Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Avaliação da qualidade de vida e fatores associados de pacientes com Esquizofrenia Refratária
Fernanda Daniela Dornelas Nunes, Pedro Henrique Batista de Freitas, Jeizziani Aparecida Ferreira Pinto, Andréia Roberta Silva Souza, Richardson Miranda Machado

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


APRESENTAÇÃO: A qualidade de vida está relacionada com o bem-estar subjetivo e inclui componentes biológicos e psicológicos, como bem-estar emocional, consciência das próprias capacidades e incapacidades, possibilidade de sono adequado e descanso, energia, vitalidade e satisfação geral sobre a própria vida. Nas condições crônicas, entre elas os transtornos mentais, a questão da qualidade de vida torna-se mais evidente e complexa, sofrendo influência da duração e da gravidade da doença, dos efeitos colaterais dos medicamentos, bem como de eventos estressores que interferem no curso da doença. As pessoas que possuem esses transtornos, notadamente a esquizofrenia, são culturalmente estigmatizadas, o que prejudica ainda mais o seu funcionamento social. A importância da avaliação da qualidade de vida em pessoas que possuem esquizofrenia tornou-se mais proeminente na última década, tendo em vista que a recuperação dos pacientes também inclui sua reintegração na família, ambiente de trabalho e vida social. Além disso, os esforços não devem apenas restringir-se à transição para a comunidade, mas também fornecer suporte para a manutenção da vida. Por conseguinte, a compreensão da qualidade de vida na esquizofrenia deve se referir à experiência humana total, em seus aspectos biológicos, psicossociais e ambientais. Paradoxalmente, o grupo de pacientes, que possui a forma mais grave de esquizofrenia, chamada de refratária ou resistente, é alvo pouco frequente de estudos sobre sua qualidade vida e seus fatores associados. Apesar de não existir um consenso único e globalmente aceito, a esquizofrenia refratária pode ser caracterizada, quando não há melhora dos principais sintomas da doença após o tratamento com dois antipsicóticos de classes diferentes (sendo pelo menos um atípico), em doses adequadas, durante um determinado período de tempo (4 a 6ou 6a 8 semanas). Estima-se que cerca de 30% dos pacientes possuem a forma resistente e o tratamento de escolha é o uso do antipsicótico atípico clozapina. O objetivo deste estudo é analisar a qualidade de vida de pessoas com esquizofrenia refratária em uso de clozapina e seus fatores associados. Trata-se de uma pesquisa com delineamento transversal, realizado na Região Ampliada Oeste de Minas Gerais. Participaram deste estudo 72 pacientes com diagnóstico de esquizofrenia refratária em uso do antipsicóticoclozapina. O instrumento utilizado para avaliar a qualidade de vida dos participantes foi a escala Quality of Life Scale (QLS). Essa escala foi devidamente adaptada e validada para uso no contexto brasileiro, tendo recebido a sigla QLS-BR. Possui, em sua estrutura dimensional, um total de 21 itens, distribuídos em três domínios (social, ocupacional, e intrapsíquico e de relações interpessoais), que incluem informações subjetivas e objetivas relacionadas ao funcionamento e à sintomatologia do paciente nas 3 semanas precedentes à entrevista. Os escores 5 e 6 refletem uma qualidade de vida inalterada; a pontuação de 2 a 4 mostra um comprometimento moderado; e os escores zero e 1 indicam qualidade de vida muito comprometida. É considerada um dos principais instrumentos específicos de mensuração da qualidade de vida na esquizofrenia. A categorização da variável qualidade de vida baseou-se na classificação dada pelos escores, sendo dividida em qualidade de vida inalterada, comprometida e muito comprometida. No entanto, em função do quantitativo, quase inexpressivo, de participantes que apresentaram qualidade de vida inalterada, optou-se, por questões estatísticas, pelo agrupamento das categorias em qualidade de vida inalterada e comprometida. Para a coleta de dados sociodemográficos, clínicos e comportamentais, foi utilizado um questionário estruturado, pré-codificado e padronizado. Para mensurar a lipoproteína de alta densidade-colesterol (HDL-c) e os níveis de triglicérides e glicose, que são critérios para a classificação de