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RESTRIÇÕES AO ACESSO DE RESIDENTES NO EXTERIOR AOS SERVIÇOS DO SUS: caso do Município de Foz do Iguaçu - PR
Última alteração: 2015-10-30
Resumo
APRESENTAÇÃO: A Constituição brasileira de 1988 reconheceu o direito à saúde como inerente a todas as pessoas. Por isso, constitui “dever” do Estado, nos três níveis de governo, garantir o acesso “universal e igualitário” às ações e serviços de saúde (artigo 196). Não obstante a clareza da dicção constitucional, a implementação do dever estatal sofre mitigação concreta, quase sempre mediante a justificativa da limitação de recursos. Neste contexto, observa-se a adoção de critérios excludentes por gestores do SUS em regiões de fronteira internacional, com o objetivo de limitar o acesso de pessoas residentes no exterior aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). Neste trabalho busca-se relatar e analisar a adoção de restrições de acesso aos serviços do SUS por parte da gestão municipal de Foz do Iguaçu - PR, localidade de médio porte, que possui fronteiras com a República do Paraguai e com a República Argentina. A equalização das demandas sociais na região da tríplice fronteira Brasil – Paraguai – Argentina constitui vultoso desafio ao processo de integração do MERCOSUL. O lento progresso do bloco decorre das disparidades econômicas e sociais dos países que o constituem. A vitalidade do MERCOSUL depende da progressiva implementação de processos de desenvolvimento que estendam às regiões mais pobres novas capacidades de produção de riquezas e substanciais melhorias nas condições de vida da população. A tríplice fronteira é região de grande densidade populacional: no Brasil, Foz do Iguaçu possui população estimada de 263 mil habitantes; na Argentina, Puerto Iguazu possui população de 80 mil habitantes; o maior contingente da população fronteiriça encontra-se em território paraguaio, perfazendo mais de 550 mil pessoas. Essa população de aproximadamente 900 mil pessoas, além de brasileiros residentes no interior do Paraguai, socorre-se constantemente dos serviços de saúde ofertados pelo SUS. As condições desiguais de organização e funcionamento dos sistemas de saúde nos países fronteiriços ampliam o fluxo de usuários para o território brasileiro. Uma excessiva fragmentação dos serviços caracteriza o sistema argentino, comprometendo a necessária articulação entre os diferentes níveis de governo e originando graves desníveis de equidade na prestação dos serviços públicos de saúde (PNUD, 2011). O sistema paraguaio, historicamente organizado com base no atendimento à população economicamente integrada, destina 80% de seus recursos ao atendimento de 20% de sua população (ALUM & BEJARANO, 2011), o que ocasiona graves limitações de acesso ao conjunto da população, ainda que a gratuidade dos serviços tenha sido paulatinamente expandida desde o ano de 2001 O sistema brasileiro, organizado sob os princípios da universalidade e da integralidade, constitui alternativa real de acesso da população fronteiriça aos serviços de saúde. Não obstante suas limitações técnicas e financeiras, os serviços do SUS ofertados em Foz do Iguaçu possuem capacidade de atendimento a usuários em todos os níveis de complexidade. Esse fato, aliado ao permanente fluxo fronteiriço, atrai ao município brasileiros e estrangeiros residentes no exterior, em busca de atendimento assistencial. Essas circunstâncias desencadeiam forte pressão de demanda sobre os serviços públicos de saúde. Frente à finitude dos recursos financeiros, a gestão local da saúde em Foz do Iguaçu protagoniza há anos a imposição de restrições de acesso ao sistema. É comum a instituição de exigências adicionais para o cadastramento de usuários, em flagrante ofensa à legislação nacional e à proteção constitucional do direito à saúde. A municipalidade figura como ré em ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal no ano de 2006, proposta com o objetivo de garantir o atendimento a brasileiros e estrangeiros residentes no exterior, especialmente em território paraguaio. Da ação