Anais do 12º Congresso Internacional da Rede Unida
Suplemento Revista Saúde em Redes ISSN 2446-4813 v.2 n.1, Suplemento, 2016
A Força do habitus na relação fisioterapeuta e paciente
Vitoria Regina Quirino de Araujo, Lemuel Dourado Sobrinho
Última alteração: 2015-11-23
Resumo
APRESENTAÇÃO: Diversas questões relativas à relação profissional de saúde e paciente são investigadas tanto sob a perspectiva das Ciências Sociais quanto pelas disciplinas do campo da saúde. Tendo em vista a complexidade inerente às práticas da saúde e aos indivíduos adoecidos ou com disfunções residuais às doenças, profissionais do campo da saúde com formações diversificadas integram a equipe no atendimento interprofissional. Assim, frequentemente, no processo de cuidado as equipes profissionais com médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, terapeutas ocupacionais; participam com contribuições próprias de cada área nas várias etapas dos processos de adoecimento: do diagnóstico e prognóstico, ao tratamento, reabilitação e cura. Portanto, a cada encontro entre profissionais e pacientes, a possibilidade da relação entre o profissional de saúde e paciente se faz presente. Nela cada um dos atores se posiciona lançando mão não apenas da sua competência profissional, mas também da habilidade relacional. Entre as proposições e estratégias das Políticas Públicas de Saúde, vários aspectos associados à realidade das relações humanas estabelecidas no campo das práticas em saúde são defendidos. Ressaltam-se a prática da igualdade na assistência à saúde sem distinção ou privilégios, difundem-se políticas de qualificação em saúde, onde o acolhimento, a humanização e a melhoria das condições de trabalho dos profissionais se configuram como dimensões precípuas. Contudo, é corrente o entendimento de que há um conjunto de tensões, dilemas e conflitos no campo da saúde que integram a chamada crise de harmonia clínica ocorrendo cotidianamente nos atendimentos dos serviços de saúde públicos e/ou privados, revelada pela crescente insatisfação, frustração e medo dos cidadãos-pacientes. Identifica-se, portanto, que a relação entre algumas categorias de profissionais da saúde e o paciente é estruturalmente assimétrica, podendo ser mais ou menos autoritária, mais ou menos participativa, porém com uma característica marcante de prescrição/mando e cumprimento/obediência em nome de um saber científico, o que não muda sua natureza assimétrica. Embora seja corrente o entendimento de que em grande medida há nas práticas de saúde uma deterioração na relação entre o profissional de saúde e o paciente; é igualmente difundido no contexto das práticas de fisioterapia que a relação entre esse profissional se configura de forma diferenciada, com a criação e fortalecimento de vínculos, fortalecidos por valores como confiança e respeito mútuos proporcionados, sobretudo, pelas sucessivas sessões fisioterapêutica comumente necessárias nos processos de reabilitação. Objetivos: Com a pesquisa analisamos a natureza da relação fisioterapeuta e paciente, a partir de entrevistas realizadas com uma amostra de 80 integrantes dos dois conjuntos de atores da cidade de Campina Grande, Paraíba. METODOLOGIA: No campo das profissões os valores a elas associados são pré-existentes a formação, sendo adquiridos ao longo da trajetória de vida, na família, na experiência pessoal e acadêmica pregressa, confirmados ou negados nas experiências da realidade profissional. Foram levantados dados sobre o "habitus" profissional do fisioterapeuta e sobre o "habitus" familiar dos pacientes, a fim de identificar em que medida estes influenciam as relações estabelecidas em processos fisioterapêutico. A relação entre fisioterapeutas e pacientes foi analisada a partir de entrevistas realizadas com uma amostra não aleatória, composta de trinta indivíduos de cada um dos conjuntos de atores envolvidos em serviços de fisioterapia públicos e privados, levando em conta variáveis como: a idade, a classe social, o tipo de formação e o gênero, tendo como cenário a cidade de Campina Grande, Paraíba. Para tal investigação algumas questões foram agrupadas em roteiros de entrevistas específicos para cada uma das amostras. Com os profissionais fisioterapeutas foram analisados aspectos como: a) situação