Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Trabalho de curso supervisionado: um relato de experiência
JAINA LARISSA BASTOS COSTA DE OLIVEIRA, Lilian Koifman Koifman

Última alteração: 2015-10-27

Resumo


TRABALHO DE CURSO SUPERVISIONADO: um relato de experiência Este relato é fruto das atividades e reflexões desenvolvidas na disciplina TCS1 (Trabalho de curso supervisionado) com a turma de primeiro semestre de 2015 do curso de medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF). Também fez parte do estágio de docência realizado pela mestranda do curso de pós-graduação em Saúde Coletiva da UFF. A DISCIPLINA TEM COMO OBJETIVOS: caracterização dos cenários, nos níveis local e municipal; promover experiências com trabalho de grupos; promover o cuidar, destacando as dimensões humanas, culturais, sociais e políticas; observar como a integralidade é desenvolvida no campo, no cotidiano, com saberes e práticas do cuidado. Buscando responder também à resolução CNE/CES nº4, de 2001 que destaca as habilidades e competências, indicando mudanças na formação médica e estabelece que o médico deva ter formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado para atuar nos diferentes níveis de atenção, com ação de promoção, prevenção, recuperação à saúde, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano. A disciplina TCS1 tem como metodologia a divisão dos 80 alunos do primeiro semestre do curso, em grupos de aproximadamente 12 alunos, que abordam diferentes temas presentes na sociedade. O relato de experiência se refere ao grupo que trabalhou com o tema da AIDS. A metodologia do estágio de docência foi estruturada da seguinte forma: acompanhar os alunos nas atividades de campo, discutir criticamente os temas abordados em sala de aula e estimular a reflexão crítica sobre a formação em medicina, relacionando com os temas da AIDS, abordado em sala de aula. Além de fomentar o cumprimento dos objetivos da disciplina. Serão descritas três atividades de campo desenvolvidas na disciplina e as reflexões críticas proporcionadas por estas. Destaca-se que visitas foram realizadas às instituições na cidade de Niterói e Rio de Janeiro. Mas também foram desenvolvidas atividades em sala de aula, com a discussão de textos e filmes que abordavam o tema da AIDS. A partir das visitas e atividades em sala, os alunos produziram relatórios e resenhas. A primeira atividade teve a participação de uma psicóloga, que trabalha com pacientes HIV positivos. Foram debatidos com os alunos aspectos sobre o diagnóstico e o direito de ser mãe mesmo com o diagnóstico de AIDS.  Reflexões surgiram em torno da transmissão vertical e da negociação com a equipe de saúde para uma gravidez acompanhada. A experiência da psicóloga proporcionou que os alunos desconstruíssem que não seria possível engravidar com esse diagnóstico. Porém a psicóloga apontou que é possível e chamou atenção para importância da negociação, pois quando esta não ocorre, a gravidez ocorre, mas sem um acompanhamento que evite a transmissão vertical. Essa reflexão proporcionou que todos pudessem ponderar sobre o compromisso do profissional médico com a população, o lugar do preconceito na sociedade, o respeito às decisões do outro, a importância de escutar e negociar. Na segunda atividade desenvolvida no hospital da UERJ, com um grupo de mulheres que convivem com AIDS, foram compartilhadas perspectivas do viver, como: insegurança com relação à divulgação do diagnóstico/medo do estigma; transmissão do vírus e outros aspectos. O debate da transmissão vertical foi impulsionado pelo filme anjos de uma asa só, após a apresentação do filme, foi possível debater as formas de transmissão e o impacto na vida das pessoas. Os relatos, do filme e do grupo de mulheres possibilitaram que os alunos percebessem como cada caso é um caso. E como o preconceito pode inviabilizar uma relação entre médico e paciente. O grupo de mulheres cobrou delicadeza dos alunos, futuros médicos. Delicadeza para criar vínculo, para escutar, para prescrever, nas ações de saúde. A terceira atividade da disciplina, também mobilizou os alunos e foi uma aula com um professor da UERJ. A aula abordava a sexualidade, com foco nos homens e mulheres trans. Foi enfatizada a necessidade de acolher as pessoas que chegam ao consultório querendo realizar cirurgia de mudança de sexo, assim como, dialogar sobre as expectativas e ponderar as melhores técnicas disponíveis e demais aspectos que envolvem o processo de mudança de sexo. Os alunos ficaram mobilizados por ser, para maioria deles, um tema novo e que exige habilidade do médico para discutir cada aspecto da cirurgia de mudança de sexo, sendo que estes se vinculam com fatores psíquicos, sociais e culturais. COMO RESULTADOS FOI POSSÍVEL PERCEBER QUE OS ALUNOS: puderam reformular conceitos e desconstruir preconceitos; identificaram a importância de ouvir e acolher; tiveram aproximação com situações que podem se deparar na prática, como: dar diagnósticos difíceis ou ponderar aspectos sobre a cirurgia de mudança de sexo, transmissão vertical dentre outros. Sobre a produção escrita dos alunos, destaca-se que esse é um exercício importante por sistematizar as discussões e reflexões, além de instigar a articulação com a teoria. Verificou-se nos relatórios e resenhas, desconstruções e construções proporcionadas pela disciplina. Alguns alunos tiveram dificuldades em articular o texto “Sete considerações sobre a saúde e cultura” de Gastão Wagner com a implicação na formação médica. O texto considera a cultura como elemento importante na saúde das pessoas. Descreve como a cultura atual está relacionada a características da microbiologia, como a ciência foi colocada como lugar de legitimidade em oposição a outros saberes e a implicação disso na sociedade, o texto exemplifica a revolta da vacina, a falta de diálogo com a população, a imposição de um saber, pelo “bem maior”, que teve como conseqüência uma revolta.  Chamou à atenção, na discussão em sala, sobre o papel da cultura e como esta tem peso no processo de saúde, doença e cuidado. Alguns alunos conseguiram articular que a forma como a população lida com o processo de saúde ou doença e cuidado está relacionada à cultura, no entanto, alguns tiveram dificuldade em articular a cultura com a formação médica e perguntaram “o que esse texto tem haver com a formação em medicina?” Apesar do rico debate em sala, sobre cultura, comportamento, saúde e outros aspectos, como ouvir e acolher, ficou claro que as atividades de campo, com os diversos diálogos com a população, os diferentes relatos de experiência e as visitas que potencializaram a relação sobre o papel que a cultura tem na formação médica. Como esta sofre e é influenciada pela cultura. Foi escutando as pessoas falarem sobre conviver com a AIDS, lidar com preconceito, negociar com o parceiro o uso de preservativos e outros aspectos que possibilitaram aos alunos compreenderem a articulação teórica e prática da disciplina. E como a cultura é transversal nesse processo. Destacando a relevância de respeitar e compartilhar conhecimentos. Participar desse estágio foi uma experiência rica, as atividades práticas proporcionariam conexões intensas, porque tocaram os alunos na subjetividade. E esta superou a expectativa por proporcionar transformações internas, descritas nas resenhas e relatórios, pela aproximação com temas que eles antes não tinham pensado que poderiam se deparar na profissão médica e que puderam vivenciar nas atividades de campo. Espera-se que os alunos agreguem esses conhecimentos na sua prática, acolhendo e ouvindo a população. 

