Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Com quem conversam as Agentes Comunitárias de Saúde sobre sexualidade?
Ludmila de Paula Leite, Cátia Paranhos Martins, Conrado Neves Sathler, Gabriela Gabriela Rieveres Borges de Andrade, Rebeca Luiza Schulz

Última alteração: 2015-10-28

Resumo


Este trabalho é um relato de experiência de estágio em Psicologia realizado através do Projeto de Extensão “Acompanhamento e Apoio Técnico do Programa Nacional de Melhoria de Acesso e Qualidade da Atenção Básica (PMAQ- AB)”, da Universidade Federal de Grande Dourados (UFGD). O estágio foi realizado em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) com uma equipe da Estratégia de Saúde da Família (ESF) de Dourados - MS. Foram realizadas visitas à unidade, observação do funcionamento e do trabalho das Agentes Comunitárias de Saúde (ACS). A partir das observações e das questões identificadas foi proposta a realização de rodas de conversa com as ACS. Foi observado que questões sobre sexualidade sempre estão presentes nas falas das ACS, mas de forma pouco clara e específica. Quando o tema vem à tona, é por meio de piadas ou indiretas, onde o assunto flui nas entrelinhas do discurso. Observou-se também que a entrega de preservativos era feita somente para os homens adolescentes e para casais jovens heterossexuais. Nas supervisões de estágio, além das discussões em grupo, foram propostas leituras a fim de compreender melhor o tema da sexualidade, assunto complexo e de difícil conceituação. Para Bearzoti (1994), a sexualidade é energia vital instintiva direcionada para o prazer, passível de variações qualitativas e quantitativas, além de ser vinculada à afetividade, às fases do desenvolvimento da libido infantil, às relações sociais, à procriação, à genitalidade, à relação sexual, ao erotismo e à sublimação. Marola, Sanches & Cardoso (2011) afirmam que a sexualidade é um processo simbólico e a constituição da identidade de um sujeito se manifesta na forma como ele vive as questões de cunho íntimo, considerando as questões éticas e morais do grupo social do qual ele faz parte. Santos (2010), cita uma definição de sexualidade da Organização Mundial de Saúde (OMS) do ano de 1975, que afirma que não apenas a sexualidade é uma necessidade básica do ser humano e que não pode ser separada de outros aspectos da vida, mas que a sexualidade não se limita à relação sexual. A sexualidade é “energia que motiva encontrar o amor, contato e intimidade e seexpressa na forma de sentir, nos movimentos das pessoas e como estas tocam e é tocada” (BEARZOTI, 1994, p. 113-117). O papel dos ACSs no Sistema Único de Saúde (SUS) também foi tema de discussão nas supervisões do estágio para a qualificação da Atenção Básica. O ACS é um profissional fundamental na construção do SUS no que diz respeito à comunicação entre o serviço de saúde e a comunidade. Tem a sua atuação voltada para o contato entre comunidade e os demais trabalhadores, possibilitando que as necessidades da população cheguem à equipe, e também levando informações sobre saúde para a comunidade. (COSTA et al., 2013). Ao longo do contato com a UBS e nas visitas domiciliares durante o primeiro semestre de 2015, foi observada a necessidade da população e das profissionais de falarem e serem ouvidas em relação às questões da sexualidade.  Foram realizadas as rodas de conversa com as ACS, em periodicidade quinzenal para discutir sobre as questões da sexualidade e sobre os desafios da microrregião que trabalham. Segundo Figueiredo e Queiroz (2012), as rodas de conversa possibilitam discussões em grupo acerca de um tema, onde as pessoas podem falar suas opiniões estimulando as demais a se expressarem, criando um ambiente onde é possível se posicionar e escutar o posicionamento de todas. Assim, através do exercício da fala e do pensar compartilhado, buscam compreender determinados temas de uma maneira coletiva. As rodas de conversa se constituem, nessa experiência de estágio, em espaços participativos onde as ACS podem refletir acerca de questões do cotidiano, do trabalho, da relação com a comunidade e da sexualidade. Através das rodas realizadas com um grupo de seis ACS, foi constatado que há grande resistência por parte da população e que dificilmente há diálogo sobre a vivência da sexualidade. Algumas ACS disseram que, quando há queixas sobre este tema, geralmente são de mulheres que pedem ajuda para lidar com a falta de desejo sexual pelos seus companheiros e de famílias fiéis a doutrinas religiosas que atribuem às ACS a responsabilidade de explicar para as adolescentes informações básicas sobre as mudanças no funcionamento do corpo durante a puberdade e de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. Existem, também, relatos de violência sexual e/ou doméstica. Apenas uma pequena parcela da população caracterizada como homens e adolescentes do sexo masculino e casais heterossexuais são questionados durante as visitas domiciliares se desejam ou não receber os preservativos. Para as adolescentes do sexo feminino, os preservativos são entregues somente quando suas mães ou responsáveis solicitam às ACS. Outra questão observada é que não há como conversar sobre sexualidade sem discutirmos relações de gênero. Durante as rodas de conversa, as ACSs discutiram o papel que a mulher exerce na família e na sociedade em diferentes contextos históricos, sempre pensando como era e como é hoje em dia. Algumas ACSs ao falarem das travestis que residem na região, às vezes se referem a elas no feminino e outras vezes, no masculino. A partir dessa experiência de estágio, consideramos que existem várias questões que impossibilitam o diálogo sobre sexualidade. Algumas delas são o moralismo, o discurso religioso, a tentativa de padronização das práticas e os tabus em torno das questões da sexualidade. As referências bibliográficas e as experiências na UBS nos possibilitaram entender a sexualidade de forma abrangente. Aspectos culturais, sociais, biológicos e individuais influenciam na vivência da sexualidade e nas formas de atuação dos profissionais na produção de saúde. A tentativa de normatizar a sexualidade, a partir do padrão heterossexual dominante, reforça preconceitos e cria tabus e “verdades” que não se enquadram na sociedade plural que vivemos hoje em dia. Não abordar este tema nas UBS é como negar a existência de algo intrínseco à vida de qualquer sujeito. Refletir sobre as questões da sexualidade nas rodas de conversa pode ajudar as ACS à conversarem mais abertamente com a população. 

Palavras-chave


sexualidade; rodas de conversa; atenção básica; agentes comunitárias de saúde;

Referências


BEARZOTI, Paulo. Sexualidade: um conceito psicanalítico freudianoArq. Neuro-Psiquiatr.[online]. 1994, vol.52, n.1, pp. 113-117.

COSTA, Simone de Melo et al.Agente Comunitário de Saúde: elemento nuclear das ações em saúde.Ciênc. saúde coletiva [online]. 2013, vol.18, n.7, pp.

Figueiredo, Alessandra Aniceto Ferreira e QUEIROZ, Tacinara Nogueira. A utilização da roda de conversa como metodologia que possibilita o diálogo.Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos),Florianópolis, 2012.

MAROLA, Caroline Andreia Garrido; SANCHES, Carolina Silva Munhoz; CARDOSO, Lucila Moraes. Formação de conceitos em sexualidade na adolescência e suas influências. Psicol. Educ., São Paulo ,  n. 33, dez.  2011.

SANTOS, Ana Cristina Conceição. Formação de professoras (es) em gênero e sexualidades: Novos saberes, novos olhares. Seminário Internacional Fazendo Gênero 9: Diásporas, Diversidades, Deslocamentos. - Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2010.