socioeconômica; b) estilo de vida; c) formação acadêmica; d) trajetória profissional; e) compreensão acerca da relação fisioterapeuta e paciente; f) compreensão acerca da informação e comunicação em saúde. De forma semelhante, junto aos pacientes foram investigados: a) situação socioeconômica; b) estilo de vida; c) escolaridade; d) trajetória ocupacional; d) compreensão da sua doença e/ou disfunção; e) compreensão acerca da relação paciente e fisioterapeuta; f) compreensão acerca da informação e comunicação em saúde. Resultados obtidos: O conceito de “habitus” foi considerado como modelar para a análise pretendida visto que a influência do capital social, cultural e simbólico estruturam as relações, linguagem, estilos de vida, formas de pensar, enfim, estruturam o indivíduo em suas disposições no espaço social através do habitus. Percebemos que a relação fisioterapeuta - paciente é geralmente citada pelos atores envolvidos associada a aspectos positivos. Características como tranquilidade, amizade, disponibilidade, envolvimento, confiança, cuidado, respeito, destacam-se. Contudo, na maior parte das vezes, são referidos às condições do ideal e não do real. As próprias recorrentes referências ao dever ser da relação, baseadas na formação acadêmica recebida e na consciência coletiva, pode ser um indicador das tensões existentes nas práticas dos encontros com o sujo, o feio, o velho, o malcheiroso, categorias socialmente estigmatizadas em nossa cultura e sociedade. Nuances da concretude das práticas podem ser de alguma forma, mensuradas em algumas sutilezas dos depoimentos que apontam para as diferenciações nas formas de comunicação verbal estabelecidas, que ao mesmo tempo em que apontam para especificidades dos habitus, sugerem que a linguagem verbal, marcada pelo capital cultural e pelo sistema de posições é um elemento de predisposição ao distanciamento entre os indivíduos com maior capital intelectual, detentores do saber especializado e os indivíduos com menor capital cultural. Ainda no tocante à comunicação, a não verbal, inferimos nas nuances dos depoimentos, que o toque, sob vários aspectos uma forma de comunicação não verbal, emocionalmente mais poderosa do que a fala, também apresenta elementos que sugerem abordagens diferenciadas nas práticas relacionais, sendo mais visíveis as diferenciações a partir dos hábitos de higiene, mas também na aparência física e na forma de vestir. Pudemos identificar ainda nos depoimentos, que a presença de um novo ator no campo da saúde, o paciente expert, desperta para a adoção de uma postura igualmente diferenciada. Esse consumidor diferenciado das práticas de saúde, por deter conhecimentos ou informações a serem consideradas, se constitui uma ameaça aos portadores do conhecimento científico especializado e dos discursos competentes. Considerações Finais: A análise dos dados indica a força do habitus tanto na instituição/constituição do caráter dos encontros entre fisioterapeutas e pacientes, bem como em relação aos resultados dos processos terapêuticos, já que as disposições herdadas através das disposições e trajetórias dos sujeitos no espaço social influenciam as perspectivas de cura, o engajamento no tratamento, as operações proxêmicas de aproximação/distanciamento e os níveis de atenção à saúde e de respostas a elementos da interação tais como o toque, o olhar e a fala dos sujeitos envolvidos, quer como profissionais do campo da saúde, quer como pacientes. Os dados em geral e notadamente a análise dos depoimentos, em referência a influência do habitus na relação fisioterapeuta e paciente ratificaram a proposição de Bourdieu ao afirmar que o capital econômico e o capital cultural, são os mais eficientes princípios de aproximação e distanciamento dos agentes no espaço social.
Palavras-chave
Relação; Profissão; Saúde
Referências
1. BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Org. Ed. Perspectiva, 1987.
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6. BOURDIEU, Pierre. A causa da ciência: Como a história social das ciências sociais pode servir ao progresso das ciências. Política & Sociedade, Vol. 1, No 1 (2002). Disponível em: <http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/4937>
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