Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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PERCURSOS CARTOGRÁFICOS: APREENSÃO DAS RELAÇÕES ENTRE SOM E SENTIDO EM CONTEXTOS DE LAZER NOTURNO E SEUS DESDOBRAMENTOS SOBRE A CONSTITUIÇÃO DE PERFORMANCES DE GÊNERO
Altamir Trevisan Dutra, Murilo Cavagnoli, Myriam Aldana Vargas Santin, Daniela Zawadski, Ana Carolina Duering, Isis Dettweiler, Caroline Chioldeli, Augusto Schimidt, Silvana Winckler

Última alteração: 2015-11-24

Resumo


APRESENTAÇÃO:Este trabalho discute o tema das relações de gênero (BULTER, 1989) e as expressões de iniquidade entre masculinidades e feminilidades apreendidas por meio da pesquisa cartográfica (PASSOS; KASTRUP; ESCOSSIA, 2009; 2014) em contextos de lazer noturno do município de Chapecó, Santa Catarina. O estudo foi concebido pelo Grupo de Estudos e Pesquisa de Gênero FOGUEIRA e aprovado no Edital 383/Reitoria Unochapecó/2014. Dentre seus objetivos, destacamos a proposta de identificar e analisar características de contextos recreativos noturnos, as experiências da corporeidade que se apresentam em tais contextos e seus efeitos de subjetivação sob performances de gênero, produzidos na relação com sentidos enunciados pelos estilos musicais veiculados. A participação em eventos recreativos noturnos é atividade comum à significativa parte da população. Estudos contemporâneos vêm afirmando a necessária atenção a esses acontecimentos quando visamos compreender “modos de subjetivação” (GUATTARI, 1996). Trabalhos como os de Lomba, Apóstola e Cardoso (2012) e de Romera (2014) vêm demonstrando conexões entre tais eventos e a violência, o consumo de drogas e a adoção de comportamentos de risco. Porém, poucos estudos atuais buscam analisar as relações de gênero que se explicitam nesses contextos. Considerando a categoria gênero como analisador que permite compreender as apresentações do corpo, as performances sexuais e as maneiras de pensar, sentir e agir em relação aos lugares historicamente e socialmente demarcados sobre o sexo biológico, entendemos que a análise das expressões de gênero em contextos de recreação noturna contribui para a constituição de olhares mais apurados sobre o cotidiano, capazes de problematizar as iniquidades, auxiliando na visualização de problemáticas e evidenciando a necessidade de atenção aos desdobramentos de experiências perpassadas pelas questões de gênero no cuidado à saúde. Os contextos de lazer noturno, portanto, são cenários importantes à compreensão dos modos de subjetivação, pois tanto a música, quanto os encontros que eles proporcionam, produzem sentidos e práticas, incidindo sobre as subjetividades. METODOLOGIA: A produção dos dados foi sustentada pela inserção empírica em contextos de lazer noturno, realizada por acadêmicos do curso de graduação em Psicologia da Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó, através da observação participante e orientados pela perspectiva cartográfica. A pesquisa cartográfica, pressupondo a coexistência do conhecer, do agir e do criar, procura instituir uma política de pesquisa na qual habita a cena pesquisada, os sentidos e ações engendrados nela. Dessa maneira, visa o protagonismo tanto de pesquisadores como de participantes, em uma produção de conhecimento dialógica, considerando distintos pontos de vista capazes de formar um plano comum, mas ao mesmo tempo heterogêneo (KASTRUP; PASSOS, 2014). É a riqueza e a heterogeneidade desses contextos que interessa ao cartógrafo, o que leva o pesquisador, que opta por essa metodologia, a adotar um funcionamento da atenção flutuante, voltada ao acompanhamento de processos relacionais complexos e não à demarcação de objetos com contornos precisos, que deixariam escapar singularidades. Além da observação participante (fundamental à etnografia), foi adotado como técnica para produzir conversas informais (SPINK, 2014) o registro em diário de campo.As informações foram obtidas em quatro casas noturnas, duas delas promovendo, nos momentos de observação participante, festas de música sertaneja, uma apresentando um show de rock e a última promovendo evento com temática orientada pela música pop. Buscamos identificar características de ambientes e de grupos de frequentadores.Foram registradas, em diário de campo, as músicas executadas em cada uma das festas e seus enunciados verbais, as formas de relação que os pesquisadores estabeleceram com demais participantes dos eventos e, principalmente, relações que expressassem sentidos sobre os papéis de gênero e o exercício da sexualidade. Resultados:Nos contextos investigados, os pesquisadores puderam constatar a existência de referências identitárias distintas, relacionadas aos distintos estilos musicais, que repercutem sobre os sentidos produzidos em torno do exercício de papéis de gênero e das relações interpessoais. Segundo Piedade (2011), podemos compreender a música como imbricada à cultura, sendo a musicalidade uma expressão constituída historicamente, por meio das negociações entre o som e os sentidos que é capaz de evocar. Estilos musicais, portanto, dizem respeito tanto a um gênero discursivo (BAKHTIN, 2010) da linguagem musical, expresso em sua forma e conteúdo, quanto às significações associadas a ele, que se produzem, circulam e são consumidas na cultura. Cabe ressaltar ainda que, quando falamos em subjetivação (GUATTARI; DELEUZE, 1996), não nos referimos a uma identidade estática, mas a um processo de identificação sempre em curso, que constitui modos de pensar, de sentir e de agir sempre abertos a transformações, nos diferentes encontros experimentados por sujeitos situados em distintos contextos. Butler (1998) ainda nos alerta de que gênero e sexualidade são também construções que demarcam modos de ser relacionados ao masculino e ao feminino, construídos através de inúmeras práticas e aprendizagens. Considerando tais definições, a pesquisa de campo pôde constatar a existência de diferentes referências estéticas, relacionadas à estrutura rítmica e melódica da música, presentes em cada contexto e aprovadas pelo gosto dos frequentadores. Da mesma forma, esses diferentes estilos ainda veiculam enunciados verbais muito distintos. Nas festas sertanejas, as letras das músicas geralmente estavam dirigidas a temas relacionados ao consumo de álcool, às próprias festas e às relações sexuais, demarcando lugares de gênero binários, considerando apenas possibilidades de relações entre homem e mulher. Já na festa pop, são também feitas menções a consumo de bebidas alcoólicas e às festas, mas os enunciados dirigidos às performances de gênero e às relações sexuais não são demarcados em torno do mesmo binarismo, sendo que tanto público quanto músicos fazem menções às relações sexuais sem considerar identidades de gênero rígidas. Na festa de rock, a maioria das músicas executadas era cantada em inglês, sendo que uma parte do público admitia não entender o conteúdo das letras. Nas músicas veiculadas em português, os conteúdos dos enunciados remetem a questões como liberdade, uso de drogas, estilo de vida confluente com a estética do rock e relacionamentos. No caso da festa observada, voltada ao rock, apesar da menção às relações sexuais, não há nas letras expressões que demarquem lugares binários, na maioria das vezes. Percebemos, nas festas de rock e sertanejo, uma hegemonia de estilos musicais demarcados em torno dos gêneros utilizados para divulgar o evento. Já na festa pop, existe o que Piedade (2011) denomina “hibridismo contrastivo”. Nessa fusão de estilos, não temos um estilo A e um estilo B que são amalgamados para formar um C, mas sim uma fusão AB, onde, por exemplo, o pop continua sendo executado e ouvido enquanto pop, mas se hibridiza com a música eletrônica e com o funk, principalmente. Os pesquisadores perceberam, mesmo antes dessa constatação, um ecletismo estético mais acentuado nos frequentadores das festas pop. Considerações finais:Dentre os resultados, cabe destacar relações entre estilos musicais, enunciados verbais e apresentações de distintas performances de gênero em cada um desses contextos. Considerando a música como linguagem reflexivo-afetiva (MAHEIRIE, 2003) e a subjetivação como movimento aberto ao devir, fica evidente que a relação com tais enunciados, distintos em sua forma e conteúdo, produz processos de identificação que marcam as relações entre os sexos, produzindo significativas diferenças. Portanto, a relação com a música pode gerar desde movimentos de abertura às diferenças e reconhecimento da alteridade até posturas identitárias rígidas, que demarcam, em alguns momentos, comportamentos intolerantes e que sustentam desigualdades.

