Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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A “NOVA” CLASSE MÉDIA E A COMPRA SERVIÇOS PRIVADOS DE SAÚDE NO BRASIL
Ingrid D'avilla Freire Pereira, Jeni Vaitsman

Última alteração: 2015-10-30

Resumo


1. APRESENTAÇÃO E OBJETIVO: As relações entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e o subsistema privado – a partir das condições peculiares de seu desenvolvimento no Brasil – têm revelado as contradições para a efetivação do direito à saúde no Brasil. As tensões entre estes projetos se reafirmam a partir de 2003 com a eleição dos governos petistas e suas diretrizes de crescimento econômico, inclusão pelo consumo e ampliação de programas de transferência de renda condicionada para os mais pobres (PROGRAMA DE GOVERNO DILMA ROUSSEFF, 2014). Ao mesmo tempo em que é possível afirmar que entre os anos de 1992 e 2012 houve redução da pobreza (de 16,0% para 6,0%) e da pobreza extrema (de 8,0% para pouco mais de 3,0% da população) (IPEA, 2012; IPEA, 2013), mais recentemente a agudização das crises econômicas e política do país têm afetado a formalização do trabalho e o poder de compra (redução dos salários nominais e elevação das taxas de inflação). Faz parte desta dinâmica,  a construção do discurso sobre as aspirações das famílias brasileiras, especialmente das que compõem a “nova” classe média, com relação a compra de serviços de saúde. A compra de serviços de saúde por esta população seria uma aspiração? Quais fatores a mobilizam? Este discurso vem sendo induzido pelo governo? Quais as repercussões deste processo para a experiência da cidadania?   2. MATERIAL E MÉTODO:   O surgimento da “nova” classe média esteve, inicialmente, associado à possibilidade de compra de itens como computador, celular, carro, casa financiada crédito em geral e produtivo, contribuição previdenciária complementar, diploma universitário, escola privada, plano de saúde, seguro de vida e o mais expressivo de todos: a volta da carteira assinada (NERI, 2008). Entretanto, a constatação de que este segmento da classe trabalhadora alcançou o status de ascensão ao padrão de consumo moderno e de que ela representa o estrato predominante na sociedade brasileira não foi ser saudado com otimismo por diversos autores (POCHMANN, 2014; FLEURY, 2013; SOUZA, 2010). Este trabalho propõe a análise dos argumentos da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) – Secretaria vinculada à Presidência da República que vinha sistematizando pesquisas prioritárias para o governo em sua publicação oficial chamada “Vozes da Classe Média”.   Na primeira edição do exemplar a SAE afirma que a compra de serviços privados consiste em comportamento esperado, ou mesmo uma aspiração da nova classe média, equiparando a compra de serviços como saúde e educação à aquisição de bens duráveis (BRASIL, 2012).   3. RESULTADOS: O fenômeno de mobilidade social ascendente verificado na última década no Brasil ocorre simultaneamente à manutenção dos custos de vida elevados, bem como o acesso restrito a serviços públicos, que tem como consequência o crescimento expressivo dos mercados privados de serviços de saúde e de educação. De acordo com a primeira edição do Caderno Vozes da Classe Média, há uma demanda crescente por serviços privados de saúde na medida em que há elevação da renda das famílias. O percentual de pessoas com “plano de saúde particular na classe média (24%) é 4,5 vezes à correspondente porcentagem na classe baixa (5%), na classe alta essa porcentagem (65%) é apenas 2,7 vezes a correspondente porcentagem na classe média”. E conclui que no caso da saúde, o comportamento da “nova” classe média se assemelha muito mais à classe alta do que à classe baixa (SAE, 2012, p.33). Os argumentos da SAE para explicar a as razões pelas quais a “nova” classe média aspira à compra de serviços privados de saúde são: a)   maior disponibilidade de recursos financeiros;b) maior apreço pela maior qualidade oferecida por serviços privados; c) maior inadequação dos serviços oferecidos (pelo SUS) às necessidades dos mais pobres; e d) acesso compulsório mediante tendência das empresas ofertarem planos de saúde coletivos. Tais hipóteses demandam análise crítica que, neste trabalho, foi realizada a partir de revisão de literatura sobre classes sociais e sobre a relação público-privado nas políticas de saúde. O projeto dos governos petistas de ampliação do consumo das classes populares tem apresentado limites, seja do ponto de vista das garantias reduzidas da sustentabilidade do padrão de mobilidade social alcançado – o que fica ainda mais evidente nos contextos de crise – como também da prevalência dos gastos em saúde mantém as iniquidades sociais no acesso aos serviços de saúde. Apesar da definição do SUS como um sistema de acesso universal, a constituição de um projeto de consumo de serviços privados demonstra a hegemonia do setor privado com implicações para a efetivação da cidadania, o que se reafirma no fato de que as publicações analisadas equiparam a compra de serviços como saúde e educação pela NCM à aquisição de bens duráveis. A existência de altos gastos privados reflete a fragilidade e ambiguidade das políticas de saúde no Brasil. O fato das famílias no estrato mais baixo de renda concentrarem seus gastos em saúde na compra de medicamentos, com presença residual de gastos com seguro de saúde, atendimento ambulatorial especializado, atendimento odontológico e exames complementares evidencia a possibilidade de comprometimento da renda das famílias brasileiras (COSTA & VAITSMAN, 2014).     CONSIDERAÇÕES FINAIS: A sustentabilidade das mudanças alcançadas pela melhoria de renda tem ficado comprometida especialmente pela construção de um projeto inclusivo a partir do consumo. Em tempos de crise, como o SUS pode se constituir efetivamente como alternativa para a consolidação do direito à saúde? Do nosso ponto de vista, a continuidade do ciclo de inclusão e desenvolvimento social passa, necessariamente, pela ampliação das políticas públicas e pela efetivação do direito à saúde. Esta realidade pode contribuir ainda para a construção da solidariedade, componente estruturante dos sistemas de proteção social.    

Palavras-chave


nova classe média; Sistema Único de Saúde (SUS); relações entre o público e o privado.

Referências


REFERÊNCIAS

 

COSTA, N.R.; VAITSMAN, J. Universalization and Privatization: How Policy Analysis can Help Understand the Development of Brazil’s Health System. In: Journal of Comparative Policy Analysis,  Vol. 16, No. 5, 441–456, 2014.

 

FLEURY, Sonia. A Fabricação da Classe Média: projeto político para nova sociabilidade. In: Bartelt, Dawid Danilo (org.). A “Nova Classe Média” no Brasil como Conceito e Projeto Político. Dawid Danilo Bartelt (org). – Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2013.

 

IPEA. Comunicado Nº159. Duas décadas de desigualdade e pobreza no Brasil medidas pela Pnad/IBGE. 01 de outubro de 2013.

 

IPEA. Comunicado IPEA Nº 155. A Década Inclusiva (2001-2011): Desigualdade, Pobreza e Políticas de Renda. Brasília. 2012.

 

POCHMANN, Márcio. O mito da grande classe média: capitalismo e estrutura social. São Paulo: Boitempo, 2014.

 

PROGRAMA DE GOVERNO DILMA ROUSSEFF, 2014.

 

NERI, Marcelo (coord.). A nova classe média. Rio de Janeiro: FGV/IBRE/CPS, 2008.

 

SAE. Assuntos estratégicos, Social e Renda: É ouvindo a população que se constroem políticas públicas adequadas. Brasília: Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Edição: Marco Zero Brasília, 20 de setembro de 2012.

 

SOUZA, Jessé. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora? Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010.