Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Interdisciplinaridade no currículo: compreensão de coordenadores de cursos de Farmácia
Iane Franceschet de Sousa, Paulo Roberto Haidamus de Oliveira Bastos

Última alteração: 2015-10-28

Resumo


A formação dos profissionais de saúde, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), exige mudanças curriculares desafiadoras. Para os gestores dos cursos de graduação em saúde, espera-se que busquem rever seus currículos à luz de novas propostas, contemplando o desenho e a implementação de um currículo integrado, interdisciplinar, centrado no aluno e baseado em metodologias ativas. A postura interdisciplinar é condição exigida para o sucesso na efetivação do currículo integrado, mostrando que, de fato, a integração e a interdisciplinaridade andam juntas. Diversos autores enfatizam que a integração se refere à organização das disciplinas num programa de estudos, como uma formalidade da interdisciplinaridade. Sem dúvida, a integração é um passo prévio à interdisciplinaridade, ou seja, a integração leva a interação, que é uma condição para efetivação da interdisciplinaridade. A própria estrutura linear de um currículo organizado por disciplinas, mesmo que estas se subdividam em núcleo comum e parte diversificada, é o principal empecilho à consecução de um trabalho interdisciplinar, pois a estrutura linear em si já é uma forma de provocar a “compartimentalização” do saber em conteúdos estanques. A modificação na estrutura curricular seria então, ao lado de outras, uma das providências a serem tomadas para atingir a prática interdisciplinar. Considerando a necessidade de readequação do ensino dos profissionais de saúde com vistas a cumprir os critérios estabelecidos pelas DCNs, esta pesquisa teve como objetivo investigar a compreensão do que se entende sobre a interdisciplinaridade no currículo dos cursos de graduação em Farmácia de Instituições de Ensino Superior na Região Centro-Oeste, sob o olhar dos coordenadores desses cursos. MÉTODO DO ESTUDO: A pesquisa utilizou a abordagem qualitativa, sob os pressupostos da Fenomenologia, através do método do fenômeno situado, o qual foi aplicado em três etapas: descrição, redução e interpretação fenomenológica. Foram entrevistados 16 coordenadores de cursos de graduação em Farmácia da região Centro-Oeste, autorizados pelo MEC e cuja matriz curricular encontrava-se em conformidade com as DCN estabelecidas pela Resolução CNE/CES nº2, de fevereiro de 2002. A pergunta norteadora foi: “Como você compreende (o que significa para você) a interdisciplinaridade no currículo?” As entrevistas foram efetuadas no período de junho de 2011 até junho de 2012. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMS, sob o protocolo nº 1886 de 25 de novembro de 2010. RESULTADOS:Em relação ao enfoque da interdisciplinaridade no currículo, os depoimentos foram interpretados conforme as convergências e divergências dos discursos, identificando-se vinte e quatro unidades de significado a partir das falas dos entrevistados.  Seguem alguns trechos e suas interpretações, relacionados ao significado da interdisciplinaridade no currículo: A) A interdisciplinaridade significa interligar uma disciplina a outra. B) A interdisciplinaridade significa que uma disciplina complementa a outra.C) A interdisciplinaridade significa interrelacionar uma disciplina isolada com a outra, em algum momento do curso.D) Interdisciplinaridade significa entender todo o contexto de disciplinas ministradas durante o curso.E) A interdisciplinaridade é a associação de diversas disciplinas, conteúdos, ensinamentos, seguindo uma linha de raciocínio que ligue uma disciplina à outra. F) Interdisciplinaridade significa associar todos os conhecimentos e aplicá-los de forma ampla.G) Exercer a interdisciplinaridade é muito difícil, o acadêmico tem só uma noção da relação entre uma disciplina e outra. h) A interdisciplinaridade tem que acontecer dentro do currículo, tentando criar espaços para que os conteúdos possam conversar, para que os conteúdos possam ter sentido para o acadêmico.I) A interdisciplinaridade é necessária para dar sentido ao conhecimento visto nas disciplinas. J) A interdisciplinaridade permite que as disciplinas abordadas em um dado momento possam auxiliar na compreensão de outros