resultou sentença parcialmente procedente, com confirmação em segundo grau, que adotou como diretriz a tese da “reserva do possível”, atualmente repelida pela jurisprudência firmada nos tribunais superiores brasileiros. No momento, o referido processo encontra-se em tramitação junto ao Supremo Tribunal Federal (STF),pendente o julgamento de recurso extraordinário. METODOLOGIA: No mês de abril de 2015 o Secretário Municipal de Saúde encaminhou memorando às unidades públicas de atendimento de Foz do Iguaçu, instituindo novas restrições de acesso aos usuários do SUS residentes no exterior. Condicionou-se o atendimento eletivo a estrangeiros à posse de visto de permanência no país e à apresentação de Cadastro de Pessoa Física e de fatura dos serviços de fornecimento de água e esgoto ou de energia elétrica em nome do solicitante; determinou-se a interrupção do fornecimento do Cartão Nacional do SUS a estrangeiros pelas unidades de saúde e a proibição de seu atendimento nos serviços eletivos. A imposição dessas exigências suscita os questionamentos adiante explicitados acerca da legalidade das medidas e de sua adequação aos princípios que regem o funcionamento do SUS. Alcance do princípio da universalidade de acesso aos serviços do SUS A universalidade de acesso aos serviços de saúde, em todos os níveis de assistência, constitui o primeiro dos princípios orientadores da organização e funcionamento do SUS. O princípio implica a garantia de acesso de toda pessoa aos serviços de saúde de que necessite. RESULTADOS: Questionamentos acerca da aplicabilidade do preceito aos estrangeiros foram recorrentemente dirimidos pelo STF que, em sucessivas decisões, afirmou a inviolabilidade dos direitos fundamentais e interpretou a expressão “residentes no Brasil” como garantia desses direitos a toda pessoa presente no território nacional (cf. HC 74051-1 e precedentes). No Brasil, o direito à saúde é reconhecido como direito fundamental de toda pessoa, independentemente de sua origem ou nacionalidade, a teor do disposto na Constituição Federal (artigo 196) e nos pactos internacionais dos quais o país é signatário (Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 25; e Pacto Internacional Sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, artigo 12). Por isso, não se amoldam ao sistema jurídico brasileiro restrições ou exigências que impliquem em mitigação do direito de acesso aos serviços do SUS. Financiamento dos serviços prestados a usuários residentes no exterior. A sistemática ordinária de financiamento do SUS encontra-se fundada na transferência de recursos entre os entes federados, mediante pactuações que consideram o grau de descentralização dos serviços, os indicadores epidemiológicos e a densidade demográfica das localidades. O financiamento dos serviços ofertados a estrangeiros e brasileiros não-residentes no país depende do atendimento ao contido no artigo 23, parágrafo 2o, da Portaria 940/2011, do Ministério da Saúde, que regula o processo de cadastramento dessas pessoas no Sistema Cartão Nacional de Saúde. Cadastrado o usuário como residente no exterior, possibilitará ao nível de gestão prestador do serviço a formalização do pedido de reembolso dos custos, segundo a tabela de remuneração do SUS, e a pactuação de metas para atendimento, nas regiões de fronteira. Também a Portaria MS 399/2006 aborda o tema ao regular a constituição de regiões fronteiriças na sistemática de regionalização dos serviços de saúde (cf. item 2.1). CONSIDERAÇÕES FINAIS: Conclui-se, portanto, que a disponibilização dos serviços de saúde a pessoas residentes no exterior em regiões de fronteira não encontra obstáculos no processo de financiamento do SUS. Antes, depende política de organização dos serviços e sistemas de saúde pelo gestor local.
Palavras-chave
Gestão; Direito à Saúde; Acesso ao SUS; Estrangeiros;
Referências
REFERÊNCIAS
- ALUM,J. & BEJARANO, M.S. Sistema de salud de Paraguay. In: Revista de Salud Pública del Paraguay, 2011, vol 1(1):13-25.
- PNUD. El sistema de salud argentino y su trajectoria de largo plazo. Buenos Aires, PNUD, 2011.