Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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DIREITO À SAÚDE E POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: UM ESTUDO EM ARACAJU/SE
Rosane Souza Freitas, Ana Célia Goes Melo Soares, Rafael Gomes Ditterich, Wagner Mendonça de Morais, Marise Santos Cunha

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


A população em situação de rua é constantemente exposta aos riscos originados do próprio cenário urbano, o que a torna mais vulnerável e dificulta a efetivação dos seus direitos fundamentais. Por ser preconizado constitucionalmente, o presente estudo foca-se no direito à saúde dessas pessoas, uma vez que a mesma carece de um atendimento que respeite suas peculiaridades e as formas de sobrevivência na rua, que seja humanizado e resolutivo. A pesquisa teve como objetivo investigar sobre o acesso a saúde da população em situação de rua no município de Aracaju/SE, segundo percepções dos próprios usuários e de profissionais do Projeto Redução de Danos (PRD). No que tange aos serviços ofertados pela saúde para as pessoas em situação de rua, o citado município está em fase inicial de implantação do “consultório na rua”, sendo este dispositivo uma estratégia idealizada pelo Ministério da Saúde em 2012 para oferecer suporte de saúde a essa população. Sendo assim, visto que o referido serviço ainda está em processo de estruturação, o acesso à saúde dessa população em Aracaju/SE ainda acontece de diversas formas. Uma delas é por meio das estratégias executadas pelo PRD, vinculado a Secretaria Municipal de Saúde desta cidade, que tem como foco a defesa da vida e o compromisso ético-político com o indivíduo. Apesar das ações dos profissionais que compõem este projeto serem prioritariamente voltadas para usuários, dependentes e/ou pessoas expostas ao uso de drogas, o trabalho desenvolvido pelos redutores acontece principalmente por meio de abordagens nas ruas. Assim, as pessoas em situação de rua, por estarem nas vias públicas, são constantemente acessadas por eles. Este estudo tem como pressupostos a análise qualitativa e foi utilizada como instrumento de pesquisa a entrevista semiestruturada, bem como a observação participante. As entrevistas foram realizadas no período de janeiro e fevereiro de 2015 e desenvolvidas com os profissionais do PRD e com pessoas em situação de rua encontradas no Bairro Centro do referido município e na sua redondeza. Vale destacar que este bairro foi escolhido por apresentar alta prevalência de pessoas nessa circunstância, sendo tal fato identificado e exposto por redutores de danos responsáveis por esse território. Representando cada um desses grupos, houve a participação de 6 pessoas nas entrevistas, totalizando 12 indivíduos. Dentre os resultados obtidos referentes à categoria que reflete os objetivos do PRD e atuação junto às pessoas em situação de rua, é válido destacar que através da educação em saúde e do diálogo, os redutores de danos buscam fortalecer o vínculo com os usuários bem como proporcionar aos mesmos o acesso a informação. Em meio às principais ações realizadas por estes profissionais nas atividades de campo, é importante ressaltar algumas como: distribuição de preservativos, copos e luvas, além de outros insumos, quando há disponibilidade dos mesmos; encaminhamentos para serviços de saúde quando o usuário apresenta alguma demanda; encaminhamentos para serviços da assistência, judiciário, dentre outros; orientações diversas sobre cuidado com a saúde. No que tange mais especificamente a população de rua, além das ações desenvolvidas já mencionadas, algo muito recorrente são os encaminhamentos para tiragem de documentação. Deste modo, para que haja efetividade nas intervenções, é imprescindível que a responsabilidade seja compartilhada entre os distintos serviços e políticas. No que tange as dificuldades encontradas no desenvolvimento do trabalho, os profissionais do PRD enfatizaram a articulação da Rede de Atenção à Saúde, visto que o apoio conjunto é de suma importância e deve proporcionar, acima de tudo, um atendimento integral e universal ao indivíduo. De forma geral, a atuação dos profissionais do PRD influencia de forma significativa na vida das pessoas em situação de rua, o que reforça a necessidade da abordagem dos redutores de danos acontecer para além da saúde, uma vez que o foco deve ser dado ao indivíduo em sua amplitude. Sobre o acesso à saúde em geral da população em situação de rua entrevistada, o mesmo ainda não ocorre de maneira satisfatória. Fica nítido na maioria dos relatos que não há um cuidado contínuo da saúde, principalmente em relação à prevenção de agravos. Isto acontece muitas vezes devido a carência de acesso a informação, por considerarem banalidade frequentar os serviços de saúde; por terem sido destratados em atendimentos anteriores e não acreditarem na eficácia do SUS; por não terem condições financeiras para se deslocarem até os equipamentos; dentre outros motivos que levam as pessoas em situação de rua a terem um acesso à saúde limitado. De forma geral, os usuários costumam procurar os serviços de saúde normalmente em casos de urgência, como quando possuem ferimentos graves, necessitam de cirurgias, dentre outros procedimentos. Em relação aos serviços da atenção básica, os entrevistados relataram que frequentam esporadicamente em casos, por exemplo, de realização de curativos e atendimento clínico. Foi perceptível na fala dos usuários que quando os mesmos procuram a unidade de saúde de referência para essa população, localizada no centro da cidade de Aracaju/SE, o atendimento é mais resolutivo. Lá a equipe já está acostumada com o perfil das pessoas em situação de rua, havendo então flexibilidade de horários, bem como uma menor burocracia em relação à documentação. Entretanto, os usuários que relataram buscar outras unidades de saúde, o acesso muitas vezes foi negado. Desta forma, percebe-se a partir dos depoimentos destas pessoas, bem como dos redutores de danos, que de maneira geral há um despreparo dos profissionais das unidades de saúde para acolherem as pessoas em situação de rua. Tal fato acaba fragilizando a vinculação desta população com estes serviços. Logo, apesar das dificuldades apresentadas, o PRD possibilita mais efetivamente o acesso à saúde desta população. Isto foi notável pelos pesquisadores nas idas ao campo, visto que os usuários sempre eram muito receptivos e demonstravam satisfação no contato com os profissionais. Foi muito recorrente nos depoimentos dos usuários a valorização do diálogo com os redutores, em que reforçaram que o ato de ouvir, dar atenção, conversar com as pessoas, são ações de suma importância e que trazem qualidade de vida. Desta forma, por meio da vinculação com os redutores de danos, as pessoas em situação de rua se sentem mais valorizadas, mais humanas. Diante o exposto, é válido destacar que apesar da fragmentação do sistema e dos impasses existentes para a efetiva consolidação dos princípios do SUS, é importante que haja continuamente o fortalecimento e o empoderamento dos grupos e indivíduos para a luta e concretização dos seus direitos para além dos textos jurídicos. Por fim, a elaboração deste trabalho foi considerada de suma importância, pois possibilitou a inserção da temática da população em situação de rua nos espaços ampliados de formação, bem como estimulou a reflexão acerca dos desafios e da possibilidade de construção de novas estratégias para uma assistência a saúde mais integral e resolutiva.

Palavras-chave


População em situação de rua; Projeto Redução de Danos; Saúde.