Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Para além da Regionalização: ensaio cartográfico das Regiões-Vivas de Saúde na Bahia
Nathália Silva Fontana Rosa, Raquel Miguel Rodrigues, Marcio Costa de Souza, Clara Oliveira Esteves

Última alteração: 2015-10-30

Resumo


APRESENTAÇÃO: Este resumo tem como proposta apresentar o percurso inicial da pesquisa nacional “Observatório Nacional da Produção de Cuidado em diferentes modalidades à luz do processo de implantação das Redes Temáticas de Atenção à Saúde no SUS: Avalia quem pede, quem faz e quem usa”, financiada pelo Ministério da Saúde, tomando como dispositivo as redes de produção do cuidado produzidas por usuários e trabalhadores para se pensar o processo de regionalização de redes de atenção à saúde instituídas no estado da Bahia. Este estudo situa-se no âmbito mais abrangente da pesquisa, que visa compreender a produção do cuidado nas diferentes redes de atenção à saúde, entendendo os serviços, municípios, gestores, voluntários, trabalhadores e, principalmente, os usuários através de seus agenciamentos como produtores do que temos chamado de “redes vivas.” Desta forma, este trabalho tem como objetivo descrever a produção das regiões vivas de saúde no estado da Bahia. DESENVOLVIMENTO: As fontes identificadas em cada local são variadas, utilizando diversos instrumentos para coleta de dados: fontes documentais, caso-traçador e narrativas. Partindo de formulações que tem o encontro como aposta metodológica, cada pesquisador foi construindo, ao longo dos últimos 12 meses, "entradas" em três municípios baianos a partir de conexões já existentes ou constituídas com sujeitos que, direta ou indiretamente, fazem parte da assistência à saúde local. Foram construídas agendas formais e/ou informais na gestão de serviços ou da própria Secretaria Municipal de Saúde para apresentação e autorização da pesquisa. Os encontros realizados foram variados em tempo, quantidade e modos de fazer. A produção desses espaços de conversa foi forjada à medida que a aproximação dos pesquisadores com os sujeitos dos territórios foi sendo tecida. Cada "entrada" no campo adotou uma dinâmica própria associando desde rodas de conversa; visitas domiciliares; visitas a territórios de abrangência de serviços de saúde; observação; participação do cotidiano dos serviços com os trabalhadores; participação de eventos promovidos pela rede de saúde ou beneficente local; oficinas com trabalhadores; entrevistas com gestores, trabalhadores e usuários; até conversas informais nas ruas das cidades. RESULTADOS: Tomando como analisadores os diversos enunciados produzidos nos encontros nas redes é possível identificar fluxos de acesso e barreira aos serviços estabelecidos pelas atuais regiões de saúde. Uma das questões que se destaca é que tais arranjos são produzidos com forte influência de interesses privados (sejam de ordem econômica ou política) que, ao invés de facilitar o acesso, podem causar o efeito contrário. A dimensão micropolítica da fabricação de redes e regiões é, muitas das vezes, secundarizada nas definições dos pactos inter e intrafederativos. A manutenção de visões deturpadas da municipalização dos serviços pode produzir um enfraquecimento na conformação das redes de cuidado e não sua capilaridade como previsto. Estudos sobre regionalização em saúde no Brasil apontam a constituição das regiões de saúde se reinventando prioritariamente no plano normativo sem considerar essa produção micropolítica. Desta forma, o que se pode observar no cotidiano dos serviços é uma produção de ofertas de serviços e ações de saúde deslocadas das redes de cuidados informais construídas pelos usuários e trabalhadores. No estado da Bahia, se observa que a proposta recente de revisão da regionalização da saúde é um processo pautado na base associativa territorial, contemplando somente espaços formalmente instituídos de gestão, cabendo aos usuários e outros atores um lugar de recebedores dessa ação. No entanto, na potência dos encontros com trabalhadores/gestores e usuários, a partir de um caminhar cartográfico pelas redes de câncer e pessoa com deficiência, e a rede interestadual Pernambuco-Bahia, foi possível observar a produção de uma região-viva, reconhecendo que distintos atores produzem uma regionalização para além das regiões formais. Nestas "entradas", tomadas como dispositivos capazes de dar visibilidade e dizibilidade para esta realidade notou-se pontos de conexão da rede que tensionam os desenhos de regionalização do Estado. Pode-se observar um vazio assistencial em algumas das regiões de saúde do Estado, principalmente no que se refere a serviços de oncologia, de reabilitação e de leitos de alta complexidade, fazendo com que muitos usuários sejam encaminhados para municípios maiores como Feira de Santana, Salvador, Ilhéus e Vitória da Conquista, ou até mesmo Petrolina (PE). É importante ressaltar que Salvador ainda é a referência para todo o Estado, que se transforma em grande aglutinador das ofertas e por isso gargalo nos serviços de referência. Ao mesmo tempo, observamos as pactuações locais que ultrapassam as fronteiras dos estados da Bahia e Pernambuco e que, apesar das inúmeras dificuldades, vêm tentando construir uma articulação das ofertas dos leitos de urgência e emergência, por exemplo, a partir da constatação dos vazios assistenciais nesta rede de toda a Região do Vale Médio São Francisco. É possível notar que municípios limítrofes intra ou entre estados e não contemplados pelas regiões instituídas conduzem seus processos de pactuação de maneiras distintas e, consequentemente, com efeitos distintos. Estas realidades tomadas em suas singularidades vão tensionar ainda o debate sobre a cogestão estabelecida pelo arranjo dos planos de regionalização, que considera apenas os espaços formais como produtores do itinerário de cuidado na rede de atenção, invisibilizando e não reconhecendo a rede-viva de conexões que é produzida pelo usuário, como seu itinerário singular de acolhimento, em cogestão com espaços formais e não formais da rede de atenção. Inclusive, é dizível pelos atores implicados com os debates das pactuações regionais o progressivo esvaziamento destes espaços formais. Observamos ainda, por parte dos trabalhadores, uma produção intensa de conexões para dentro e para fora das redes formais de pactuação nas quais estão inseridos, sendo eles também parte da produção da rede existencial dos usuários, em uma dobra constante entre o instituído e o instituinte, representando uma vivacidade que possibilita a potencialização das regiões vivas. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Estas trajetórias colocam para o tema da regionalização a necessidade de ampliar o debate no sentido de considerar multiplicidade de territórios existenciais que são construídos pelo usuário em busca de uma rede de acolhimento para si. São redes-vivas em acontecimento e que dão outras visibilidades para as fronteiras micropolíticas que são conformadas no cotidiano das redes, superando uma única prática de cuidado restringida ao plano associativo territorial. Estes encontros cotidianos que se dão no plano da existência dos usuários e trabalhadores, permitindo que a multiplicidade de modos de fazer seja tomada como foco principal na produção do cuidado em saúde, que demandam novos enfoques, para entender o processo de regionalização. Observamos a manutenção de um centro de poder em determinadas esferas, invisibilizando uma multiplicidade de esferas de interlocução de outros atores que estão negociando processo cooperativos presentes na prática cotidiana, onde se pactua a produção de outras redes, outros sentidos, em especial a partir do próprio usuário e suas redes de conexão, que inventam a todo o momento uma região viva.    

Palavras-chave


regionalização; regiões-vivas; cartografia