Palavras-chave


relato de experiência; medicina; aids, trabalho de campo

Referências


UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE. Currículo Pleno do Curso de Medicina da UFF. Niterói: UFF, 1992.

BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES Nº04/2001. Diretrizes Curriculares Nacionaisdo Curso de Graduação em Medicina. Diário Oficial da Uniã, Brasília, 9 de Novembro de 2001, seção 1, p.38.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº198/GM/MS.Brasília. Ministério da Saúde, 2004.

OLIVEIRA, GILSON SAIPPA; KOIFMAN, LILIAN; MARINS, JOÃO JOSÉ NEVES.  A busca da integralidade nas práticas de Saúde e a diversificação dos cenários de aprendizagem. o direcionamento do curso de medicina da UFF. In: PINHEIRO, R.; MATTOS,R. A. (Orgs.). Cuidado: as fronteiras da integralidade.Rio de Janeiro-São Paulo:HUCITEC-IMS-UERJ-ABRASCO, 2004. p307-319.

OLIVEIRA, GILSON SAIPPA; KOIFMAN, LILIAN; PONTES, ANA LÚCIA DE MOURA. AS Agendas Públicas para as Reformas e sua releitura no cotidiano das práticas da formação: o caso da Disciplina Trabalho de Campo Supervisionado. In: PINHEIRO, R.; MATTOS,R. A. (Orgs.).Construção Social da Demanda. Direito à Saúde. Trabalho em equipe. participação e espaços públicos. Rio de Janeiro: IMS/UERJ-CEPES-ABRASCO,2005. p.129-145.