síndrome metabólica, foram retiradas amostras de sangue venoso da veia cubital do antebraço, após jejum de 12 horas. A análise foi feita no laboratório de bioquímica da Universidade Federal de São João Del-Rei/Campus Centro-Oeste Dona Lindu. A síndrome metabólica foi definida utilizando-se dos critérios do National Cholesterol Education Program (NCEP) Adult Treatment Panel III (ATP-III), quando da presença de três ou mais dos seguintes fatores de risco: obesidade central (circunferência abdominal >102cm em homens ou >88cm em mulheres); pressão arterial elevada (>130/85mmHg) ou em tratamento com anti-hipertensivo; hiperglicemia (glicemia em jejum >100mg/dL) ou em tratamento com hipoglicemiante; concentração elevada de triglicérides (>150mg/dL) ou em uso de medicação para reduzi-lo; HDL-c baixo (<40mg/dL em homens ou<50mg/dL em mulheres) ou em uso de medicação para HDL-c baixo. O processamento e a análise dos dados foram realizados, por meio do programa Statistical Package for the Social Science, versão 20.0. Na análise univariada, para avaliar os fatores associados aos resultados da escala QLS-BR, foram utilizados os testes qui-quadrado de Pearson e exato de Fisher, na análise de variáveis categóricas, e teste de Mann-Whitney, na análise das variáveis numéricas com distribuição assimétrica. Na análise multivariada, foi utilizado o modelo de regressão logística binária. Para entrada das variáveis no modelo, foi considerado um p-value< 0,20 na análise univariada. Utilizou-se o critério Forwarde, adotou-se nível de 5% de significância. Foi avaliada a estimativa do oddsratio(OR) ajustado com respectivo intervalo de confiança de 95% (IC95%). O ajuste do modelo foi avaliado por meio da estatística de Hosmer-Lemeshow. De acordo com a análise dos dados obtidos nesta pesquisa a qualidade de vida esteve comprometida em todos os fatores e itens na escala global. Prática de atividade física, renda familiar e possuir filhos tiveram associação significativa com uma melhor qualidade de vida. Ter síndrome metabólica não influenciou nesse desfecho. Os resultados desta investigação têm implicações importantes para o cuidado do paciente com esquizofrenia refratária em uso de clozapina. A mudança do modelo de atenção à saúde com a consequente desinstitucionalização dos pacientes aponta para a necessidade do cuidado comunitário, principalmente, no âmbito da Atenção Primária. Neste sentido, a avaliação da qualidade de vida torna-se um indicador essencial para o estabelecimento de planos de cuidados e políticas voltadas, principalmente, ao grupo de pacientes graves, que são os mais estigmatizados e desassistidos. Além disso, os resultados indicam fatores que podem estar envolvidos em uma melhor qualidade de vida neste grupo, o que pode ser um importante instrumento para o planejamento de ações baseadas nas necessidades reais dessas pessoas, com foco na reabilitação psicossocial. A mensuração da qualidade de vida em pessoas que possuem esquizofrenia reforça um resultado alarmante, considerando-se que parcela significativa dos estudos aponta para uma qualidade de vida comprometida, em menor ou maior grau. Essa investigação mostra que a avaliação da qualidade de vida indicou comprometimento em todos os domínios e itens da escala QLS-BR, o que é corroborado por outros estudos. No entanto, chama atenção o fato de nenhum item ter indicado comprometimento acentuado na qualidade de vida, levando-se em consideração que esta pesquisa envolveu pacientes graves. Provavelmente, o fato de os pacientes encontrarem-se estáveis e em acompanhamento ambulatorial durante a pesquisa tenha influenciado esse achado. Pessoas que apresentam a forma refratária da esquizofrenia geralmente trazem consigo um histórico de prejuízo considerável no afeto e, algumas vezes, até mesmo na cognição, o que não significa que sejam incapazes de compreender o que lhes faz bem e tomar decisões coerentes a seu contexto de relações. Evidenciou-se uma baixa qualidade de vida dos pacientes com esquizofrenia refratária em uso de clozapina. Praticar atividade física, renda familiar acima de três salários mínimos e possuir filhos foram associados à melhor qualidade de vida.

Palavras-chave


Esquizofrenia; Qualidade de Vida; Enfermagem

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