Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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A Multidisciplinaridade no VER-SUS Sergipe 2015/2 e a Aplicação do Método Josué de Castro
Nathália de Mattos Santos, Matheus Coutinho Alves

Última alteração: 2015-10-27

Resumo


APRESENTAÇÃO: Em julho de 2015, aconteceu o VER-SUS Sergipe 2015/2, no Centro de Formação Canudos, localizado no Assentamento do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) Moacir Wanderley no município de Nossa Senhora do Socorro. Nessa ocasião, participaram 50 viventes, entre estudantes de diversos cursos da área da saúde – Bacharelado Interdisciplinar em Saúde, Enfermagem, Fisioterapia, Medicina, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Saúde Coletiva, Terapia Ocupacional – e militantes de movimentos sociais do campo e da cidade: MST e MOTU (Movimento Organizado dos Trabalhadores Urbanos). Além dos viventes, 12 facilitadores (estudantes da área da saúde que eram integrantes da Comissão Organizadora) também participaram da vivência. Durante e após o VER-SUS Sergipe 2015/2, houve uma reflexão, sob a perspectiva de facilitadores, acerca do impacto positivo que essa oportunidade de vivência interdisciplinar gerou na concepção dos viventes sobre o trabalho coletivo entre profissionais de diferentes áreas e a repercussão que isso gera na resolutividade e na qualidade da assistência em saúde. Pretende-se fazer uma análise de como o planejamento metodológico desse projeto, sobretudo através da aplicação do método do Instituto Josué de Castro (IEJC), influenciou na construção, em cada um, do senso de valorização da atuação em equipe; com isso, passa-se a entender a intersecção entre os saberes, o diálogo saudável e o respeito mútuo como formas de contornar limitações estruturais e qualificar o serviço prestado. O Instituto Josué de Castro foi o responsável pelo aprimoramento do método político-pedagógico homônimo, construído desde o início da década de 1990 pelo MST nas Oficinas Organizacionais de Capacitação, OFOC’s, cujo objetivo era, por meio do trabalho em cooperação, despertar nas famílias assentadas a necessidade de ruptura com a ordem social vigente. Dentre os vários pilares pedagógicos que estruturam esse método, destacam-se aqueles que foram a base do VER-SUS Sergipe 2015/2: Tempos Educativos, Trabalho, Gestão Democrática, Coletividade e Mística e Valores. É necessário destacar que não existe uma fórmula teórica para reproduzi-lo; a construção acontece através da materialização dos elementos citados em cada realidade, adaptando-os às devidas especificidades. A vivência do método promove o reconhecimento das contradições existentes na sociedade capitalista em que vivemos, ao passo que forja novas formas de sociabilidade livres do fardo histórico do nosso tempo. Há, a partir disso, a compreensão de que não é possível manter a neutralidade em um contexto de divisão em classes – e esse é o gatilho para entender a necessidade de uma transformação social justa e equânime. Nesse raciocínio, encontra-se o SUS: um sistema de saúde público, universal e gratuito que faz contraponto a uma sociedade regida pelo lucro e pela competitividade. O VER-SUS Sergipe 2015/2 se propôs a aprofundar a consciência de que foi a luta unitária de trabalhadores que gerou e sustenta esse sistema frente à tentativa de mercantilização da saúde e que, independente do setor de participação (gestor, trabalhador ou usuário), é importante enxergar-se enquanto responsável pela sua defesa. Um requisito para esse fim é a ruptura, através do trabalho multidisciplinar, com os valores que incitam a rivalidade entre categorias profissionais e a supervalorização de egos. Repensar o serviço de saúde a partir da integração da equipe é essencial para o fortalecimento do SUS. Diante dessa relevância, a multidisciplinaridade esteve presente transversalmente em todas as etapas de construção e vivência do VER-SUS Sergipe 2015/2. Buscou-se sempre contemplar o maior número de cursos da saúde: para o processo de formação da Comissão Organizadora/Facilitadores, o