esta experiência tinha disponibilidade e interesse pelo processo de supervisão o que facilitou a inserção da supervisora no campo. A necessidade de discutir, estruturar e iniciar o processo de apoio matricial e o sentimento de não valorização profissional foram duas questões que emergiram no primeiro momento.  Foi possível perceber que o interesse e disponibilidade apresentados apontavam para as dificuldades e incômodos no cotidiano destes profissionais e que pediam passagem ao status de palavra, de sentimentos e de sentidos. A equipe solicitou que a supervisão “cuidasse”, “trabalhasse” essas dificuldades e conflitos.  Foi pactuado com a equipe que nas supervisões teriam um espaço para o cuidado de si, onde algumas experiências, utilizando diferentes linguagens estéticas, seriam facilitadas. Os objetivos destas experiências seriam o de possibilitar a ampliação na percepção da equipe de si mesma e de sua práxis e a observação dos afetos provocados pela experiência.  A equipe diagnosticou a necessidade do início do apoio matricial, pois a não existência da aproximação entre CAPS e Atenção Básica ocasionava ao serviço encaminhamentos de demandas que poderiam ser resolvidas na própria unidade básica de saúde. A partir das discussões em supervisão, um plano de trabalho foi traçado pela equipe e desenvolvido em conjunto com os Postos de Saúde da Família. Outra dificuldade apontada pelos profissionais foi a de ofertar aos usuários do serviço CAPS o cuidado por meio de grupos terapêuticos. Diante desta dificuldade percebeu-se a importância de discutir nas supervisões os projetos terapêuticos dos usuários e o que o serviço estava ofertando como dispositivos de cuidado psicossocial? Diante destas reflexões a equipe foi saindo, juntamente com os usuários, para o território. Realizaram experiências de inserção dos usuários em ações culturais no território como, por exemplo, uma peça de teatro em comemoração ao dia 18 de maio, dia da Luta Antimanicomial.  O movimento do grupo em direção ao território e os experimentos propostos nos encontros de supervisão provocou no grupo uma necessidade de discussão sobre a importância da arte no contexto terapêutico. A integração da equipe, o início do apoio matricial, a oferta de grupos terapêuticos e as ações culturais no território da cidade foram os principais resultados alcançados e que apontam a supervisão como um dispositivo potente na produção: das ações de cuidado integral, de saberes e práticas e da capacidade de criação da equipe. A clínica dessa equipe foi se (des) anestesiando, pois se permitiram afetar, sentir, serem provocados a sair dos lugares conhecidos. Nesse crescimento, aprenderam a falar uns com os outros, a dialogar e o silêncio não mais os assustou e os paralisou. É possível falar de seus lugares, contribuindo com o seu saber específico e também falar junto enquanto equipe e profissionais da saúde. Exercitaram o olhar, a escuta e o cuidado consigo experimentando os reflexos destas experiências em suas práticas. Descobriram-se criativos, potentes, alegres e capazes de olhar de forma ampliada para si, para o outro e para a sua práxis. O dispositivo arte foi utilizado na mobilização dos afetos e produção de sentidos pelos participantes. E são esses sentidos que produzem saúde e vida apesar do adoecimento e das dores no cuidado psicossocial que visa cuidar sem excluir o sujeito de seus direitos, dos vínculos e dos afetos.     

Palavras-chave


Supervisão Clínico-Institucional;Centro de Atenção Psicossocial;Profissionais de saúde mental;Arte