conteúdos que serão aplicados mais adiante na própria vida profissional do farmacêutico. K) A interdisciplinaridade ocorre na matriz curricular com lições e disciplinas que abordem as várias áreas que o farmacêutico vai atuar. L) A interdisciplinaridade tem como objetivo integrar todos os conteúdos de forma que satisfaçam os objetivos do curso.M) A interdisciplinaridade é a integração de conteúdos, ajudando a “amarrar” as disciplinas dentro do currículo para que o futuro profissional possa resolver problemas práticos.N) A interdisciplinaridade pode ser entendida como uma fusão de disciplinas e conteúdos.O) A junção de áreas, como a Farmacologia e as Análises Clínicas, possibilita ao acadêmico uma visão mais ampla. P) Ser interdisciplinar é entender sobre todas as áreas de atuação do farmacêutico, de medicamentos, análises clínicas e alimentos.Q) Interdisciplinaridade significa associar os conteúdos das áreas de formação do farmacêutico (análises clínicas com medicamentos). No entanto, na prática, isso não é possível. R) A interdisciplinaridade deve existir para que o farmacêutico possa conhecer todas as áreas em que ele pode atuar. A interdisciplinaridade é compreendida no currículo como um “juntar de disciplinas” sem levar em consideração a cooperação e a interação, aproximando-se de um currículo multidisciplinar. Isso reflete a própria realidade de trabalho dos entrevistados, que atuam em cursos com currículos multidisciplinares. A integração é citada em alguns depoimentos como forma de caracterizar a interdisciplinaridade. No entanto, o fato do termo “integração” ser basicamente introduzido para designar o estabelecimento de uma hierarquia dos conteúdos das matérias, seja na busca de uma ordenação horizontal ou vertical, poderia levar a uma caracterização de multidisciplinaridade ou, no máximo, de pluridisciplinaridade, em que a preocupação primeira seria a justaposição de conteúdos de disciplinas heterogêneas, ou a integração de conteúdos de uma mesma disciplina. O termo “interdisciplinaridade” é tomado, por muitos entrevistados, apenas como meio para atingir a integração. A integração seria, então, efetivamente o produto final e não etapa para a interdisciplinaridade. Entretanto, a tônica principal da interdisciplinaridade seria a “interação” e o objetivo final seria o estabelecimento de uma atitude dialógica, tendo-se em vista a compreensão e a modificação da própria realidade. Determinados termos utilizados nas falas, como “amarrar”, “juntar” e “fundir”, remetem à ideia de um currículo fixo e engessado. No entanto, o sentido real da interdisciplinaridade é o de tornar o currículo mais fluído para que os conteúdos possam conversar entre si. Alguns depoimentos evidenciam uma dificuldade concreta em realizar mudanças efetivas nos currículos de Farmácia, assim como a dificuldade em compreender a proposta interdisciplinar. De fato, isso reflete a própria formação acadêmica dos entrevistados, fragmentada e voltada para as especialidades. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Para que a interdisciplinaridade seja efetivada na formação do farmacêutico é necessário, primeiramente, que cada docente compreenda que seus conhecimentos são limitados e provisórios. O movimento em prol da interdisciplinaridade implica em mudanças no cotidiano, em uma desconstrução ou ruptura com a prática tradicionalmente feita e estabelecida. Ser interdisciplinar pressupõe o desapego, o rompimento das amarras de um ensino cristalizado, significa a busca por um novo território, mas sem a segurança daquilo que já é sabido e consagrado. Portanto, é preciso que haja reflexões de práticas e teorias para que a interdisciplinaridade seja exercida, onde todos os atores envolvidos, como coordenadores de curso, professores e alunos, cultivem a humildade nos relacionamentos interpessoais, sendo este o maior fundamento da interdisciplinaridade. Todavia, apenas a interdisciplinaridade não garante um ensino adequado, mas permite que se faça uma reflexão crítica sobre o trabalho educacional visando a inserção de novos valores filosóficos e científicos que ultrapassem o enfoque fragmentado e descontextualizado do ensino, procurando transformar as práticas para que se tornem mais desafiadoras.

Palavras-chave


interdisciplinaridade; currículo; educação farmacêutica