Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
AS VIVÊNCIAS DOS PROFISSIONAIS ENFERMEIROS DIANTE DO CUIDADO DE PACIENTES EM SOFRIMENTO PSÍQUICO GRAVE
Luiza Smeha de Matos, Maria Evanir Vicente Ferreira, Raieli Ciscato Bressan, Luciane Najar Smeha, Karine Cáceres Machado

Última alteração: 2015-10-28

Resumo


INTRODUÇÃO: A Reforma psiquiátrica teve seu início entre os anos de 1978 e 1980 e com ela vieram mudanças com relação ao atendimento, os conceitos de doença mental e a maneira de lidar com ela, modificando a prática em saúde mental nos diferentes níveis de assistência. A Reforma desenvolve uma nova maneira de pensar e agir em saúde mental criando meios de inserir os pacientes de longa permanência de instituições psiquiátricas na sociedade e preservar sua cidadania, na medida do possível, pois muitos pacientes crônicos ainda dependem das instituições psiquiátricas. Com estas mudanças passa a ser necessário que o enfermeiro, enquanto cuidador, exerça o cuidado de maneira a garantir o atendimento integral do indivíduo em sofrimento psíquico grave. Para prestar esse tipo de cuidado é preciso que a enfermagem possa abandonar preconceitos, rótulos e estigmas vinculados a esses indivíduos, valorizando a subjetividade, singularidade e complexidade do ser humano. A partir daí é possível realizar o atendimento que o paciente necessita, com cuidado humanizado e olhar ampliado, visualizando mais do que a patologia. Diante disso é importante refletir sobre a realidade dos profissionais de enfermagem. Eles estão capacitados para atender pacientes em sofrimento psíquico grave? O Enfermeiro está conseguindo se adaptar a estas mudanças? Está apto para realizar um atendimento que envolva cuidar além do corpo físico? Baseando-se no exposto acima se questiona: como o enfermeiro vivencia o cuidado de pacientes em sofrimento psíquico grave nos diferentes níveis de assistência de saúde? Com o pressuposto de elucidar o presente questionamento, objetivou-se conhecer as vivências da enfermagem diante do cuidado aos pacientes em sofrimento psíquico grave, nos diferentes níveis de assistência de saúde.METODOLOGIA:Estudo exploratório-descritivo, de caráter qualitativo, realizado entre junho de 2012 e maio de 2013. Participaram 11 enfermeiras que atuam nos contextos de cuidado de um município do interior do Rio Grande do Sul. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas a partir das seguintes questões norteadoras: “Fale sobre a sua experiência acadêmica no campo da saúde mental (disciplinas/ estágios)”. “Como você compreende o papel da enfermagem na saúde mental?” “Relate seus sentimentos, as suas vivências profissionais e intervenções em situações que envolvam pacientes em sofrimento psíquico grave.” “Sabe reconhecer sinais ou sintomas de sofrimento psíquico em pacientes internados na unidade em que você trabalha?” Os dados foram analisados pela técnica de análise temática de Minayo. Eles foram organizados em quatro categorias: 1) os sentimentos dos enfermeiros no atendimento aos pacientes em sofrimento psíquico grave; 2) a construção do conhecimento na área da saúde mental; 3) os desafios no cuidado em saúde mental e 4) a importância do enfermeiro na saúde mental. O projeto de pesquisa obteve aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa do Centro Universitário Franciscano, sob o número 149.297. RESULTADOS:Na análise dos dados aparece que a equipe de saúde possui sentimentos de ansiedade, medo e insegurança diante dos pacientes em sofrimento psíquico grave, principalmente pelo risco de agressão e fuga. Alguns profissionais se recusam a lidar com estas situações, muitas vezes, por falta de conhecimento no manejo ou por experiências ruins vividas durante o exercício profissional ou no estágio acadêmico. Os participantes deste estudo revelaram que o conhecimento adquirido por meio da graduação foi restrito e superficial, além do que a maioria relatou que as práticas acadêmicas se limitaram a unidades psiquiátricas, sem nenhuma relação com os demais serviços que a rede de atenção em saúde mental disponibiliza. É possível constatar, como uma dificuldade vivenciada pelos enfermeiros, que há um despreparo das equipes de saúde no manejo com pacientes em sofrimento psíquico grave. Percebe-se que os discursos se encontram ainda muito voltados para o atendimento pré-reforma psiquiátrica baseado em medicalização e contenção instantâneos. Em algumas das falas as próprias enfermeiras propõem a educação continuada e a capacitação como forma de apoio para enfrentar este desafio. A maioria dos enfermeiros diz compreender a relevância do papel do enfermeiro em saúde mental, sendo que uma delas revela que, além do trabalho do enfermeiro, a equipe multiprofissional é de fundamental importância para o cuidado. A Enfermeira da unidade de internação, com pós-graduação em saúde mental, revela a importância do enfermeiro no manejo do paciente que muitas vezes influencia na resposta do paciente ao cuidado recebido e ressalta também sobre a importância do conhecimento na área. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O estudo permitiu a reflexão sobre as vivências dos enfermeiros quanto à construção do conhecimento, realização do atendimento e saúde psíquica dos trabalhadores em saúde mental. A construção do conhecimento na área ainda encontra-se defasada na maioria dos cursos técnicos e de graduação e isto leva a um despreparo dos profissionais de saúde no momento do atendimento ao indivíduo em sofrimento psíquico grave, que acaba realizando procedimentos desnecessários e encaminhamentos incorretos. O despreparo, além do estigma referente ao paciente psiquiátrico, leva a sentimentos de medo, angustia e ansiedade dos profissionais no momento do atendimento, o que provoca sofrimento em todos os envolvidos. Quanto às vivências dos enfermeiros na área e nos diferentes níveis de assistência, não foi possível constatar diferenças relevantes. Este fato não ocorre quando comparadas às falas das enfermeiras com experiência na área da saúde mental com a fala das demais. Assim, é perceptível a questão da subjetividade do indivíduo, da humanização do cuidado e do atendimento eficaz aos pacientes em sofrimento psíquico grave. Como desafios foi possível constatar a deficiência na construção do conhecimento, o despreparo para o atendimento, o trabalho mecanizado e dificuldades na saúde mental dos trabalhadores da unidade psiquiátrica. O despreparo para o atendimento foi evidenciado por meio de práticas na enfermagem ainda voltadas para a contenção física e química, para medicalização e internação, sem utilizar uma conexão com a rede de saúde mental do município. Cabe ressaltar que atualmente o atendimento aos indivíduos em saúde mental não se restringe apenas às unidades psiquiátricas e Centros de Atenção Psicossocial, mas, sim, a todos os setores e serviços de saúde. Com isso, o enfermeiro precisa estar preparado e seguro das suas ações para realizar o atendimento integral. Com vistas no olhar ampliado, a escuta atentiva e a compreensão do indivíduo como um todo, que muitas vezes busca, nos profissionais da saúde, muito mais do que sua saúde física.    

