Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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DESAFIOS PARA A FORMAÇÃO MÉDICA COM EQUIDADE: relato de experiência em uma população tradicional Kaingang - Água Santa/RS
Amanda Tamara de Souza, Carolina Klaesener, Vanderléia Laodete Pulga, Patricia Aline Ferri Vivian, Grégory Joaquim Cardoso

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


APRESENTAÇÃO: A formação de profissionais da saúde atentos aos problemas sociais caracteriza um dos principais desafios éticos da modernidade. Nesta perspectiva, os cursos da ciência da saúde, em especial a medicina, estão se reestruturando com o propósito de inserir seus estudantes na realidade do contexto nacional, priorizando o Sistema Único de Saúde (SUS). Esta prática tem se consolidado na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Passo Fundo/RS, durante as vivências de imersão no SUS, realizadas na Unidade Básica de Saúde (UBS) de Água Santa, dentro do componente curricular Saúde Coletiva e, a partir dessa ação, deparamo-nos com a realidade de duas áreas indígenas da etnia Kaingang. Os povos indígenas do Brasil apresentam um complexo e dinâmico quadro de saúde com perfil epidemiológico regional/nacional ainda não elucidado e  estudos escassos e fragmentados sobre essa temática. Entretanto, nosso sistema de saúde preconiza a assistência através da equidade, o que não pode ocorrer, pois não se conhece a realidade dos povos indígenas tradicionais. Neste segmento, este trabalho teve como objetivo identificar o perfil epidemiológico de uma das comunidades Kaingang habitante do município de Água Santa, procurando investigar os principais fatores responsáveis pela morbidade da população. A escolha da comunidade ocorreu em virtude da mesma encontrar-se com maior vulnerabilidade social, contando com 38 famílias acampadas em uma antiga sede estatal. METODOLOGIA: A metodologia utilizada consistiu na aplicação da Ficha A, análise dos prontuários de atendimento na UBS do município e diálogo com a comunidade para construção de estratégias de melhoria das condições e indicadores de saúde junto ao Conselho Municipal de Saúde. Como resultado, aplicou-se a Ficha A em 62,5% do total das famílias da comunidade, das quais podemos observar que: todas eram alfabetizadas; utilizam como destino comum para o lixo produzido a queima em área afastada da moradia; todas as residenciais eram de madeira; os dejetos humanos eram destinados a uma fossa a céu aberto; não havia banheiro nas residências; o abastecimento de água era efetuado pela mesma rede pública municipal de Água Santa que abastece a cidade, porém o mesmo era executado uma vez por semana através de um caminhão pipa; os meios mais comuns de comunicação são celular, rádio e televisão, e de transporte são o ônibus escolar ou intermunicipal seguido por carro próprio. As profissões eram variadas. Havia professores, agricultores, trabalhadores da agroindústria, donas de casa, estudantes e uma técnica de enfermagem. Ao serem questionados qual a unidade de saúde que procuram quando necessitam de cuidados médicos, as respostas foram o Hospital (das cidades de Tapejara ou de Passo Fundo-RS), ou a UBS do município. Um dos entrevistados afirmou possuir plano de saúde. Houve um relato de morbidade (Etilismo), os demais declararam não possuir doenças crônicas. Na análise dos prontuários médicos dessa comunidade, localizada na UBS de Água Santa, 52% pertenciam ao sexo feminino, 29% ao sexo masculino e 19% infantis. A idade dos pacientes variou entre seis meses a sessenta e nove anos. Como queixa principal, a maior incidência foi relacionada a dores abdominais, diarreia, vômito, seguido por dores articulares, atraso menstrual, sangramentos, abortamento, gravidez, diminuição da atividade visceral, congestão nasal, fogachos e febre. As doenças com maior prevalência foram as de ordem gástrica (pirose, epigastraugia), seguido de etilismo, urticária, anicomicose, fibrose cística e anemia falciforme. RESULTADOS: Apesar de não ser possível a construção de um perfil epidemiológico apenas com esses dados, sugerimos que a principal causa de morbidade neste grupo relaciona-se à falta de saneamento básico na comunidade. Os indícios deste quadro foram os constantes relatos de vômito, diarreia e dores abdominais, bem como as queixas de dor epigástrica e pirose que, por sua relevância, necessita de maior investigação. Dentre os atendimentos realizados foram tomadas as condutas de prescrição de medicamentos, encaminhamento para especialista (ginecologista, pediatra, ortopedia) ou solicitação de exames para tratamento. Como última etapa do estudo, realizamos a intervenção na comunidade Faxinal com o objetivo de apresentar os dados levantados através da Ficha A e análise dos prontuários e em conjunto dialogarmos sobre as patologias com maior prevalência na comunidade, levantando necessidades de saúde e possíveis soluções, bem como escolher um representante da comunidade para reivindicar melhorias junto ao Conselho Municipal de Saúde de Água Santa. Após apresentarmos os dados coletados, colocamos em pauta o porquê dessas doenças ocorrerem e que ações poderiam ser tomadas para alterar essa realidade. A comunidade esteve muito interessada e participativa, sugerindo que os possíveis problemas relacionados a essas doenças seriam: negligência na coleta do lixo (tempo médio de coleta de dois meses), escassez de água, abandono de animais, ausência de banheiros, dificuldades no transporte e na comunicação com a UBS (sinal linha telefônica), necessidade da visita periódica de uma agente comunitária de saúde ou um médico na comunidade, construção de um local para consultas médicas e da técnica de enfermagem. Como soluções, a comunidade propôs a diminuição do tempo da coleta do lixo e distribuição de água: instalação de mais uma caixa de água, tonéis para coleta provisória do lixo, transporte para a comunidade no período da manhã e fim de tarde, visita de um médico da saúde da família a cada 15 dias, contratação de uma agente de saúde da própria comunidade e construção de um espaço físico destinado ao atendimento de saúde. As reivindicações foram levadas ao conselho municipal de saúde em um momento onde foi discutida a Política de Saúde Indígena, com a participação de dois representantes da comunidade indígena. Foram estabelecidos acordos para a diminuição do tempo da coleta de lixo e entrega da água, contudo, a problemática do transporte e atendimento médico não foram resolvidos, sendo encaminhado documentação a SESAI na busca de solucionar o problema. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Conhecer a realidade na qual estamos inseridos é primordial para que a política de equidade seja garantida. Os problemas vivenciados nesta comunidade são recorrentes em diversas outras comunidades indígenas, ou não, do Brasil. O saneamento básico ineficaz gera um quadro de risco para aqueles que residem nestas condições. O destino impróprio dos dejetos e lixo humano são fontes de proliferação de patógenos que podem causar danos ambientais permanentes. O armazenamento incorreto da água potável recebida também é um problema, pois pode se tornar inadequada ao consumo humano e animal. O poder público, principalmente a Secretária Especial de Saúde Indígena (SESAI) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), da Unidade Básica de Saúde de Água Santa, são responsáveis pela estruturação destas comunidades e pela orientação de seus moradores. Através do trabalho preventivo, valendo-se de medidas simples como a fervura da água antes do consumo e a construção de fossas sépticas reduziria a ocorrências destas enfermidades. Buscamos com esta ação interventiva despertar o olhar para a população indígena no município de Água Santa quanto à fragilidade da assistência dos serviços de saúde através do levantamento das doenças com maior prevalência. Também procuramos instigar o desejo de reivindicar a garantia do direito a saúde com qualidade e equidade e a participação no Conselho municipal de saúde, fomentando o exercício do direito da cidadania.

Palavras-chave


Saúde Indígena; Equidade; Formação médica.

Referências


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