projeto foi amplamente divulgado em redes sociais e para centros acadêmicos de vários campi do estado; durante a seleção de viventes, esse critério foi indispensável – o principal reflexo disso foi a representação de quase a totalidade de universidades e campi do estado que ofertam tais cursos, além da preocupação em garantir a mesma diversidade entre os viventes de outros locais. Apropriando-se do método do IEJC, os viventes foram agrupados em Núcleos de Base (NB), grupos fixos durante toda a vivência que consistem na unidade mínima da gestão democrática, pois garantem a participação de todos e todas nas decisões que interferem na dinâmica versusiana. Já que a relação entre os membros de cada NB seria intensa ao longo dos dias, eles foram compostos de forma a assegurar a diversidade interna entre áreas e faculdades. Além disso, nas visitas aos dispositivos da Rede de Saúde e às áreas de movimentos sociais, eles eram redistribuídos em Grupos de Vivência (GV) para promover interação entre pessoas de diferentes NB's. Através da observação durante e após o VER-SUS Sergipe 2015/2, os facilitadores compreenderam que a melhor forma de romper preconceitos e de aprender a atuar em equipe é por meio da convivência contínua; portanto, houve o primeiro passo no trajeto até esse objetivo. Garantir a pluralidade, entretanto, não é suficiente para a integração que foi planejada; para tanto, é preciso que os viventes operem coletivamente. Posto isso, cada dia da vivência foi estruturado em Tempos Educativos, como sugere o método do IEJC. Essa é uma forma de organizar o tempo que frisa a repercussão que atitudes individuais têm para a totalidade dos participantes, além de preconizar que o indivíduo seja participante ativo de cada etapa do processo, e não apenas receptor de decisões. Nesse modelo, não há supervalorização do conteúdo formal em detrimento de outros momentos, como espaços pessoal, de socialização e de execução de tarefas (cuidados com a estrutura do local e com a disciplina para o andamento dos Tempos). Cada atividade – seja de formação, de trabalho ou lúdica – foi pensada de forma intencional para a construção de sujeitos conscientes e transformadores. Para cada um dos dez dias de vivência, foi designado um eixo temático que norteou as discussões e/ou a visita aos serviços de saúde e às áreas de movimentos sociais. A essência do planejamento da grade diária feito pela Comissão Organizadora foi a garantia de uma abordagem ampla, que valorizasse igualitariamente todas as áreas que compõem o SUS. Um dos instrumentos utilizados para esse fim foi a presença de facilitadores externos de debates que representassem diferentes profissões, o que enriquece o processo de formação ao passo que apresenta o tema sob diferentes perspectivas, além de romper com o paradigma do modelo médico-centrado. Seguindo essa linha, em cada dispositivo visitado, tentava-se proporcionar o diálogo dos viventes com vários profissionais que exerciam distintas funções na equipe de saúde. O VER-SUS Sergipe 2015/2 acarretou impactos na organização interdisciplinar dos estudantes, o que se deu de diferentes maneiras. Uma delas foi a inserção em centros acadêmicos – ou criação dos que ainda não existiam – para, além de outros objetivos, disseminar princípios de trabalho em coletividade dentro dos respectivos cursos e promover uma inédita integração entre eles em lutas e atividades. Também com a intenção de fortalecer o empenho unitário pelo SUS, muitos viventes se somaram a movimentos sociais, como o Movimento Popular de Saúde (MOPS) e o Levante Popular da Juventude, no qual foi estruturado um Coletivo de Saúde Estadual. Além disso, eles se uniram com o intuito de produzir trabalhos, a partir da experiência que tiveram, para diversos eventos acadêmicos. Por fim, corroborando a eficácia da forma de construção do VER-SUS Sergipe 2015/2, houve um expressivo crescimento da Comissão Organizadora, que hoje já abrange a maior parte dos cursos e campi da saúde do estado.

Palavras-chave


multidisciplinaridade; vivência; método; SUS