Palavras-chave


Saúde Mental; Enfermagem; Cuidado de enfermagem.

Referências


ALMEIDA FILHO, A. J. de; MORAES, A. E. C.; PERES, M. A. de A. Atuação do enfermeiro nos centros de atenção psicossocial: implicações históricas da enfermagem psiquiátrica. Rev. Rene. Fortaleza, abr./jun., v.10, n.2, p. 158-165, 2009.

AMARANTE, P. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2ª Ed., 2000.

BRASIL, Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde, Comitê Nacional de Ética em Pesquisa em Seres Humanos. Resolução 196, de 10 de outubro de 1996: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília (DF); 1997.

CAMPOS, C. J. G.; TEIXEIRA, M. B. O Atendimento do doente mental em pronto-socorro geral: sentimentos e aços dos membros da equipe de enfermagem. Rev Esc Enf USP, v. 35, n. 2, p. 141-9, jun. 2001.

DUARTE, M. L. C.; OLSCHOWSKY, A. Fazeres dos enfermeiros em uma unidade de internação psiquiátrica de um hospital universitário. Revista Brasileira de Enfermagem; Brasília, v.64, n.4, p. 698-703, jul-ago, 2011.

ESTELMHSTS, P.; BRUSAMARELLO, T.; BORILLE, D.; MAFTUM, M. A. Emergências em saúde mental: prática da equipe de enfermagem durante o período de internação. Rev Enferm UERJ, Rio de Janeiro, jul-set, v.16, n. 3, p.399-403, 2008.

JORGE, M. S. B.; RANDEMARK, N. F. R.; QUEIROZ, M. V. O.; RUIZ, E. M. Reabilitação Psicossocial: visão da equipe de Saúde Mental. Rev Bras Enferm, nov-dez; v.59, n.6, p. 734-9, 2006.

MACHADO, S. da C.; STIPP, M. A. C.; PONTES, R. M. O de; MOREIRA, M. C.; SIMÕES, L. M.; LEITE, J. L. Liderança em enfermagem psiquiátrica. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, v. 10, n. 4, p. 730-734, 2006.

MARTINES, R.; SILVA, A. Reforma psiquiátrica: um processo de institucionalização. Revista Científica Eletrônica de Psicologia, v.5, n.9, Nov. 2007.

MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento. 6. ed. São Paulo: Hucitec. p. 269, 2004.

OLSCHOWSKY, O. SILVA, G. B. da. Pós-graduação lato sensu em enfermagem psiquiátrica e saúde mental: história, contexto institucional e atores. Rev Bras Enferm, Brasília, mar/abr; v. 56, n. 2, p. 151-154, 2003.

PAES, M. R; MAFTUM, M. A. MANTOVANI, M. F. Cuidado de enfermagem ao paciente com comorbidade clínico-psiquiátrica em um pronto atendimento hospitalar. Rev. Gaúcha Enferm, Porto Alegre, v. 31, n. 2, p. 277-284, 2010.

SANTOS, A. C. C. Referencial de cuidar em enfermagem psiquiátrica: um processo de reflexão de um grupo de enfermeiras. Esc Anna Nery Revista Enfermagem; v.13, n.1, p.51-55, 2009.

VILELA, S. C.; SCATENA, M. C. M. A Enfermagem e o cuidar na área de saúde mental. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília (DF), v.57, n.6, p.738-41, 2004.