Palavras-chave


Gênero; estilos musicais; contextos recreativos noturnos

Referências


BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. Martins Fontes, 2010, 5ª edição.

 

BUTLER, Judith. Feminismo e questões pós-modernas. Cadernos pagu (11) 1998: pp.11-42

 

DELEUZE,  G.;  GUATTARI,  F.  Mil  Platôs:  capitalismo  e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995, v.1.

 

GUATTARI,  Felix. Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de Janeiro: 34,. (Col.

TRANS) 1992.

 

KASTRUP,  Virgínia.  PASSOS,  Eduardo.  Cartografar  é  traçar  um  plano  comum.

Fractal,  Rev.  Psicol.,  v.  25  –  n.  2,  p.  263-280,  Maio/Ago.  2013.

 

LOMBA, Maria de Lurdes Lopes. APÓSTOLO, João Luiz. CARDOSO, Daniela Batista. Violência em ambientes de lazer noturno de jovens portugueses: relação com consumo de álcool e drogas. Esc Anna Nery (impr.)2012 jul -set; 16 (3):500-507

 

MAHEIRIE,  Kátia.  Processo  de  criação  no  fazer  musical:  uma objetivação  da  subjetividade,  a  partir  dos  trabalhos  de  Sartre  e Vygotsky. Psicol. estud.,  Maringá,  v. 8,  n. 2, Dec.  2003

 

PASSOS,  Eduardo.  KASTRUP,  Virgínia,  ESCÓSSIA,  Liliana. Pistas  do  método  da cartografia. Porto Alegre, Sulina. 2009.

 

PIEDADE,  Augusto.  Perseguindo  fios  da  meada:  pensamentos  sobre hibridismo... Per Musi, Belo Horizonte, n.23, 2011, p.103-112.

 

ROMERA, Liana. As Drogas e os Cenários de Lazer. Licere, Belo Horizonte, v.17, n.3, set/2014

 

SPINK, Mary Jane Paris. BRIGADÃO, Jacqueline Isaac Machado. NASCIMENTO, Vanda Lúcia Vitoriano. A produção de informação na pesquisa social: compartilhando ferramentas. Rio de Janeiro. Editora PUC, 2014.